O artista solitário perambula a cidade pela madrugada com seu violão, em busca de mais um motivo que justifique uma nova música que faça a noite chorar, pelos acordes perdidos de seu instrumento, noctívagos, num gole de cerveja em algum boteco qualquer noite adentro.
Ele, o artista, consome sua solidão com notas e goles, enquanto conversa com alguma estudante de faculdade pública, daquelas que também frequentam a noite, como quem procurasse o poeta que revigorasse todo o seu frescor de moça de vinte e tantos anos. Por isso que o artista é um sedutor, aquele que aquece o frio de inverno dos corações, na toada de uma canção de quem sofre pela busca desesperada de sentido ou de amor. E o artista solitário carrega em sua alma a brasa que tudo queima, como torno que dá forma ao dissabor de vidas perdidas, como quem enxerga além, como vidente da vida urbana noturna, a cantar notas de fogo, enquanto os casais apaixonados escutam o artista, que embala o calor humano de corações numa noite gelada de abril. E somente o artista, que é invisível, não ama, porque sua alma é fogaréu.
O artista invisível é o verdadeiro cronista de sua época, e não o escritor, que de nada sabe senão escrever em frente à máquina sem conhecer a vida, que na escrita se prende a palavras grafadas, porém não cantadas, como o faz o artista em sua solidão, que, por conhecer a verdadeira dor da existência, quer espalhar por onde passa a sua melancolia, em busca de pontes que lhe permitam atravessar o seu próprio destino – não mais numa toada, mas na caminhada de toda madrugada, em cada gole de cerveja, acorde, ritmo e baforada. Até a derradeira canção.
Esta é a minha crônica sobre o artista invisível, que, com seu violão, ganha a vida nas madrugadas. Verdadeiro cronista, não precisa de lápis e caneta, muito menos de uma máquina de escrever, pois ele de tudo sabe com sua longas caminhadas pelas madrugadas geladas da cidade.
Por fim, afirmo que essa figura, a do artista invisível, se me apresenta como excelente imagem do trovador contemporâneo, imprescindível para nós que, calados, não temos coragem de falar o que somente os trovadores têm a necessária coragem de dizer.
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Cassiano Russo (Cassiano Clemente Russo do Amaral) é graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista – Unesp – câmpus de Marília, Estado de São Paulo, Brasil. Inspirado por Dostoiévski, Kafka, Beckett, Camus e Cioran, as suas crónicas constam no jornal local da sua cidade e escreve também para a várias revistas digitais.
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