Em frente a Jesus crucificado
nu, só e abandonado
de rosto triste e semblante plasmado
abandono o rancor, sinto-me confortado
olho-o no rosto e seu olhar curvado
afaga-me a tormenta
ampara-me o pecado.
Com outros prometo
em remorso disfarçado
aliviar-lhe o desgosto
da carne rasgada
que embebe as suas chagas.
Volvida a meditação
com a consciência aliviada
pelo perdão que não mereço
dos pecados sucessivos
dou-vos graças e outra vez peço
que me aceiteis como vosso amigo.
♣♣♣
Talvez fosse maio
e junho já estivesse a espreitar.
A chuva não caía
e o vento não queria incomodar.
As jovens moças
passeavam para que as admirassem.
Os sentidos de uns e de outros
cruzavam-se e encantavam-se
demorando-se aqui e ali.
A curiosidade das crianças,
o vigor da juventude
e a astúcia dos mais velhos
iam-se diluindo
nos instantes passados
que o tempo arrebatava.
♣♣♣
O vento corria
na seara de trigo
que rugia e ondeava
onde os pássaros
se recolhiam
em estridente chilrear.
Ao longe
alguns corpos indefinidos
fundiam-se num abraço
abençoado pela brisa
tardando em se reencontrar.
O ar exalado
inebriava as criaturas
que de relance se tocavam
nos odores perfumados
até que a noite as visitasse.
♣♣♣
As ondas
estalam na rocha
perfurada de tanto marulhar.
Estendidas
repousam no manto
que se esculpe
ao cimo do mar
clareando a ilusão
de uma tranquilidade
obstinada e traiçoeira.
♣♣♣
Havia um moinho
entre o carreiro e o caminho
onde decorria a minha infância.
As mós de pedra
ou as pás do vento
imprimiam no meu íntimo
a ânsia do crescimento.
Rolavam em círculo
com mais ou menos vagar
entre o tempo que passava
e o espaço que era imenso.
♦♦♦
A. Sarmento Manso, nasceu nos idos de 1964, pelo outono, ao cair das folhas, na aldeia transmontana de Izeda. Professor universitário que ao longo do tempo se tem dedicado à aprendizagem e ao ensino de pequenas coisas sob o signo da estética e da ética, do lugar que nos cabe no mundo e de como a beleza nos pode tranquilizar.
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