…DOS OLHOS de Correia Machado

A Baía de Nápoles em noite de luar Vesuvio , by Ivan Constantinovich Aivazovsky

Olhos

O meu pai tem uns olhos graúdos que veem o mundo antes de mim para mo preparar. São grandes, bonitos e esbugalhados, e falam por si só e se a voz lhe falhar.

Enxergam o mundo num segundo, antes dos meus, alertam e aprestam-me na vida, para os tombos e os imprevistos, para as falhas e as distrações. Nunca naufragando. É uma mirada infalível. É sim.

Engane-se quem pense que as lentes, que historicamente leva armadas na cana do nariz, têm como serventia corrigir astigmia ou hipermetropia. Aquilo ali é um agasalho, para resguardar vistas tão lindas e inteligentes, que por vezes precisam repousar.

Acodem a serenar um olhar que divisa com nobreza e coragem as curvas raposinas da vida. Olhar sensível à dor do próximo, gentil e sempre fiel, que subitamente se enxagua em face à injustiça, e isso sempre me enterneceu. Olhos capazes, dois honestos feixes de luz na noite a guiar o caminho. O meu e dos que à sua volta dispõem do gosto de olhar na mesma direção.

Não fui, por herança genética, e por desgraça, agraciado com este sentido na vista, mas sorvo dele e aprendo. Sei a quem tenho que honrar.

Sem embargo, em muito se me entende filho de meu pai. E eu nisso envaidecido.

As minhas mãos as suas e os seus pés os meus, ninguém quem me vê dúvida de onde venho, e se hesitar para onde vou, a ele pode perguntar, porque se o meu futuro reluz é porque ele mo deu a brilhar.

A sorte que tenho. Obrigado pai.

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Filho do Vesúvio

De quando eu era napolitano e os meus olhos brilhavam, em reflexo, a cor do sol espelhada no mar tirreno. Era do sol, mas também meu, o gozo de poder ver o firmamento.

Acontecia sempre que escalava a colina do Vomero, para ir repousar a alma nos telhados do Sant`Elmo , e foram vezes tantas, que nem nos contos de um rosário caberiam.

Eu gritava-lhe que estava vivo e ela, a baia, sussurrava-me um aconchegante abraço. Dizia-me, astuta, que num sopro a vida vai, que tantas vezes afogou barcos e traineiras. Que o sal que ela cospe é um lembrete, de que a vida não é doce. É fel, é dor, é sangue e é felicidade.

Momentos que só se sentem, tentar replica-los, aqui, e em tão parcas palavras, é apenas e só cair num enorme pecado. Por isso me calo.

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Correia Machado Bem parido, melhor criado. Dizem-me carismático, enérgico malandro, que quer ser e quer saber, que quer estar e ver e ouvir. Não confirmo tudo, não desminto nada.
Estudo para tentar compreender, porque é que depois de ser, continuamos a aprender.
Médico de profissão, cantigas nas entre horas, sangue na guelra e brasa na alma.