UM CONTENTAMENTO DESCONTENTE – EDITORIAL por Danyel Guerra

 

Diogo, a criança que calou a arma com a flor. Da autoria do fotógrafo Sérgio Guimarães.

 

UM CONTENTAMENTO DESCONTENTE

“Há uma justa medida em todas as coisas; E existem certos limites” Horácio

 

I– Às 24 horas do próximo dia 24 de abril terminam as celebrações populares e institucionais do cinquentenário do levante cívico-militar que, sem efusão de sangue, vibrou o golpe de misericórdia na ditadura estadonovista de Salazar e Caetano, O vermelho, vibrante, só era visível nos cravos que floriram no cano das  metralhadoras.

Ao longo desses 365 dias de comemorações, nem sequer o mais otimista aos Drs. Pangloss da classe política dominante  se extenuará na entoação de hosanas às virtudes, conquistas e realizações  do regime abrilista,  como se Portugal estivesse vivendo num mundo leibniziano, como se os portugueses  estivessem próximos de atingir o zênite da prosperidade econômica, da justiça social, tributária e eleitoral,  das liberdades individuais, da isonomia e da equidade jurídicas, do bem-estar coletivo a que têm direito enquanto cidadãos de um país democrático, onde o estado de direito se alça como firme e bem fundada trave-mestra.

Julgo que só um paladino inebriado por etílicas bebemorações ousará afirmar que está sendo alcançada a harmonia da desejada triangulação dos três “D” inscritos no programa do Movimento das Forças Armadas (MFA).

II– DDD. D de Descolonizar, D de Desenvolver, D de Democratizar. Esta foi a tríade de objetivos civilizatórios  plasmados pelos capitães insurgentes na sua plataforma política de redenção nacional, de restauração  da legalidade/legitimidade democráticas e de uma equânime estabilidade institucional..

Alguns deles, imbuídos de um lírico idealismo deliraram  o desenho de um triângulo equilátero em que esses três D seriam os vértices. Transcursos precisos 50 anos , sejamos desassombrados,  o triângulo esquissado corre o sério risco de adquirir uma configuração isoscélica, quando não escalena.

III-A Descolonização ficou, para já, pela metade. A relativa às possessões africanas  desenrolou-se com os governos provisórios reféns de um ultimato político e expostos à  intensa pressão nacional e internacional.  O processo  viu-se  concluído em tempo record.  Aos povos colonizados foi negado o lídimo direito de se autodeterminarem livremente. A soberania dos novos estados caiu nas mãos de autoproclamados movimentos de libertação, na sua maioria eivados por ideologias autoritárias e até ditatoriais. E a magnífica pintura está agora exposta em tempo permanente, nos PALOP.  A única exceção tem sido Cabo Verde.

Numa situação muito concreta, a de Timor Leste, o descaso da metrópole ocupante combinado com a sofreguidão fraticida dos movimentos autonomistas redundou numa penosa tragédia humanitária,na qual a Indonésia foi a principal ré. .

IV– ”Navegar  é preciso, viver não é preciso.” Competiu à ágil pena de Plutarco inscrever no pergaminho esta lendária frase de Pompeu Magno. Com essa intimação, o general romano visava motivar seus soldados a ousarem na aventura marítima, mesmo pondo em risco a própria vida. Desde que não fosse a dele…

Os navegantes lusos perfilharam outrossim esse repto nas suas odisseias oceânicas. Hoje, finda a epopeia imperial, navegar não é preciso… a não ser que seja no ciberespaço. Agora, viver é preciso. Melhor dizendo, viver bem é preciso. Em 2025, os portugueses ainda estão longe de usufruirem de um sólido e solidário wellfare state.

Por muito que inúmeros decisores políticos se empenhem na propagação dessa falácia, crescimento não pode ser drapejado como sinônimo de desenvolvimento. Impõe-se como inegável que nas últimas cinco décadas, o PIB cresceu, o rendimento per capita aumentou. Porém, mesmo a mais eloquente das retóricas não terá o condão de tecer e erguer biombos que ocultem esta realidade: enreda-se num labirinto a veleidade de gerar, manter e potenciar o progresso econômico e social quando se arca com pesadas dívidas externa e pública. Dificuldades que se avolumam quando esse país padeceu de três bancarrotas (1977, 1983,2011, que coagiram as governanças a recorrerem ao socorro agiota do FMI.

Apesar desses pesares, chagas sociais ancestrais como o analfabetismo e a mortalidade infantil estão, na prática, extirpadas. Embora nos últimos anos, Portugal prossiga galgando posições no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, a população residente não tem beneficiado, em tempo expedito e de modo eficaz e eficiente, do constitucional direito à saúde, educação, cultura e habitação. O estado providência tende a encolher, as desigualdades agravam-se, agudizadas por sistemáticas políticas de baixos salários. A essa contrariedade soma-se a perpetuação de injustiça tributária, que tende a pauperizar as classes médias, assim ameaçadas pelo estigma da proletarização. Uma evidência gritante dessa tendência desigualitária é a eternização da pobreza estrutural que aflige 20% da população e escolhe como principais vítimas os idosos e as crianças.

