O peso do esquecimento
I.
A flor é beijada pela peste.
Como uma palavra primitiva
do português, o triunfo da
civilização é /pequeno/
é a soma das patas quebradas
de um colibri, morto pela
espingarda de ontem.
II.
Basta olhar para /Fitzcarraldo/
E “verás que um filho teu
não foge à luta”.
Ele é, ele existe: presente.
Tamanha resiliência no
intuito de adestrar o
entreabrir das flores.
Para, depois, destruí-las —
diz um jovem índio
indisposto a transportar
o navio morro acima —
este filme da vida real…
III.
É preciso muita ousadia para querer
⠀⠀⠀⠀⠀⠀aniquilar o verde — dizia
um pajé naquela noite.
O futuro ostenta o peso de um
⠀⠀⠀⠀⠀⠀curumim morto.
A obsessão de enfeitar com ouro
⠀⠀⠀⠀⠀⠀os abutres.
IV.
Será esta a qualidade indiscernível
⠀⠀⠀⠀⠀⠀do futuro prometido?
O apagamento do brilho oracular
⠀⠀⠀⠀⠀⠀a dança das chamas
⠀⠀⠀⠀⠀⠀madrugada adentro…
V.
O dia é um corpo estirado no
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀chão.
A floresta é um rapazinho
⠀⠀⠀⠀⠀ferido pelo futuro.
É preciso muita baixeza para
⠀⠀⠀⠀⠀sorrir diante das cinzas…
VI.
Nesta viagem sem retorno,
não há garantias; chuva ou sol;
⠀⠀água ou fogo; o que virá.
Nem mesmo noção sobre a
⠀natureza das ações.
VII.
Nesta terra, a miragem e a
⠀⠀⠀ verdadeira imagem se
⠀⠀⠀ confundem — voláteis.
Basta um relance de olhos
⠀⠀⠀/durante a cerração/
para esquecermos repentinamente
o nome de nossa origem.
VIII.
É estranho tocar o estrangeiro
⠀⠀⠀⠀e ver a nossa vida
⠀⠀extinta e estampada
⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀no jornal.
IX.
O futuro — termo inconcebível —
é um pronome relativo sem
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀sujeito explícito_
X.
Nossos olhos operam novas
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀palavras
pelo mágico d i s t a n c i a me n t o.
V E R S Á O E M I N G L Ê S
The weight of oblivion
I.
The flower is kissed by the plague.
Like a primitive word
from Portuguese, the triumph of
civilization is /pequeno/
is the sum of broken legs
of a hummingbird, killed by
yesterday’s shotgun.
II.
Just look at /Fitzcarraldo/
And “you’ll see this son of yours
can’t flee from the fight”.
He is, he exists: present.
Such resilience in
purpose of rein the
opening of the flowers.
To then destroy them —
says a young Indian
unwilling to carry
the ship uphill —
this real life movie…
III.
It takes a lot of daring to want
⠀⠀⠀⠀⠀⠀annihilate the green – said
a shaman that night.
The future bears the weight of a
⠀⠀⠀⠀⠀⠀curumim dead.
The obsession of adorning with gold
⠀⠀⠀⠀⠀⠀the vultures.
IV.
Is this the indiscernible quality
⠀⠀⠀⠀⠀⠀of the promised future?
The erasure of oracular glow
⠀⠀⠀⠀⠀⠀the dance of flames
⠀⠀⠀⠀⠀⠀dawn inside…
V.
The day is a body stretched out on the
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀floor.
The forest is a little boy
⠀⠀⠀⠀⠀wounded by the future.
It takes a lot of meanness to
⠀⠀⠀⠀⠀smile in front of the ashes…
VI.
On this journey of no return,
there are no guarantees; rain or shine;
⠀⠀ water or fire; what will come.
Not even a clue about the
⠀nature of actions.
VII.
In this land, the mirage and the
⠀⠀⠀ true picture
⠀⠀⠀ are intertwined — volatiles.
Just a glance
⠀⠀⠀/during the fog/
and suddenly we forget
the name of our origin.
VIII.
It’s strange to touch the foreign
⠀⠀⠀⠀and see our life
⠀⠀extinct and printed
⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀in the newspaper.
IX.
The future — an inconceivable term —
is a relative pronoun without
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀explicit subject_
X.
Our eyes operate new
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀words
by the magic d e t a c hm e n t.
♦♦♦
Luciana Moraes nascida no Rio de Janeiro, em 1993. Poeta, revisora e tradutora, graduada em Letras (Unirio). Integra a equipe “Fazia Poesia” e o coletivo “Escreviventes”. Participou da “Oficina Experimental de Poesia” (RJ). Tem poemas em revistas como “Mallarmargens”, “Cassandra”, “Torquato” e “Letras Salvajes”. Presente em antologias e diferentes projetos “Tentei chegar aqui com estas mãos” é seu livro de estreia.
Instagram: @lucianaescreveaqui
E-mail: lucianaqmoraes@gmail.com
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