A ÁRVORE QUE EM MIM HABITA – por Maria Toscano

 

a árvore que em mim habita


se dá a ver
aos escutadores de horizontes
uma espécie de oficiantes da seiva
mestres do encantamento do ar
por onde ramos e raízes cintilam
ao ritmo da funda expiração.

a árvore que em mim lateja

se dá em pele
aos caminheiros da floração
uma espécie de relatores das asas
mestres do alinhamento do mar
por onde marés e ondas serpenteiam
ao ritmo da doce expiação.

a árvore que em mim crepita

se dá em tronco
aos abraçadores do cosmos
uma espécie de guardiães da serenidade
mestres do agenciamento do nada
por onde as folhas amarelecem e estalam
ao ritmo da muda de estações.

a árvore que em mim dormita

se dá em fruto
aos lavradores do silêncio
uma espécie de semeadores do frio
mestres do florescimento do vazio
por onde as cascas, aos poucos, se revelam
ao ritmo da pura fecundação.

.

© Maria Toscano.

Figueira da Foz. Nau, Pastelaria – Restaurante. 21 Março 2015.

♦♦♦

Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.

O AMOR É E SEMPRE SERÁ SEM DÓ – por Maria Toscano

© Laura Makabrescu

O Amor é e sempre será sem dó

dedicam-nos uma música da moda
nos sítios de ‘influencers’ deste ‘now’
nós somos velhas almas de antanho
atravessámos todas as dunas e areias
sobrevivemos a todos os oásis falsos
para habitarmos, hoje, no sonho e na palavra
que o Amor é e será sempre. sem dó. Continuar a ler “O AMOR É E SEMPRE SERÁ SEM DÓ – por Maria Toscano”

HISTÓRIA TRÁGICA DA CRIATURA QUE(….) – por Maria Toscano

(…) TINHA 6 NAMORADOS FALECIDOS E MAIZUM.

(Paródia)

[ A Criatura — no caso, uma rapariga do género feminino, de orientação sexual hétero, e não praticando vampirismo nem nenhuma outra modalidade olímpica, pois nem frequentava o ginásio, nem tinha experiência de caminhadas, quanto mais de corrida… — vinha de perder seis dos seus namorados, o que, coexistindo com outra ocorrência, configurou uma situação trágica que A Criatura desabafou com A Amiga… ] Continuar a ler “HISTÓRIA TRÁGICA DA CRIATURA QUE(….) – por Maria Toscano”

DA PERMANÊNCIA E DA ESPERANÇA – por Maria Toscano

 

Soneto de AVISO à Morte, tão indesejada quão real
[nesta semana em que me morreram 4 queridos]:

Morte respeitável, aqui e agora,
solenemente, enquanto lavo o rosto,
declaro-te que tirei esta semana
para acatar as tuas precisões.

É verdade que, tu, tens desvantagem
se compararmos a duração do viver
e o tão mínimo e imprevisto tempo
que basta para te manteres activa.
.
Nem sempre são muito próximos nem íntimos
Os que levas, forças ou libertas.
No afã de confirmares tua presença
.
Marcas a fronteira entre o que é e foi,
Desenhas e apartas más de recordações boas
E, sem quereres, aumentas o valor da mera vida.
.
Figueira da Foz, 10 Jan 2024. Continuar a ler “DA PERMANÊNCIA E DA ESPERANÇA – por Maria Toscano”

TRÊS POEMAS COM ALGUNS ANOS – de Maria Toscano

 

deste cubículo precário
(a A.M.O.)
.
neste cubículo precário que é o mundo
às vezes falta a brisa. e o ar de tuas mãos.
faltam os olhos de água como sorris
a polpa e a saliva que és, na voz,
a fala feita à passagem dos teus gestos
— de ti: a falta. o encanto e a maravilha.
.
neste precário cubículo que é o mundo
deixas ficar-te em perfume. permaneces.
e é pelos densos poros dos sentidos
que, se não estás, sei o instante
sei o instante em que adormeces.
.
neste precário cubículo que é o mundo
nem tudo falta:
ao viveres-me
és também tu que aconteces.
.
maria toscano.
Coimbra, Café-Pastelaria Tosta Rica. 25 Novembro/ 2003. Continuar a ler “TRÊS POEMAS COM ALGUNS ANOS – de Maria Toscano”

TRADUÇÃO E LEITURA DE POEMA DE EUGÉNIO DE ANDRADE – por Maria Toscano

TRADUÇÃO E LEITURA DE POEMA

DE EUGÉNIO DE ANDRADE, 

POR MARIA TOSCANO

VER CLARO
.