Suficiente será uma deambulação noturna pelas artérias centrais de Lisboa e do Porto para avaliar e concluir que estamos ainda muito distantes do usufruto de uma economia solidária. Um país desenvolvido, além da liberdade individual e da igualdade perante a lei deve ter também como paradigma, a fraternidade coletiva. Virtude que convém não confundir, com assistencialismo e caridadezinha.

V– Os militares da sublevação do 28 de Maio apontavam a espada à anarquia partidária dos republicanos como um das causas mais deletérias da decadência da Nação. Quando em 1933, o seráfico Salazar se assenhoreou do poder absolutamente,baniu ad aeternum essas “associações de malfeitores”, em favor e em prol da união nacional.

Ao receberem a notícia alvissareira da primavera abrilista, a velha e a nova aristocracia política entendeam  ter chegado o tempo do revide, vingando-se de décadas de ostracismo, perseguição, exílio e martírio. Uma maneira de compensá-la de tantos padecimentos consistiu em consagrar uma Constituição (a de 1976, não plebiscitada) tecida, cortada e cosida à medida e a preceito dos dignitários políticos. As sete e meia revisões constitucionais não mitigaram a demopartidocracia imperante (nem esse era o escopo), tutelada por um duopólio de partidos. Como o espaço se encurta, indico somente uma das absurdas prerrogativas: apenas as legendas nacionais podem submeter a sufrágio candidaturas a deputado do Parlamento. Tão gravosos quanto os défices orçamentais são os défices democráticos, apanágio das ditamoles

VI– No próximo 25 de Abril, essa aristocracia  comemorará e bebemorará mais um niver da Revolução dos Cravos, coincidente com os 50 anos das primeiras eleições livres e democráticas. Inchados de empáfia, na sua maioria, esses agentes expressarão contentamento pelos feitos da 2ª República, num momento histórico em que o regime se vê trespassado por uma crise de credibilidade politética e por uma paulatina degradação da gravitas das lideranças políticas institucionalizadas. Poucos terão dado ouvidos ao alerta de Horácio contra os excessos e aos seus conselhos à moderação, patentes na epígrafe  deste texto..

VII – A ‘Athena’ secunda e perfilha a sensata “áurea mediania”  do autor de Ars Poetica. Ela se contenta com os feitos dos 50 anos abrilistas. Contudo, fica descontente com os defeitos e desfeitos averbados no decurso desse empolgante e contraditório meio século. A fim de encontrar uma síntese dialeticamente ambivalente, se inspirou num dos oximoros do soneto O Amor é fogo que arde sem se ver, de Camões. É isso aí, “Um Contentamento Descontente”.

♦♦♦

Danyel Guerra (aka Dannj Guerra) nasceu no Rio de Janeiro, Brasil. Tem uma licenciatura em História pela FLUP. E tem-se dedicado ao estudo da História do Cinema. Após ter lecionado História no Ensino Secundário, transitou para o Jornalismo, trabalhando como repórter e redator efetivo (Carteira Profissional nº 803) nos diários Notícias da Tarde, Jornal de Notícias e Correio da Manhã. É o colaborador mais regular da Revista Athena.

ATHENA REVISITADA- II-

Na Edição O, de Maio de 2017, Paulo Ferreira da Cunha escreveu  ” Athena – Mito & Cultura”.

Revisite-nos aqui:

O Mito é o nada que é tudo

Fernando Pessoa, Mensagem

Athena, por Paulo Ferreira da Cunha

1.Um Projeto Cultural

Não haverá certamente melhor nome para uma revista de cultura que o de Athena. Para mais uma revista eletrónica, em que o pensamento e a arte se associam naturalmente, indissoluvelmente, à ciência e à técnica. Assim como Athena simboliza a aliança perfeita das mãos e do espírito[i]. Continuar a ler “ATHENA REVISITADA- II-“

MUNDOS DAQUI E D´ALÉM – por Adelina Andrês

MARINHO ou O MENINO QUE CRIA MANDAR NO MUNDO

Foi numa manhã cristalina e fresca de chuva. O vento a assobiar e a fustigar os ramos das árvores e as folhas, e a empurrar as gotas grossas de chuva em todas as direções – um rodopio dançante de água aos bocadinhos, de folhas molhadas e de brilhos muito claros.
Ninguém lá fora naquele pedaço de rua que se via. E, no entanto, uma espera que se adivinhava… Lá vem, lá vem…! É o Marinho, o menino senhor dos sítios de ninguém… Sorridente de vida com um balde de lata redondo enfiado no alto da cabeça, a pega debaixo do nariz… Para andar no meio da chuva abrigado da chuva, pois… Continuar a ler “MUNDOS DAQUI E D´ALÉM – por Adelina Andrês”

CINCO POEMAS INÉDITOS – por A. Sarmento Manso

Em frente a Jesus crucificado
nu, só e abandonado
de rosto triste e semblante plasmado
abandono o rancor, sinto-me confortado
olho-o no rosto e seu olhar curvado
afaga-me a tormenta
ampara-me o pecado.
Com outros prometo
em remorso disfarçado
aliviar-lhe o desgosto
da carne rasgada
que embebe as suas chagas.
Volvida a meditação
com a consciência aliviada
pelo perdão que não mereço
dos pecados sucessivos
dou-vos graças e outra vez peço
que me aceiteis como vosso amigo.

