Tenho que pagar os meus pecados literários todos os dias, pois basta um dia de distração para que eu sofra na hora de escrever. Eis o motivo pelo qual escrevo diariamente, afinal sou um pecador das Letras, aquele que se atreve a fazer literatura, como se me fosse lícito se atrever à arte da escrita.
Creio que muitos praticam tal atentado em suas casas, em frente do computador, como se fossem insuflados por algum espírito poético, ou maldito, a depender do ponto de vista. Não sei se, no meu caso, a escrita é benfazeja ou maldita. Só sei que escrevo mal, que não sou nem nunca serei grande escritor. E até a mediocridade eu não consigo alcançar, porque não sei voar, não consigo enxergar o todo, apenas a parte, o que explica por que sou mal escriba, um diletante da literatura que eu crio em forma de crônicas. E minhas criações são como uma grande lavoura devastada por pragas provenientes de minha própria personalidade literária. Eu sou as chagas de minhas próprias feridas, sem cura por serem provenientes de minha alma e que se imiscuíram em minhas tentativas frustradas de ser escritor. Sou antes um doente das palavras. Meus textos não são mais do que bula de medicação para doentes, bulas que sou forçado a escrever todos os dias, se eu não quiser sofrer mais do que já sofro na hora de produzir, de criar, ainda que essa criação seja somente devastação de lavouras de minha própria criatividade periclitante. Por isso que manco após a escrita de minhas crônicas, porque retrato em meus textos a distopia que é o homem do século XXI, essa coisa emporcalhada cheia de informações escarradas, que o homem do século XXI engole como mel. Não, este século é um século de doentes, apesar de todos os avanços da medicina. E eu carrego a doença da literatura por onde passo. E cada local é de alguma forma infectado por meu mal incurável que sairá na minha escrita. Fato é que vejo vomitórios espalhados pela cidade, e esses lugares eu não frequento, pois já sofro da maldição da criação de sentido mediante palavras. E eu não preciso vomitar minha doença. Apenas escrevê-la. Porque sou aquele que se atreve a escrever e comete o atentado da literatura diária, em crônicas reles como tudo o que é chão no terceiro mundo. E isso que descrevo nestas linhas está para aquém da mediocridade. É coisa do submundo, mesmo. Uma escrita suja como um ninho de ratos de esgoto. Esse é um dos meus muitos pecados das Letras. Eu escrevo prescrições médicas provenientes do subsolo. Não há luz em minha escrita. E Deus há muito tempo desistiu de mim. Esta é a minha realidade punk. Sou um escritor que escreve textos punks, porque minha origem é o lixo e o esgoto desta nossa sociedade hipócrita. E somente quem vem das profundezas é capaz de compreender o que é essa eldorado sombria, porque sente na pele os estigmas da podridão que infecta a todos na cidade.
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Cassiano Russo (Cassiano Clemente Russo do Amaral) é graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista – Unesp – câmpus de Marília, Estado de São Paulo, Brasil. Inspirado por Dostoiévski, Kafka, Beckett, Camus e Cioran, as suas crónicas constam no jornal local da sua cidade e escreve também para a várias revistas digitais.
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