Toda la poesía es luminosa,
hasta
la más oscura.
El lector es el que tiene a veces,
en lugar de sol, niebla dentro de sí.
Y la niebla nunca deja ver claro.
Si regresar
otra vez y otra vez
y otra vez
a esas sílabas alumbradas
quedará ciego de tanta claridad.
Alabado sea si allí llegar.
.
Eugénio de Andrade – Prémio Camões 2001.
In “Los surcos de la sed”. Ed. Fundação Eugénio de Andrade, 2001.
Versión al castellano: Maria Toscano, Figueira da Foz, Portugal. 13 enero / 2023.

♣♣♣

VER CLARO
.

Toda a poesia é luminosa,
até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.
.

Eugénio de Andrade – Prémio/Premio Camões 2001.
In “Os sulcos da sede”. Ed. Fundação Eugénio de Andrade, 2001.

 

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Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.

 

 

EDITORIAL – IDEIAS SOBRE A POBREZA – por Maria Toscano

Urgem ideias-comuns menos pobres
sobre a pobreza

Reflectir sobre a pobreza nesta época de Natal – desafio da Direcção da Revista Athena a que me cumpre corresponder como estudiosa dos processos de saída — ou requalificação social — de quem é reconhecido como tendo sido pobre.

Começo por recordar noção sólida e transversal aos diversos estudos sociais sobre o fenómeno: a pobreza é um problema multidimensional.

Quem não sabe disto? Quem pode afirmar que nunca ouviu o enunciado das diversas carências que se acumulam num modo de vida dito pobre? Ou, trocando por miúdos: nem a condição social para se ser pobre é linear, nem é gerada -decorrente-causada apenas por um factor.

Quem nunca contactou — numa notícia radiofónica, num debate televisivo, num documentário, mesmo num filme ou numa canção — com o relato da acumulação de carências ou da passagem da ‘falta’ de um recurso à centrifugação da vida pela reprodução da escassez ou ausência de recursos?

Enfim: quem nunca se apercebeu da dor múltipla em que o quotidiano se transforma quando se empobrece por desemprego, ou por um divórcio/separação, ou por maus tratos de cônjuge, ou por dificuldade ou desorganização entre os gastos feitos e os possíveis?

Acrescento: sendo a pobreza vivida por pessoas singulares e únicas, estas vivências integram, sempre e simultaneamente, sectores e meios onde essa condição é transversal e/ou partilhada — outra noção chave para a sociologia e os estudos dos sociais em torno da pobreza e da exclusão social.

Isto é: constatar a multiplicidade das carências vividas por quem vive em condição de pobreza de todo significa que tenham uma causa singular ou individual; é, sim, conseguir perceber que a multiplicidade dos factores é acentuada ou cruzada pela dimensão colectiva e social do que são modos de vida construídos como pobres e como não pobres. Modos de vida que se reproduzem pelos comportamentos, como pelas atitudes e pelas mentalidades, modos de pensar, de falar e de sentir.

Somos todos testemunhas.

Até talvez já tenhamos uma noção dos conceitos ou das teorias sobre a pobreza.

O problema parece-me estar justamente aqui: no facto de acreditarmos que temos uma ideia do assunto, pelo que, todos formulamos uma análise, ou várias, discordantes; e, claro, em consequência, acabarmos por concordar que “como sempre houve pobreza, continua a haver e sempre haverá pobreza”.

O problema é que, ainda que seja mais fácil-cómodo alinhar na frase comum de que “sempre houve pobreza” não temos evidências disso. Aliás, temos evidências de que as desigualdades entre os mais e os menos poderosos foi uma construção, crescentemente elaborada e justificada-legitimada para alimentar o conformismo e a desistência de contribuir para outra maneira de organizar recursos e vida social. A história humana ensina que foi a ‘descoberta’ da terra privada, das ferramentas, instrumentos e alfaias privadas, e a invenção dos alojamentos, dos parceiros e das crias gradualmente exclusivos e ‘privados’ que acelerou a emergência e gradual desigualdade de sectores sociais poderosos, menos poderosos e não poderosos. Desigualdades e poderes são determinantes na emergência e manutenção de realidades pobres.

