Desafios Geopolíticos e Ambientais: o Futuro da União Europeia em um Mundo Fragmentado
Este é o primeiro artigo que tenho o prazer de escrever para esta prestigiada Revista, desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Perante este contexto, optei por adotar um enfoque prospetivo, procurando traçar possíveis cenários para o futuro da União Europeia e do mundo. Não me esquecerei da vertente ambiental.
Em primeiro lugar, como muitos já disseram, a União Europeia (UE) necessita de reconhecer que tem de sair, rapidamente, da alçada da proteção militar dos EUA para passar a assumir a sua própria defesa. Não há mais como evitar. Com a vontade expressa de Trump de anexar a Gronelândia, vimos nascer perante nós um poder capaz, não só de não estar em sintonia com os interesses da EU como de vir mesmo a tornar-se hostil em relação a esta.
Julgo que os líderes da UE devem preparar-se para todos os cenários, até mesmo os mais gravosos: por exemplo, aqueles que passam por os EUA deixarem de ser uma democracia plena para passarem a tornar-se numa espécie de regime híbrido, como os existentes na Rússia ou na China. Este cenário, por mais impressionante que possa parecer, não deve, de modo algum, ser uma hipótese a afastar.
Acredito que, neste contexto, o arsenal nuclear francês, o único no seio da UE, é absolutamente essencial como fator dissuasor das pretensões expansionistas norte-americanas e russas. É evidente que se trata de um arsenal nuclear comparativamente pequeno mas, como sabemos, uma única ogiva nuclear mostra-se capaz de dizimar cidades inteiras. Acredita-se que a França possua cerca de trezentas ogivas nucleares e uma capacidade de lançamento eficaz, inclusivamente, a partir dos seus submarinos de última geração.
O futuro da OTAN é muito incerto. Neste momento, devido à disputa pelo controlo da Gronelândia, verifica-se um clima de tenção entre dois membros fundadores desta organização: Dinamarca e EUA. Para os EUA, nesta deriva populista e nacionalista a que temos assistido, as alianças são avaliadas em função dos ganhos tangíveis que as mesmas podem, a curto e médio prazo, oferecer. Não me espantaria muito se, num cenário totalmente distópico, distópico mas não impossível, os EUA se aliassem à Rússia numa aliança de mútua ajuda pelo controlo da Gronelândia e da Ucrânia, respetivamente. Poderão achar tudo isto um pensamento exagerado mas, há uns meses, quem diria que, aqui chegados, o Presidente dos EUA afirmaria querer controlar territórios sob o controlo de outro país? Acredito que, com o intensificar destas tenções, a OTAN, como a conhecemos, está morta: a raposa pode estar dentro da capoeira.
A crescente desconfiança nos Estados Unidos, de um modo provável, implicará um enfraquecimento da ONU bem como das organizações multilaterais, em geral. Se a liderança ocidental deixar de ser dominante, o futuro do sistema de governação global necessitará de ser repensado, com um maior protagonismo de outras potências, como a China e países do chamado Sul Global.
Enquanto o sistema de governação global pós- Segunda Guerra Mundial enfrenta desafios sistémicos ou até mesmo a derrocada, prevejo que outras regiões do mundo possam vir a tentar consolidar-se como blocos autossuficientes. De um modo provável, o Mercosul e a União Africana tornar-se-ão mais relevantes, à medida que preenchem o vazio deixado pela ONU. Acredito que o mundo caminha, de facto, para um sistema multipolar de competição, onde novos blocos poderão surgir (por exemplo, no Sudeste Asiático).
Com o avanço de regimes autoritários em várias partes do mundo, a competição entre democracias e autocracias pode vir a intensificar-se. É possível que a criação de uma “União Global das Democracias”, com uma nova arquitetura de alianças baseadas em valores comuns, venha a ser uma resposta a este desafio. No pós-Guerra Fria, as alianças tiveram como racional principal a proximidade geográfica. Embora, atualmente, as alianças regionais continuem a ter relevância como uma primeira camada de parcerias, parece que estamos a transitar para um novo paradigma, no qual os sistemas de cooperação baseadas em valores comuns – como a democracia vs. a autocracia (já não a antiga dicotomia capitalismo vs. comunismo) – assumem uma segunda camada.
