A POESIA NA OBRA “ POR LUGARES INCRÍVEIS”, DE JENNIFER NIVEN
RECENSÂO DE LUIZ HENRIQUE COTA DE SANTANA*
Em algumas circunstâncias não é o leitor que escolhe a obra, mas sim o inverso. Ultimamente alguns textos estão surgindo para mim, me sinto na responsabilidade de expor sobre eles, acredito que seja um ultraje não fazê-lo. Já tinha ouvido falar a cerca na obra “Por lugares incríveis” da escritora americana Jennifer Niven, mas eu não liguei muito, parecia ser apenas mais um romance jovem-adulto (young adult – YA). Até um amigo da faculdade pegou emprestado de uma colega dele, nem falou sobre o livro, mas quando uma obra te escolhe não tem jeito.
A narrativa da obra é muito comum no gênero YA, Theodore Finch é o garoto problemático e baderneiro da escola, já Violet Markey é a garota popular e perfeitinha da escola, ambos estão no colegial, que para nós, brasileiros, seria o Ensino Médio ou Segundo Grau. Eles se encontram na torre do sino, na qual Finch está sentado pensando em como seria pular daquela altura e Violet, por conta da perda de sua irmã Eleanor, pensa em acabar com essa tortura de uma vez. O Theodore Finch orquestra toda uma situação, já que ela está parada ali e faz com que Violet saia como a redentora da sua vida.
O Finch é dotado de pensamentos suicidas e isso traz uma potencialização e radicalização dos sentimentos mesmo nessa obra escrita em prosa, ou seja, não só finch como a Violet que tem um blog/site sobre escrita. A poesia, como intensificação dos sentimentos, coexistem nessa obra. A exposição, a expressão, o externar, o que sente é narrado por ambos personagens, já que a característica desse romance é a intercalação. Um capítulo é narrado por Finch, outro capítulo é narrado por Violet.
Essa alternância possibilita uma visão geral das ideias e dos pensamentos de ambos, quais os desejos, quais as reflexões, quais os anseios e as preocupações. Os pensamentos de ambos e as personalidades se diferem bastante. Ela é mais recatada e ele é um espírito livre. E o fato dele ser um espectro vivente em uma condição existencial plural, não muda o fato de ele ter problemas sérios na psique. Isto é tão complexo que em dado momento ele diz estar “acordado, sim; mas completamente vazio. (n.p)”
O ato de estar acordado ou como é preferível por Finch estar desperto é tido como bastante essencial, de tal forma que em vários capítulos desta obra são contabilizados os dias nos quais ele está desperto, e isto o faz buscar dispositivos que mantenha acordado por mais tempo, compor músicas, correr vários quilômetros.
Após esses dias é possível notar que ele desaparece, ele praticamente hiberna, a narrativa em primeira pessoa faz-nos ter um contato mais ávido com os sentimentos e as percepções dos personagens. Assim, o vazio acompanha o estar desperto e esse fator faz com que Finch viva no limiar da existência, e esse fato acompanha a sua personalidade. Finch tinha consciência de que poderia ser muitos, isso em nossa realidade recebe o nome de Perturbação Afetiva Bipolar (PAB) ou Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) e odeia ser visto como um rótulo.
Não só ele como a Violet Markey também desfruta de uma existência poética, em certa ocasião ela lamenta pela falta de inspiração para escrever e diz no pretérito imperfeito do indicativo: “Escrever fazia parte de mim” (n.p). Dado o anseio, o desejo de escrever é visto nas lamentações que ela faz, tais como: “Minhas palavras também morreram” (n.p) “Minhas palavras se foram”(n.p.). Nisso ela não só reflete o seu prazer pela escrita, como também a vivacidade da palavras, que é o elemento constitutivo da literatura, enquanto produto cultural artístico da humanidade, elas se vão, elas morrem, elas possuem vontade própria.