♣♣♣

Talvez fosse maio
e junho já estivesse a espreitar.
A chuva não caía
e o vento não queria incomodar.
As jovens moças
passeavam para que as admirassem.
Os sentidos de uns e de outros
cruzavam-se e encantavam-se
demorando-se aqui e ali.
A curiosidade das crianças,
o vigor da juventude
e a astúcia dos mais velhos
iam-se diluindo
nos instantes passados
que o tempo arrebatava. Continuar a ler “CINCO POEMAS INÉDITOS – por A. Sarmento Manso”

RESEÑA AL LIBRO DE GABRIEL PALOMO PONCE – por Claudia Vila Molina

 

Reseña crítica literaria al libro de Gabriel Palomo Ponce
A Destiempo, Reminiscencias e Instantáneas (2022)

 

Caminar solo y sin rumbo por las calles, un día desocupado de noche. Había olvidado lo bien que se sentía

La estructura narrativa de A Destiempo, Reminiscencias e Instantáneas (2022) se compone de diversas narraciones, relativas a todo orden de cosas, por ejemplo: relaciones amorosas, amistades, entre otros. El ordenamiento lógico de cada una de las historias no se avizora bajo un eje predominante, más bien se exponen y se van significando cada una en sí misma y un aspecto interesante es que el lector puede interpretarlas libremente o asociar una con otra, para de este modo trazarse un mapa o esquema mental. Quizá algo parecido a lo sucedido en Rayuela (1963) de Julio Cortázar, obviamente en el itinerario que promueve Palomo. Continuar a ler “RESEÑA AL LIBRO DE GABRIEL PALOMO PONCE – por Claudia Vila Molina”

BIOÉTICA – por Fernando Martinho Guimarães

Nos últimos dias de Novembro de 2018, o mundo recebeu uma notícia que não estava preparado para ouvir. Um cientista chinês anunciou o nascimento de duas irmãs gémeas editadas geneticamente.  Através da manipulação genética teria desactivado um gene e assim tornar as crianças imunes à infecção pelo vírus da Sida. Os embriões eram saudáveis, diga-se desde já, o que faz com que a intervenção não seja terapêutica, isto é, para curar uma doença hereditária, mas sim uma tentativa de melhoria genética da espécie humana. Passaríamos a ter, pela primeira vez na história, dois tipos de pessoas, as naturais e as editadas, as melhoradas geneticamente.

As reacções, sociais e na comunidade científica, não se fizeram esperar – tinha-se passado uma linha vermelha e a caixa de Pandora abrira-se para a eugenia, isto é, para os bem-nascidos, com todas as vantagens que a edição genética pode fornecer e os outros, a esmagadora maioria dos outros, os naturais, os que não teriam acesso a essa melhoria que a bio-tecnologia promete dar. O governo chinês reagiu imediatamente e mandou suspender todas as investigações. O cientista, como parece já habitual em algumas sociedades, desapareceu. Continuar a ler “BIOÉTICA – por Fernando Martinho Guimarães”

MÁRIO SOARES: MILHENTOS DEFEITOS….. E O RESTO – por Francisco Coutinho

Mário Soares e Alvaro Cunhal, num histórico debate (RTP, 1975)

Quando cidadãos ucranianos (concidadãos europeus) começam a ter o território invadido e começam também – por uma questão de sobrevivência – a sair do mesmo, falando-se já em “III Grande Guerra Mundial”, tenho ainda mais presente o ideal e a visão de Mário Soares (como de outros democratas lusos, do seu partido e de outros partidos).

Mário Soares insurgiu-se frontalmente perante a ditadura do Estado Novo – algo que lhe valeu doze detenções -, parando de combater o fascismo somente quando este foi derrubado. Continuar a ler “MÁRIO SOARES: MILHENTOS DEFEITOS….. E O RESTO – por Francisco Coutinho”

ANARCISTA – por Francisco Fuchs

Sou um Rei sem reino, disse-me o velho
sem afastar o frio olhar do espelho:
achava-se um diamante bruto,
ainda que deveras fosse um puto.

Havia que tornar-se marionete
para melhor servir ao baronete
sempre a explorar qualquer fantoche
capaz de suportar o seu deboche.

Ao flagrar o malévolo narciso
senti-me incapaz de conter o riso:
escarneci, e sei que errei;

melhor será abandonar de vez
essa tão grandiosa pequenez
e continuar a ser um reino sem rei.

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Francisco Traverso Fuchs gosta de olhar para fora e adora olhar para dentro, mas evita perder tempo com espelhos. Fundou o anarcismo, doutrina que ensina a permanecer tão longe quanto possível das superfícies espelhadas e de seus adoradores.