De todo se pretende defender um – impossível – regresso ao passado ou o saudosismo das puras origens. O tema é: atenção a preconceitos, ideias-feitas disparatadas e sem qualquer suporte empírico-real-fundamentado.

A ciência tem o dever de se tornar clara e acessível – o cada vez tem conseguido mais, como cada vez mais integrar de forma explícita as noções com que governamos e conduzimos as nossas vidas globalizadas.

Sendo a pobreza uma condição multidimensional, colectiva e relacionalmente construída e legitimada e mantida-reproduzida, não bastam à sua mutação e superação  acções singulares, particulares e isolada no tempo e dos vários sistemas-contextos-sectores sociais.

A pobreza subjaz à degradação ecológica dos recursos do planeta; a pobreza suporta o tráfico de seres humanos; a pobreza alimenta as relações de género degradantes e agressivas (podendo estas desenvolverem-se noutros contextos não ‘pobres’); a pobreza estimula a competição, o individualismo, o insucesso escolar e a ignorância social; a pobreza é o rosto das incapacidades relacionais e de justiça que as nossas sociedades manifestam e, nalguns casos, aprofundam.

Somos todos testemunhas.

Sejamos todos sujeitos de mudança, a começar pela distância entre aquilo que pensamos e fazemos.

Ou, calemo-nos de vez e assumamos que, por sermos tão miseráveis, nem somos capazes de admitir que o fim da pobreza envolve e implica a todos, porque os recursos-mãe e os contextos e modos de legislar e organizar a vida são… colectivos, relacionais e sociais.

Que tal, neste Natal, deixarmos de nos convencer(mos) de que somos muito humanos e, de uma vez por todas, admitirmos que aquela gastíssima frase – “pois, sempre houve pobreza…” – sendo cómoda, é uma falácia, pois é um dos nossos comportamentos miseráveis que reproduzimos e nos faz, também por isso, sermos pobres?

Que tal assumirmos ideias menos pobres sobre a pobreza… e acções…?

 ♦♦♦

Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.
Figueira da Foz, 3 de Dezembro / 2022

7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano

… de trevos e rosas imaculadas
by hernan pauccara

1.

há muitas palavras para mentir e apenas uma para a verdade.
no jardim das maravilhas da minha vida
jazem vários caules hercúleos,
eternamente iluminados pela seiva
interna
a correr desde o coração.
morrerei já não jovem, sei-o agora.
e do passar dos tempos sei, também agora,
que as convenções podem matar o brilho de um olhar
uma covinha no rosto
um arrepio na nuca.
só que nunca o amor será vencido.
mora em lugar altaneiro
onde poucos acedem
de onde muitos desabam
– ali
ao alcance da tal palavra pura. Continuar a ler “7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano”

CINCO POEMAS DE MARIA TOSCANO

 

um.

nasci para aprender a ser árvore/
crescente desde o coração da terra/
voadora pelos ramos e asas /
espraiando-me entre cumes e desertos, /
montanhas mágicas serras áridas /
e mornas planícies morenas dos suis.
até desarvorar – fidelíssima e de vez – /
no amoroso corpo envolvente
do meu devoto amor , o mar.

© Maria Toscano, Novembro, Coimbra Continuar a ler “CINCO POEMAS DE MARIA TOSCANO”

das presilhas do coração – por Maria Toscano

1.

 os homens atam as presilhas do coração
ao cós da promessa de maternidade eterna.

acreditam, os homens, ser sua grandeza
permanecerem sempre filhos apaparicados e

dispensados de ser autónomos e maduros.

nem a todos toca a fábula diabólica.
homens serenos plenos e acertados com lágrima e riso
de ombros e afectos largos/ de peito e siso
continuados inteiros na posição de caminhar Continuar a ler “das presilhas do coração – por Maria Toscano”