Após isso, o desenrolar da história é dotado de complicações Finch e Violet desbravam o cidade de Indiana observando os lugares deixando algo e levando algo, são exatamente “lugares incríveis” como o título em português sugere. Para saber quais são os lugares você terá de ler este romance. Mas ele é sobre a beleza que não enxergamos em lugares simples, o belo e o simples coincidem, é sobre as pessoas que são problemáticas porque todo um sistema conspira contra elas, é sobre a beleza que apenas a sensibilidade é capaz de notar, é sobre as pessoas como lugares, e esses lugares estão perto de nós e a correria pelo capital não permite ver.
A vida de ambos é confortável, a mãe do Finch tem dois empregos, embora seja divorciada do marido, o Finch foi aprovado em várias universidades, mas se quer pensa no futuro, pois ele repete isso diversas vezes ao longo do livro, o desejo, essa pressa de viver o consome, o passado é um quadro obscuro e opaco, o futuro só existe na teoria, o instante, o hoje e o presente é uma dádiva, a vida acontece aqui e agora. Já a Violet Markey tem os seus pais sempre presentes, ambos trabalhando, ela tem algumas ideias de começar outra revista e ela foi aprovada em algumas universidades e pensar muito no curso de escrita criativa.
Penso na Violet como um alter ego da autora do livro, pois na criação do personagem Finch ela em uma entrevista (YOUTUBE) disse que recordou de um menino que conheceu na sua juventude. Cada obra literária tem muito da construção intelectual do autor, é meio óbvio — algumas pessoas dizem não existir obviedade nas coisas, também penso assim, nada é óbvio na vida –, falar disso, mas é algo que precisa ser dito: cada autor migra para seus textos muito da sua vida, a título de exemplificação: tem-se a construção dos personagens do autor Franz Kafka, na obra “cartas ao pai” sabemos que o intuito da figura autoritária e bruta das criações do Kafka advém desse mau relacionamento com seu pai.
Ainda assim, o Finch traz uma carga de conhecimento literário muito grande, o que faz este livro implementar algumas releituras de algumas obras, são vários os escritos, mas o poeta Cesare Pavese (italiano) e a escritora Virginia Woolf (inglês) são bastantes repercutidos nesse escrito. O protagonista traz um verso desse poeta italiano:
“O amor é o grande manifesto; a urgência de ser, de ter alguma importância e, se a morte vier, morrer com valentia, com clamor — em suma, permanecer na memória.” (n.p.)
A pressa, a angústia de viver, de sentir. É algo que Finch aprecia, a vida é feita de altos e baixos, de brigas e desavenças, de descobertas e enigmas. Pessoas não são fáceis de entender, cada indivíduo acompanha uma incógnita, cada pessoa é uma caixa de surpresas, outras nem caixa tem e tudo bem isso. No fim de tudo, no fim da frase tem um ponto, no fim de uma vida longa existe a velhice e a morte acompanha esse tempo, mas a memória auxilia a nostalgia, o tempo bom é algo que se foi e hoje o gozo é desfrutar dessa lembrança.
A Violet segue em um pensamento semelhante ao de Finch o novo site que ela busca criar terá várias colaboradoras e o intuito desse promover vários ideias e opiniões, falar sobre amor, sobre literatura e sobre a vida. Pois depois do último ano do ensino médio “saímos para o mundo” (n.p.). Essa saída para o mundo é bastante significativa, porque parece que a realidade da vida ainda não nos penetrou, ou melhor, nos atingiu, vivemos “antes que o mundo mude (n.p.).
Essa narrativa vai à contramão da ilustração cristã levantada por Jesus Cristo, no livro de Lucas, capítulo 6 versículo 39: “Jesus fez também a seguinte comparação: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois no buraco?” Ambos são cegos, são adeptos de um sentimento, estão perdidos e mesmo assim, Finch e Violet saem desse poço obscuro, mas um deles retorna e a queda é mais destrutiva e impactante que o retorno. Mas não caíram os dois, um cego salva o outro nesse livro.