POEMAS DE JOAQUIM CESÁRIO DE MELLO

 

BOLINHOS FEITOS DE ONTEM E FEIJÃO

Miné na cozinha
faz bolinhos de feijão
enquanto minha mãe
conversa ao telefone
sobre a última moda do verão
A manhã vai passando
pelo céu das nuvens paradas
fatiada em diminutos segundos
pela fina lâmina dos ponteiros do relógio
feito a navalha gasta
no barbear matinal do meu pai

Lá fora a vida me espreita
no aguardo das perdas que um dia virão
e eu continuo absorto e distraído
assistindo o desenho animado
que está passando na televisão

Ainda não conheço a língua das ruas
o entrelaçar ardiloso das Moiras
o cheiro dos cravos e dos crisântemos
nem os caminhos que me levarão
para fora desta bolha azul de sabão

O princípio de mim vai se construindo
por debaixo da ingenuidade da carne
no pântano caudaloso da memória
e quando lá me olhar para trás
vou me ver sentado
assistindo desenho animado na televisão
quando Miné está na cozinha
fazendo saudosos bolinhos de feijão
e minha mãe conversando ao telefone
sobre a última moda daquele remoto esquecido verão Continuar a ler “POEMAS DE JOAQUIM CESÁRIO DE MELLO”

UMA NUANCE NAS NÓDOAS VI – por Lúcio Valium

 

RELÓGIO

O que marca o tempo? O que decide que é hora? Sendo estas frases interrogações olho para dentro, depois de ser usado pelo mecanismo impiedoso. E acontece ver. Sentir nas vértebras o uivo da resposta. O agora é a medicação. A fórmula falível. Farei do corpo uma mercadoria saqueada. Será roubado dos lugares coercivos e irá visitar imprevistos. Será uma vida enviada para desvendar. Furtando-se aos limites institucionais terá a arma do homem sozinho, um pensamento em movimento. Eu respondo ao que vivi e vou sem rumo sabendo do conforto da hospedaria. Sei quanto te quero, em desvio sempre para ti.

AO LONGE

Deram-me medicação errada. Sem saberem foi melhor assim. Andei semanas à deriva. Desertei da instituição em transe. Não tinha sítio onde ficar para onde fui. Havia montanhas monstruosas, e grandes planícies. Era uma zona fria. Depois indicaram-me um quarto com duas pequenas camas. Um velho sofá e uma cadeira a desfazer-se. Um guarda-fatos torto. A janela não abria. Escadas de pedra levavam-me ao cubículo. Eram dias de estranheza. Eu era uma experiência. Decorria no meu corpo um ritual animalesco e doloroso. Tinha alucinações. Ouvia a tua voz na música ventosa e escorriam em mim as memórias das nossas noites. Via as coisas com os teus olhos e falava com ninguém como se ouvisses. Um voo solitário sem guia ou prescrição. Teria que procurar um terminal. Estava mergulhado numa intensidade de imprevisto a sugar dias narcóticos e agora vi as tuas novas botas em tons de azul.

FERIDAS

Hienas famintas cravam-se nos passos que tento dar. Na instituição anunciam-se testes lógicoencefálicos. Abstrações de horizonte pragmático. Cadáveres teóricos tentam ferir-me as livres associações. Desenho um risco com fracasso assegurado. Os corredores voltam a ser um circuito inflamado. Regressa o outono quente e doentio em sua inusual vestimenta. Os humanos empurram os dias sem interrogações. Mantém-se a ausência. Aquisições orientadas por usurários Implacáveis. Produtos infiltrados nos seres. Aqui os documentos colam-se às têmporas do indivíduo. Grelhas para anular opções. Saio das salas da administração com dias contados. Faço o caminho para a hospedaria para inventar caminhos. Continuar a ler “UMA NUANCE NAS NÓDOAS VI – por Lúcio Valium”

SOBRE A FELICIDADE E O SEU REVERSO – por M. H. Restivo

 

Vários assuntos há que retornam às nossas mentes como coisa não resolvida que precisa de nova ponderação para que os corações se acalmem e a vida siga sendo o que é. Para os mais práticos, será coisa fútil voltar a reflexões que se arrastam há milénios e que, tanta tinta corrida, não reúnem ainda consensos. Mas outros há que, como eu, se põem a fazer contas à vida, querendo saber do lucro e do prejuízo de tamanha labuta. Quem assim procede não poderá deixar de usar a felicidade como parâmetro, pois, no fundo, não é isso que tem mais valor? Alguns acusar-me-ão de ser hedonista, mas defendo-me dizendo que felicidade e prazer não são a mesma coisa, a felicidade é um conceito mais complexo que não exclui a dor dos seus domínios. Já o prazer não contempla a dor, são duas realidades diferentes que, como bem disse Burke, têm a sua própria escala. E, no entanto, sendo difícil definir o que nos faz felizes, já se chegou a uma ideia sobre a felicidade — a medida dos homens para sopesar a vida. Continuar a ler “SOBRE A FELICIDADE E O SEU REVERSO – por M. H. Restivo”

A HORA DOS BILTRES – por Manuel Igreja Cardoso

 

Os biltres andam por aí. Poderosos, impantes, arrogantes, inteligentes, mas, vazios de emoções, como lhes é próprio. Convenceram-se que mandam, e mandam efetivamente, cada vez mais. São ricos, muito ricos e enriquecem mais a cada dia que passa porque influenciam e dominam. Continuar a ler “A HORA DOS BILTRES – por Manuel Igreja Cardoso”

A ÁRVORE QUE EM MIM HABITA – por Maria Toscano

 

a árvore que em mim habita


se dá a ver
aos escutadores de horizontes
uma espécie de oficiantes da seiva
mestres do encantamento do ar
por onde ramos e raízes cintilam
ao ritmo da funda expiração.

a árvore que em mim lateja

se dá em pele
aos caminheiros da floração
uma espécie de relatores das asas
mestres do alinhamento do mar
por onde marés e ondas serpenteiam
ao ritmo da doce expiação.

a árvore que em mim crepita

se dá em tronco
aos abraçadores do cosmos
uma espécie de guardiães da serenidade
mestres do agenciamento do nada
por onde as folhas amarelecem e estalam
ao ritmo da muda de estações.

a árvore que em mim dormita

se dá em fruto
aos lavradores do silêncio
uma espécie de semeadores do frio
mestres do florescimento do vazio
por onde as cascas, aos poucos, se revelam
ao ritmo da pura fecundação.

