EDITORIAL – A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E (….) – por Ricardo Amorim Pereira

A Inteligência Artificial e suas repercussões no mercado de trabalho

Um horário laboral para o século XXI

 

O ano de 2022 ficará para a História como tendo sido aquele em que, pela primeira vez, um sistema de inteligência artificial entra na vida quotidiana do cidadão comum. Em novembro desse ano, a empresa OpenAI lança o já famoso ChatGPT, facto acompanhado por outros serviços semelhantes, entretanto, lançados. Assim, e num ápice, a Humanidade apercebe-se do seu real estádio de desenvolvimento, provavelmente bem superior ao que se conjeturava.

Enquanto uns vão ascendendo a um céu de felicidades, esta revolução leva outros a se petrificarem com receios. Entre os principais motivos de preocupação apontados está o impacto que tais tecnologias poderão vir a causar no mercado de trabalho, havendo quem garanta que, num prazo não muito distante, uma grande percentagem das atuais profissões poderá vir, total ou parcialmente, a desaparecer.

Posiciono-me neste debate, dizendo que, de um modo provável, o mal nunca residirá nas tecnologias que vão surgindo mas, sim, na forma como com elas lidamos. O facto de, progressivamente, tecnologias cada vez mais avançadas conseguirem substituir o trabalho humano, em si mesmo, deve ser motivo de júbilo e não de consternação.

Nós estamos vivos para apreciar esta viagem que é a vida. Nesta justa visão, o trabalho mostra-se, apenas, como uma necessidade. É uma necessidade que surge do facto de, como se costuma dizer, “nada cair do céu”. Necessitamos de alimento que alguém teve de produzir. De calçado que alguém teve de fabricar, etc., etc.

O pensamento de que, cada vez mais, passaremos a dispor de um exército de máquinas inteligentes a trabalharem para nós, libertando-nos, assim, para um abraço às artes, à reflexão, à fruição da vida… deveria encher-nos de felicidade.

Tal só ainda não acontece massivamente porque, ao continuarmos com o mesmo “chip” que nos foi incutido na Revolução Industrial – que nos faz acreditar que temos de passar um x número de horas por dia, num posto de trabalho, a produzir –, vemos, na substituição do trabalho humano pelas máquinas, em primeiro lugar, uma perda de significado das nossas vidas e, em segundo, o fantasma do desemprego e da miséria que o acompanha. Nada precisa de ser assim. Há cerca de três anos, como qualquer pessoa normal, ainda não poderia prever que o atual advento da inteligência artificial se aproximava a passos tão rápidos. Não obstante, por essa altura, escrevi que, na sociedade civil e na política, deveria começar a surgir um debate acerca de horário laboral para o século XXI.

Defendi, como cada vez mais defendo, a falta de sentido de as empresas continuarem a impor os mesmos horários laborais, arcaicos, aos seus funcionários, quando, cada vez mais, uma parte do trabalho começa a ser assegurado por máquinas, progressivamente mais inteligentes. Ainda para mais, se pensarmos que continua a existir desemprego.

Defendi, como cada vez mais defendo, que esses horários devem ser reduzidos (mantendo-se os salários) mas que, para que tal possa acontecer, deve haver uma concertação do maior número de governos possível (se assim não acontecer, nenhuma empresa normal dará o primeiro passo. Fazê-lo colocá-la-ia, de imediato e em relação às suas concorrentes, numa situação de desvantagem estratégica).

Defendi, como cada vez mais defendo, que, caso tal acontecesse, o mercado acabaria por se conseguir autoajustar e que, nesse novo equilíbrio entretanto alcançado, o desemprego seria menor, as pessoas mais felizes, a sociedade mais harmónica.

Não haveria um número expressivo de falências porque a maior parte das empresas do mundo estaria vinculada a esta evolução, logo, em situação de igualdade concorrencial.

Defendi, como cada vez mais defendo, que, inclusivamente, esta evolução poderia ser usada como incentivo à produtividade. Era possível, de facto, que a referida redução do horário laboral estivesse dependente do atingimento de metas de produtividade, previamente negociadas e acordadas com os trabalhadores.

Defendi, como cada vez mais defendo, que, com essa redução dos horários (que poderia ganhar a forma de um aumento dos dias semanais de descanso), o número de deslocações para o trabalho diminuiria e o ambiente, de igual modo, sairia a ganhar (posteriormente, com a pandemia da Covid-19, tal veio a verificar-se).

Defendi, como, com o atual surgimento do advento da Inteligência Artificial, cada vez mais defendo que, pelo menos, se impõe o aparecimento de um debate, sério e informado, sobre esta matéria.

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Ricardo Amorim Pereira, Doutorando em Ciência Política, com interesse na área da ecologia política.