Por último, a aceleração do nacionalismo e da fragmentação global pode levar ao fim da globalização como a conhecemos. É possível que a era das interdependências globais, com mercados interconectados e uma comunidade internacional ampla, esteja a dar lugar a uma era de blocos regionais com políticas económicas mais protecionistas e com menos coordenação global. O comércio será moldado mais por interesses regionais do que por acordos multilaterais, e a liberdade de circulação de bens, serviços e pessoas, entre esses blocos, poderá ser cada vez mais restrita. Existe, de facto, uma forte possibilidade de que o mundo do futuro seja menos globalizado e mais fragmentado, com blocos de poder a disputar espaço e influência.
A transição para um mundo mais fragmentado, como o que foi esboçado, não se limita apenas a uma reconfiguração das potências globais ou a uma mudança nas alianças geopolíticas. Ela também apresenta profundas implicações para a questão ambiental, um dos maiores desafios com que a Humanidade, na atualidade, se confronta. À medida que os países buscam reforçar as suas posições regionais, a cooperação internacional, necessária para lidar com problemas globais como as mudanças climáticas, poderá vir a tornar-se mais difícil. É de facto provável que a fragmentação do sistema global venha a agravar a crise ambiental, tornando as soluções globais mais complexas e limitadas.
Como sabemos, a questão ambiental, com suas características transnacionais, exige uma abordagem coletiva. Mudanças climáticas, perda de biodiversidade e degradação dos oceanos não respeitam fronteiras e, portanto, necessitam de respostas globais robustas e coordenadas. No entanto, à medida que o mundo se fragmenta em blocos regionais, a implementação de políticas ambientais eficazes pode ser prejudicada pela falta de consenso e pela competição entre potências.
Num cenário mais pessimista, a fragmentação do sistema internacional resultará na diminuição dos fluxos de informações, da troca de tecnologias e na desaceleração do financiamento para projetos ambientais globais. A colaboração na luta contra o aquecimento global, como a transição para energias renováveis, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a adaptação às mudanças climáticas, pode ser fortemente comprometida. O resultado seria uma aceleração dos danos ambientais, já evidentes, mas agora exacerbados pela falta de uma resposta coordenada.
No entanto, também existe a possibilidade de os blocos regionais virem a criar redes de colaboração focadas no desenvolvimento sustentável, adaptadas às realidades locais e regionais. Por exemplo, a UE, que já possui políticas ambientais robustas, está em boa posição para liderar esforços para a transição verde, forjando parcerias com blocos amigos, como o Mercosul ou a União Africana, assim como com outros países do Sul Global.
A mudança no equilíbrio de poder, com o enfraquecimento da liderança dos EUA e a ascensão de novas potências, poderá também criar dinâmicas para a cooperação ambiental, à medida que mais países do Sul Global e economias emergentes buscam procurar soluções para as questões ambientais.
Em conclusão, o futuro da União Europeia e do mundo, à medida que nos afastamos de um sistema de governação global dominado pelos Estados Unidos e avançamos para um cenário multipolar, apresenta desafios e oportunidades consideráveis. A fragmentação geopolítica, com a ascensão de blocos regionais autossuficientes e o enfraquecimento das instituições multilaterais, poderá redefinir as relações internacionais e colocar em questão os princípios que sustentaram a ordem global pós-Segunda Guerra Mundial. Nesse novo cenário, a União Europeia precisa de se fortalecer em termos de defesa e autonomia, preparando-se para navegar em um mundo onde as alianças tradicionais, de um modo provável, serão substituídas por vínculos baseados em interesses imediatos.
Entretanto, a crise climática assim como os problemas globais que ela impõe exigem uma colaboração transnacional robusta, algo que pode ser dificultado pela fragmentação crescente. A capacidade de lidar com questões como a transição energética, a proteção da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas dependerá da capacidade de os blocos regionais encontrarem formas de cooperação, sem perder de vista a interdependência que caracteriza os nossos desafios globais. O futuro, mais do que nunca, exige uma reconfiguração do multilateralismo, para que possamos enfrentar coletivamente as ameaças comuns. O futuro das democracias, das alianças e do nosso Planeta dependerá da nossa capacidade de criar pontes entre as divergências.
♦♦♦
Ricardo Amorim Pereira, Doutorando em Ciência Política.
You must be logged in to post a comment.