.

© Maria Toscano.

Figueira da Foz. Nau, Pastelaria – Restaurante. 21 Março 2015.

♦♦♦

Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.

PALAVRAS AZUIS ACORDAM A MADRUGADA** – por Ponti Pontedura

1

Escreve tuas palavras de horror.
Mas não grites.

Não levantes a voz acima do poema.
Escreve em caligrafia fria teu pavor pálido.

Para onde vamos quando enlaçamos as mãos?
Sentei-me ao pé da árvore e me colei ao solo.
A gravidade me consola e lança a maçã no meu colo.
Gravitando em torno da palavra, o poema nos acolhe
em sua órbita mordaz. Continuar a ler “PALAVRAS AZUIS ACORDAM A MADRUGADA** – por Ponti Pontedura”

DESAFIOS GEOPOLÍTICOS E AMBIENTAIS- por Ricardo Amorim Pereira

Desafios Geopolíticos e Ambientais: o Futuro da União Europeia em um Mundo Fragmentado

Este é o primeiro artigo que tenho o prazer de escrever para esta prestigiada Revista, desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Perante este contexto, optei por adotar um enfoque prospetivo, procurando traçar possíveis cenários para o futuro da União Europeia e do mundo. Não me esquecerei da vertente ambiental.

Em primeiro lugar, como muitos já disseram, a União Europeia (UE) necessita de reconhecer que tem de sair, rapidamente, da alçada da proteção militar dos EUA para passar a assumir a sua própria defesa. Não há mais como evitar.  Com a vontade expressa de Trump de anexar a Gronelândia, vimos nascer perante nós um poder capaz, não só de não estar em sintonia com os interesses da EU como de vir mesmo a tornar-se hostil em relação a esta.

Julgo que os líderes da UE devem preparar-se para todos os cenários, até mesmo os mais gravosos: por exemplo, aqueles que passam por os EUA deixarem de ser uma democracia plena para passarem a tornar-se numa espécie de regime híbrido, como os existentes na Rússia ou na China. Este cenário, por mais impressionante que possa parecer, não deve, de modo algum, ser uma hipótese a afastar. Continuar a ler “DESAFIOS GEOPOLÍTICOS E AMBIENTAIS- por Ricardo Amorim Pereira”

CAPA EDIÇÃO 30 E FICHA TÉCNICA/Dezembro 2024

 

DIRECÇÃO: Júlia Moura Lopes

DIRECTOR ADJUNTO: Artur Manso

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COLABORARAM NA EDIÇÃO Nº 30,  DE DEZEMBRO DE 2024

CAPA  – CEM ANOS DE ATHENA
ARTIGO EM DESTAQUE:  “CEM ANOS DEPOIS DE ATHENA”, por Rui Lopo
COLABORARAM: A. Da Silva O, Ailton Lima, Alberto Andrade, Artur Manso, Athena Revisitada. Claudia Vila Molino, Danyel Guerra, Diniz Gonçalves Junior, Fernando Martinho Guimaraes, Francisco Fuchs, Henrique Duarte  Neto, Idalina Correia Da Silva, José Perez, Júlia Moura Lopes, Lúcio Valium/Paulo Lúcio, Manuel Igreja Cardoso, Maria Toscano, Moises Cardenas, Nicolau Saião, Ricardo Amorim Pereira,Rodrigo Garcia Lopes, Ronaldo Cagiano, Rui Lopo, Virna Teixeira.

CEM ANOS DEPOIS DE ATHENA – por Rui Lopo

CEM ANOS DEPOIS

Por motivOs que não interessa agora referir, em 2017, fui impelida a criar uma Revista que queria de literatura, poesia, cultura e artes. Um projecto aberto às novas gerações que não tendo possibilidade de publicar tanto quanto gostariam, pudessem aqui ser acolhidas. Como refere Fernando Pessoa, na Mensagem, no poema dedicado ao português mais empreendedor de todos os tempos, o Infante D. Henrique, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, neste caso já pôde sonhar uma mulher, que com o apoio de outras mulheres e também de alguns homens, originou este projecto que intitulou, acompanhando o fio do tempo, Athena.pt, porque agora outros empreendedores de vários continentes, ditaram não ser o papel o único meio de publicação e difusão, disponível, a todo o tempo, a toda a hora, no mundo inteiro. A revista Athena surgiu em Outubro de 1924 em Lisboa sob a direcção de Fernando Pessoa, contou com cinco números, e esta nossa, bem mais modesta, já vai nos trinta números, na altura em que a Athena original faz cem anos.
Agora no final de 2024, ano de comemoração do centenário, este jovem projecto, conta e situa o historial da publicação original, pela pena de Rui Lopo, a quem agradeço a generosidade do ensaio em torno da sua fundação e vida breve. Sabemos ser quase impossível, sejam quantos forem os anos da nossa publicação, igualar o rasgo criativo de Fernando Pessoa, mas também não aspiramos a isso: apenas a fazer pequenas coisas na senda do sonho pessoano. O resto, a Deus graças.                                                                              Júlia Moura Lopes                                                                                                                                                        http://athena.pt