Finch busca ser eterno, ser lembrado. Certa feita ele pensa que:
“Eu a conheci na torre do sino quando nós dois estávamos pensando em pular. Poderíamos ter dado as mãos e saltado juntos. Iam achar que nós éramos amantes amaldiçoados. Escreveriam músicas sobre nós. Viraríamos lenda.” (n.p.)
Finch busca a eternização através da escrita, melhor, ele busca se eternizar por meio da literatura. A literatura oral e escrita como ferramenta imortalizadora. Nesse capítulo ele retrata as letras de música que ele escreve, trecho da obra “As ondas” da escritora Virginia Woolf, músicas do grupo de rock progressivo Pink Floyd, a cultura pop junto da cultura clássica, somos seres perpetrados e transversais às diversas culturas se encontram em nós.
Além disso, Finch também é um escritor. Ele escreve letras de músicas, que também são literaturas, a partir de post it’s que ele gruda na “parede das ideias, paredes de pensamentos ou parede da minha mente”, isso mesmo ele ainda não decidiu o nome da parede, porém essa ocasião deriva de um ideal grego platônico, as ideias vêm de algum lugar: o mundo das ideias é a parede de finch.
Em um primeiro momento o leitor pode se deixar enganar e pensar que o livro é sobre Theodore Finch, mas não o livro é sobre ambos. A Violet tem um espaço semelhante ao Finch nessa narrativa, pois antes de alguns acontecimentos que envolvem o protagonista ela fica muito na defensiva, sendo levada, sendo induzida, nunca tendo uma opinião própria e a força pra fazer algo, mas isso decorre da relação que ela tem consigo, tudo desmoronou depois da morte da Eleonor. Mas com a chegada súbita do Finch na vida dela, ela começa a adquirir força.
Como não escreve há um certo tempo, Violet markey lê bastante. Ela está lendo “O morro dos ventos uivantes” da autora Emily Brontë. A protagonista gosta dessa escritora, a ponto de caracterizá-la como uma “rebelde, com raiva do mundo.” Após essa caracterização ela expõe uma citação do livro bastante singular:
“Se tudo o mais perecesse e ele continuasse, eu ainda deveria continuar a existir; e se tudo o mais continuasse e ele fosse aniquilado, o universo tornar-se-ia para mim completamente estranho…” (n.p.)
E completa:
— Uma vastidão desconhecida — repito pra ninguém. — É isso (n.p.)
Ao que parece, ela retrata um sentimento intenso e forte, frente aos acontecimentos que envolvem sua existência e seu pensar em Finch, será que ela estaria pensando que sem ele a vida se configura como uma imensidão do desconhecimento de tudo. É complicado conviver e compartilhar a sua vida com alguèm que está prestes a implodir.
Praticamente, é silenciar um pouco essa a consciência da consciência o que ela faz nessas situações. Saber que o que eu sei. Entender o que já entendo. Contemplar o que já contemplo. Se silenciar tudo que se quer, em prol do que se deseja. A Violet Markey sabe onde está se metendo, mas mesmo assim ela mergulha fundo, e se entrega.
Enquanto Violet se debruça nos livros, pois a sua escrita se encontra fragilizada, a vida de Finch é a própria inspiração poética. Uma chuva, uma nevada, recebe uma leitura diferente na mente do poeta. A partir dessa leitura do mundo, Finch diz que “O céu se abre e começa a cair o mundo.(n.p.)” A chuva como a queda do céu, que sucede à abertura, em gotículas e em partículas.
Outra situação que colabora e que evidencia essa leitura que o poeta faz do mundo é quando o Finch vai tomar banho e ele imerge na banheira e fica por completo dentro da água. Ele diz: “Submerso, estou seguro.” A água como habitação e refúgio humano. A banheira enquanto refúgio do poeta. Ao mesmo passo que ele reflete sobre isso, quanto mais profundo, mais seguro.
Em certa feita, a compositora de hinos cristãos Frida Strandberg Vingren redigiu em um de seus poemas musicados que “os mais belos hinos e poesias foram escritos em tribulação.” Não sei se podemos generalizar a este ponto, mas muitos poemas carregam uma aura negativista e até sombria, como se a penumbra do espírito e do mais interior da alma humana estivesse ali, bem posta.
