O ABORRECIMENTO – por Fernando Martinho Guimarães

Nunca, como nos dias de hoje, se foi tão solicitado a estarmos sempre ocupados.

Em lugar de procurarmos compreender e aprender, pedem-nos que dediquemos os nossos dias a empreender – o empreendorismo tornou-se um modo de vida. E a vida torna-se um zapping constante – uma azáfama, um frenesim.

Velocidade e drama – e os nossos dias assemelham-se a um programa de entretenimento televisivo, histérico e mal feito. E, no entanto, quanto mais coisas temos para fazer, mais coisas nos faltam para fazer – ser-se activo até à exaustão final.

Tanta actividade aborrece e ainda mais porque sabemos que é para não nos aborrecermos que nos aborrecemos a fazer tantas coisas.

É que o aborrecimento tem má fama. Próximo do tédio, do torpor, do mormaço e da melancolia, ao aborrecimento atribui-se-lhe, talvez injustamente, más inclinações e funestos comportamentos.

Robert Burton, médico e cientista inglês, publicou em 1621 um livro com o título «Anatomia da melancolia». Pioneiro nos estudos da saúde mental, o autor dizia, muito sensatamente, aliás, que a melancolia atacava preferencialmente as pessoas dadas ao estudo e à meditação, fazendo-as cair num estado de mórbida quietude. Não havendo cura possível, aconselhava o médico a diversificarmos as actividades e que, em lugar de frequentarmos os livros, procurássemos a companhia feminina que sempre alegra o coração.

Se o tédio e a melancolia nos parecem muito aristocráticos, temos sempre o aborrecimento que, por estar mais bem distribuído, nos apanha a todos. É que a procura incessante do prazer leva, como sabemos, à permanente insatisfação. E ao aborrecimento. Dizia Shopenhauer, o campeão do pessimismo, que, quando desejamos o que não temos, apenas obtemos sofrimento e quando o desejo é satisfeito apenas obtemos aborrecimento ou, nas palavras de George Bernard Shaw, «há duas catástrofes na existência, a primeira quando os nossos desejos não são satisfeitos, a segunda quando o são».

De maneira que talvez seja necessário fazer do aborrecimento uma parte essencial da condição humana e, como o nascimento, o sexo e a morte, aceitá-lo.

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Fernando Martinho Guimarães (1960) Nascido transmontano (Alijó, Vila Real), foi na cidade do Porto que viveu até aos princípios dos anos 80. De formação filosófi¬ca e literária, a sua produção ensaística e poética reflecte essa duplicidade. Publicou em 1996 A Invenção da Morte (ensaio), em 2000 56 Poemas, em 2003 Ilhas Suspensas (edição bilingue, castelhano/português), em 2005 Apenas um Tédio que a doer não chega e em 2008 Crónicas.