CEM ANOS DEPOIS DE ATHENA

I

O Modernismo como Vontade e Representação

Uma revisitação lúcida suscitada pelo centenário do modernismo que a partir de 2015 se assinalou, tomando como ponto simbólico de referência a publicação de Orpheu em 1915, assume que as revistas marcam a constituição de grupos e movimentos de ruptura histórica de ampla repercussão. Isto é, mais que assinalar uma obra ou um autor, são os encontros de autores entre si incoincidentes que nos fazem repensar a operatividade de considerar a história cultural a partir da ideia de geração e da quase contingência da afirmação grupal em projectos como o Eh Real! (1915), Centauro (1916), o Exílio (1916), o Portugal Futurista (1917), Sphynx (1917); Contemporânea (1922-26) e Athena 1924-1925). Nos últimos anos organizaram-se colóquios e publicações evocativas destas revistas. É hoje mais fácil aceder ao enorme acervo documental necessário ao estudo pelo facto de estarem em constante aperfeiçoamento importantes sítios em linha como o modernismo.pt e Revistas de Ideias e Cultura – Portugal e o Arquivo Pessoa: Obra Édita e o Edição Digital de Fernando Pessoa.

Do estudo destes projectos editoriais e da sua meditada releitura ressalta a constatação da pluralidade de vozes no seio do que hoje denominamos como modernismo, que nos leva a identificar – em certa medida – uma autoria colectiva das novas propostas literárias e artísticas que se iam apresentando e que fundas consequências tiveram. Na leitura global que propomos, é necessário relativizar a noção de autoria individual valorizando autores até agora menos atendidos, mas afinal determinantes na constituição do espírito do movimento modernista português em seus plurais matizes. Há que estudar sincronicamente o contributo dos participantes nestas revistas em torno de dois eixos principais até aqui obliterados: primeiro importará detectar se nos novos modos de assumir a Arte pictórica ou literária, poética ou ficcional, haveria ou não, subjacente, um programa teórico filosoficamente fundamentado. E de que modo os textos doutrinais e ensaísticos destes autores o revelam e explicitam, numa perspectiva colaborativa, constelada e reticular? Poderá o cultivo da crítica de arte por parte dos próprios artistas ser entendido como uma forma de autoconsciência do seu processo criativo? Por outro lado, importaria aquilatar de que modo é que as novas atitudes filosóficas da passagem do século contribuem para enquadrar, fundamentar ou orientar os novos projectos estéticos para os quais não existiam ainda possibilidades, modos ou categorias de recepção. Haveria, contrapolarmente, que esclarecer como o entendimento até então dominante da categoria filosófica de representação sofre um decisivo abalo a partir das obras de Ângelo de Lima, Amadeo Souza-Cardoso, Raul Leal, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro. Isto é: opera-se uma redefinição da apresentação artística como nova representação do mundo, em seu triplo aspecto: gnosiológico, desconfiando da representação científica ou naturalista; sócio-existencial, revelando o lado teatral de toda a actividade humana, social e política; e ontológico, mostrando todo o ser como representação prévia inconsciente, mais ou menos volitiva. Colocamos assim a hipótese de que o modernismo português supõe uma revolução filosófica prévia e simultânea, que até agora não foi assumida ou explicitada e, em segundo lugar, que os desenvolvimentos filosóficos do século XX português são impensáveis sem o influxo da revolução estética modernista e futurista.

II

Athena? Que Athena?

Um colóquio para Athena!

Tendo como horizonte o sempre incertamente delimitável conceito de moderno e de modernismo a partir do estudo das suas mais influentes revistas, em que se ensaiaram novas formas de escrever e ler a tradição e novas formas de pensar o fenómeno artístico atendendo com inaudita punção ao modo como a sua actualidade o determina, e sua época constitutivamente o enforma, colocamos a hipótese de que criar o moderno implicou que o criador se assumisse enquanto sujeito futurante de um presente incompleto.  Assinalando-se este Outono o centenário da revista Athena editada por Ruy Vaz e Fernando Pessoa em cinco números mensais saídos entre Outubro de 1924 e Fevereiro de 1925, entendeu o Grupo de Investigação Raízes e Horizontes da Filosofia e da Cultura em Portugal do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto organizar um colóquio que pretende colocar questões e lançar hipóteses de trabalho. O colóquio tem como mote a pessoana injunção: não se aprende a ser artista, aprende-se porém a saber sê-loAthena suscita uma certa estranheza, difícil de circunscrever: porque é que aqueles que se manifestam culturalmente num gesto de fractura e cisão optaram por tal título grego? Que (neo-)helenismo é este dos modernos e em que se distingue do neo-helenismo dos renascentistas ou do dos românticos? Qual a natureza, função e valor deste título? Decoração, mais ou menos irónica? Será ele orago, inspiração ou totem? Figura tutelar ou mito fundador (contraposto a Orpheu?) E nisto tudo não se intui algo de programático?