Violet decide escrever os sonhos que a atormentam, desde o acidente com a sua irmã. Ela se levanta da cama atordoada e abre o laptop para escrever, antes de concluir o feito ela pensa que se aquilo fosse antes do acidente ela já teria escrito há dias, mas a inspiração se apartou dela ou ela aportou a inspiração de si, pois é fato que por meio da escrita os demônios internos ganham forma. Ela disse o seguinte: “Teria escrito até que aquilo saísse de mim e virasse palavras.” Os temores viram, palavras, assim como dias bons e ruins se tornam lembranças.
O pensamento reflexivo de Violet sobre si é semelhante ao entendimento de Finch, em um dos momentos de sobriedade dele, o protagonista decidi listar os artifícios que auxiliam no ato de ficar desperto. Abaixo da corrida ele lista a escrita, para ele a escrita é um recurso para ficar desperto, ademais não é só escrever as coisas belas da vida, a beleza da existência já em muito foi capturada pela literatura em sua completude, mas “Escrever (inclui quaisquer pensamentos indesejáveis — anotando rápido para que saiam de mim e passem pro papel). (n.p.)
A folha de papel não tem apenas um verso.
No decorrer da narrativa, é perceptível os pontos em comum de cada um, mas não satisfeita com isso Violet recorre ao ex-namorado, mas ainda continua pensando em Finch quando está com ele. Em algumas circunstâncias, e isso vale para os protagonistas do livro, a monotonia de um relacionamento causa o desinteresse, a incerteza do amanhã é que abrilhanta a vida.
Finch, depois de quase ser trocado, vai à casa da Violet e com isso constrói um vínculo de amizade com seus pais (p.72). Ele e cativante e interativo. O mundo moderno não é mais o mundo grego, parece óbvio, mas não o é; as pessoas na atualidade são resultados das suas escolhas, sejam elas cuidadosas ou precipitadas, na antiguidade clássica as pessoas eram fruto do seu destino. Hoje a realidade é outra.
Finch quer a confiança, ele quer estar presente na vida da Violet
A Violet escrevia para um Blog. O Finch fazia algumas composições. Ambos têm a escrita como um ponto em comum. Seguindo essa perspectiva, Finch, em Busca do Grande Manifesto, cita no capítulo 17 (pág. 80) o poeta Maiakóvski, um poeta extremamente importante na Revolução Russa, “A urgência do Ser”. A mente de Finch funciona de maneira veloz, existe pressa em ser. O mundo pressiona e ele canaliza essa pressão em sua personalidade, por isso é tão difícil entendê-lo.
Em certa feita, ele visualiza uma parede, e a frase que está no meio de duas sentenças de baixo calão é “Insanidade, por favor.” A monotonia das relações ditas normais eleva o patamar das interações afetivo-amorosas a um lugar de calmaria que deságua, muitas vezes, no marasmo de um mar que outrora já fora agitado. Amar requer impossibilidades e veracidade. Amar para Finch é um desafio bélico. Amar para a Violet é desesperador.
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REFERÊNCIAS
NIVEN, Jennifer. Por lugares incríveis. Editora Seguinte: São Paulo. 2015. p.355
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*Luis Henrique Costa de Santana Mestrando em Letras pela UFPE, Educador Popular, Graduado no curso de Licenciatura em Letras —Português e Inglês, pela Universidade federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE).Professor Especialista em Cultura e literatura pela INTERVALE.Membro do Grupo de Estudos em História e Literatura (GEHISLIT/ PUC Minas). Tem interesse em Literatura, Literatura e memória, Metaliteratura, Estudos Literários, Estudos Culturais e Teoria Crítica d’O Imaginário. PETiano egresso do Programa de Educação Tutorial (PET) —Conexões: Arte, Cultura e Educação em Comunidades populares e quilombolas na UFRPE/UAG. E-MAIL: SANTANALUIZHC@GMAILCOM.
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