Em que medida a concretização de Athena cumpre o plano de difusão neopagã? Como é que o neopaganismo inspirador da revista pôde acolher colaborações tidas por (neo)clássicas, românticas e contemporâneas? Em que medida é que este modo multiforme de estar na modernidade prepara ou antecipa a presença? O que fez juntar numa revista de arte, que se apresenta, pela pena do seu director, como um acto de cultura, isto é, um modo directo de aperfeiçoamento subjectivo da vida, autores tão diversos como Fernando Pessoa que aparece como teorizador da revista, como crítico, poeta e tradutor (de Poe, Pater e O. Henry), Ricardo Reis, Álvaro de Campos, que também surge como teorizador e como poeta, Alberto Caeiro, Henrique Rosa, Almada Negreiros, António Botto, Mário Vaz, o Visconde de Meneses, Mário de Sá Carneiro, cuja colaboração póstuma, escolhida e interpretada por Pessoa, como que o canoniza, Raul Leal, Augusto Ferreira Gomes, Francisco Beliz, Gil Vaz, Castello de Moraes, José Pessanha, Emanuel Ribeiro, Luiz Montalvor, Mario Saa, Cardoso Martha, Carlos Lobo de Oliveira, Antonio de Seves, Alves Martins, Francisco Costa e Alberto de Hutra?

Sentimos que falta trazer à luz o contributo propriamente filosófico desta revista para a qual Pessoa planeara convidar Leonardo Coimbra. Em Athena avulta a colaboração poética de Alberto Caeiro que Pessoa integra programaticamente ao serviço de uma nova proposta filosófica, o objectivismo absoluto; de Álvaro de Campos com seus Apontamentos para uma estética não-aristotélica, onde se procura substituir a ideia de beleza pela ideia de força, e em O que é a metafísica?, visa redefinir tal matricial conceito, o que dará azo a uma bem encenada polémica filosofante com Mário Saa que procuraremos explicitar e enquadrar. Daremos conta que Loucura Universal, de Raul Leal, é afinal um excerto de uma extensa autobiografia filosófica do autor lavrada a partir de um criativo exercício hermenêutico a partir da sua peça de teatro autobiográfico-reflexivo O Incompreendido. De relevar ainda como M.V. [desencriptado por Patrícia Esquível como sendo o crítico Mário Vaz] propõe uma reinterpretação de algumas obras plásticas e escultóricas à luz de novos princípios de teoria da arte. Procuraremos refletir sobre os elementos programáticos explícitos e implícitos na revista sob a forma de textos ensaísticos que apresentam objetivos e princípios estéticos, e pelo cultivo de várias expressões e géneros literários por parte dos colaboradores (Almada como dramaturgo, poeta e desenhador, Saa como poeta e crítico, Pessoa como tudo, etc.). Há que colocar a hipótese de haver algo de dramático, teatral, performático, em toda esta encenação editorial, em que cada participante desempenha vários papéis, de forma mais ou menos consciente e voluntária. Apontar-se-á ainda a ocorrência de tópicos simbolistas tardios, orientalistas e decadentistas, que nunca deixam de ocorrer nas revistas hoje classificadas como modernistas. Daremos especial importância ao facto de a revista ter como projeto inicial a difusão neopagã, assumindo-se como parte duma vasta e complexa campanha de repaganização da vida, da sociedade e da cultura, o que pode não a definir no seu resultado global, mas avulta poderosamente nas colaborações de Campos e Reis e, de algum modo, nas ocorrências clássicas, mais ou menos explícitas. Ficará ainda por apurar até que ponto o neopaganismo pode ser encarado mais do que como uma criação literária pessoana, como um mais vasto movimento que tem em alguns destes autores um momento de expressão, mas que nunca será interrompido na cena cultural subsequente. A crítica, tanto de literatura como das artes plásticas, surge na Athena como um lugar intermédio, de conexão, lugar medial, entre a criação artística e literária e a reflexão filosófica em si própria, continuando-as por outro modo. Talvez tudo isto se resuma, sintetize e culmine na possibilidade pioneiramente avançada por Álvaro de Campos de redefinir a metafísica como uma das belas-artes, como que implicitamente replicando à cautelar advertência de Kant a qualquer metafísica que se apresente como ciência.

Rui Lopo, Porto, Novembro, 2024

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Rui Lopo é formado em Filosofia e membro do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira. Trabalhou com o espólio de José Marinho, depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, e com o arquivo de Agostinho da Silva, sobre quem publicou diversos ensaios e a cuja comissão do centenário pertenceu. Autor. Colabora em Raízes e Horizontes do Pensamento e da Cultura Portuguesa e é investigador do IF-FLUP no projeto Filosofia e Teoria da Arte no Pensamento do Século XX em Portugal. Ocupa-se, ainda, do estudo da receção do budismo na vida intelectual portuguesa (1850-1940).

MOVIMENTOS DE AMOR E AMADO (TRÊS POEMAS) – por Alberto Andrade

MOVIMENTOS DE AMOR E AMADO

I

Se este raio de enxofre nos deixar,
Restara-nos ainda, Joaninha,
Ouvir no orvalho as ondas deste altar.

Se estrelas, pólen, vacas e até a minha
Voz, espreitarem o ermo deste espelho,
O susto nos será. E então, asinha,

O Sol inundará de antigo anseio
O pulso escrupuloso que nos rege
E petrifica. Então, como coelhos

Bêbados, beijaremos novas vestes. Continuar a ler “MOVIMENTOS DE AMOR E AMADO (TRÊS POEMAS) – por Alberto Andrade”

CENAS PÓS-CRÉDITO – por Ailton Lima

 

A pipoca estalava na panela, e Pedro sentia que também explodia por dentro. Era um estouro atrás do outro, num ritmo que crescia, como a sensação de que sua relação com Mônica tinha chegado ao fim. Ambos sabiam, mas nenhum tomava iniciativa. Então, seguiam ali, na mesma casa, na mesma cama, sem qualquer intimidade. Casados há sete anos, três meses e dois dias, compartilharam risadas, brindes, choros e viagens sonhadas. Mas foi parado, olhando a pipoca na panela, que Pedro entendeu: alguns grãos estouram até mesmo depois que o fogo se apaga. Continuar a ler “CENAS PÓS-CRÉDITO – por Ailton Lima”

AMORIM DE CARVALHO EVOCAÇÃO DA VIDA E OBRA – por Artur Manso

AMORIM DE CARVALHO
  EVOCAÇÃO DA SUA VIDA E OBRA 
  NOS CENTO E VINTE ANOS DO NASCIMENTO  

No presente ano de 2024, comemoram-se 120 anos do nascimento de Amorim de Carvalho (Porto, 1904-Paris, 1976), distinto intelectual que Portugal conheceu no século XX, tendo-se afirmado como poeta, ensaísta, crítico e filósofo.

Autodidata multifacetado que adquiriu um vasto saber e uma sólida cultura, obtendo o doutoramento em Filosofia na prestigiada Sorbonne com a tese De la connaissance en général à la connaissance esthétique, tendo Étienne Souriau (1892-1979) e Mikel Dufrénne (1910-1995), eminentes e prestigiados estetas que o século XX conheceu, estado no júri que lhe avaliou as provas. Continuar a ler “AMORIM DE CARVALHO EVOCAÇÃO DA VIDA E OBRA – por Artur Manso”

ATHENA REVISITADA- I-

 

Em Dezembro de 2023, o Editorial da Edição nº 26 foi escrito por Danyel Guerra. Revisite-nos aqui!

EÇA DE QUEIROZ NO PANTEÃO?
SIM, MAS COM UMA CONDIÇÃO…

“Ao rei tudo, menos a honra”
Calderón de la Barca       

I – Eça de Queiroz. A exemplaridade da sua vida, a excelência da sua obra, a modernidade da sua herança cultural, artística, intelectual  merecem ser (bem) lembradas, são credoras de reiterados tributos. Como, por exemplo, a projeção num ecrã de ‘O Mandarim’, a montagem num palco de ‘A Capital’, a publicação de um ensaio crítico sobre ‘A Relíquia’. O que este insigne autor de dimensão universal não merece, de certeza, é “ver” seu “descanse em paz”perturbado, ter suas (prezável) memória e (impoluta) honorabilidade molestadas pelo viés da vendeta, da armação, da instrumentalização típicas da (baixa) política. Distorções que denunciou, deplorou, até execrou, com estóica têmpera e fértil poder fabulatório, seja enquanto inspirado ficcionista e talentoso romancista, seja enquanto incisivo cronista e aquilino publicista. Continuar a ler “ATHENA REVISITADA- I-“

POEMAS DE ATÁVICA – por Claudia Vila Molina

 Suburbios
Guardan sus baúles
porque la luz los enciende a medianoche
y no es necesario sonreír con esa negrura
más una sombra desconectará los lamentos
y sus ecos volverán a posarse
sobre techos de casas en fermentación
los sueños se grabarán para siempre en párpados
almas viejas serán reanudadas en viejos continentes
y un olor marino continuará rondando sobre las ciudades. Continuar a ler “POEMAS DE ATÁVICA – por Claudia Vila Molina”

NICO NÃO É SÓ COISA DE MÚSICA – por Danyel Guerra

“Sua voz soa como um computador
da IBM com sotaque à Greta Garbo ”

  Andy Warhol

O hagiológico percurso musical de Nico (aka Christa Päffgen), tende a ser, de imediato,  reconhecido por quem tenha “dois dedos de ouvido”. Sendo assim, não soará a descabido sugerir que deve fazer parte da nossa cultura geral esta sabedoria:  Nico está no epicentro de um dos discos mais cruciais da história do rock concebido como arte. Sua discografia se afirma como um patrimônio respeitável e respeitado mesmo por aqueles que não perfilham seu estilo. Continuar a ler “NICO NÃO É SÓ COISA DE MÚSICA – por Danyel Guerra”

POESIA DE DINIZ GONÇALVES JUNIOR

 

 

 

 

 

un vestido y un amor

de calcinha e camisa do river
você se insinua ouvindo fito paez

atrapalho-me ao desligar a tv cor-de-laranja:
monges lutando com bambus,
facas ginsu, nevasca no hotel overlook

um pôster de felicity jones, o tapete persa
do seu triângulo sem bermudas, miados
da gata vira-lata, musgo na banheira rosa,
um anúncio do conhaque fernet:
e a madrugada é um olho de vidro coberto
pelo vapor dos bueiros
Continuar a ler “POESIA DE DINIZ GONÇALVES JUNIOR”