ATENA – por Filomena Barata


Escrever é como fazer uma tapeçaria. Escolher um nome como Atena para uma revista é assumir também o valor a cada letra e com ela construir com palavras, com pontos e nós, uma narrativa.

Mas lá iremos, pois há que lhe contar um pouco a história da divindade.

Na Mitologia, são conhecidas as várias esposas e amantes de Zeus/Júpiter.

Entre elas, lembramos a primeira, Métis, cujo atributo era a prudência.  E recordaremos o nascimento insólito da primogénita Atena.

Gaia já havia advertido Zeus que Métis lhe daria um filho que o destronaria, tal como ele havia destronado o seu pai. Assustado com essa ideia, Zeus engoliu Métis, seguindo um plano astuto, onde ambos se metamorfoseariam em animais diferentes: Métis transformou-se numa mosca e Zeus aproveitou a oportunidade e engoliu-a. A deusa já estava grávida de Atena, e a gestação continuou, mas alojada na cabeça de Zeus.

Durante um confronto guerreiro, Zeus sentiu uma forte dor de cabeça, e pediu a Hefesto, o deus das forjas, que lhe rachasse a cabeça, tendo nascido Atena já adulta e totalmente aramada, como se fosse enfrentar a guerra. Atena tornou-se a deusa preferida de Zeus/Júpiter e uma das mais poderosas.

Atena, deusa da Sabedoria e da Razão, é paralelamente pacificadora e guerreira, patrona dos guerreiros e dos artífices, mas também da agricultura, e é ainda a protetora da cidade com o seu nome. Tem como símbolos a lança, a égide ou o escudo, o capacete.

«Zeus, rei dos deuses, tomou por primeira esposa Métis, a que mais sabe sobre os deuses e os homens mortais.

Mas, quando ela estava prestes a dar à luz a deusa Atena de olhos garços, nessa altura, ele enganou o seu espírito, com palavras ardilosas, e engoliu-a no seu ventre, por conselho da Terra e do Céu coberto de estrelas.

Ambos o aconselharam assim, para que o poder régio não pertencesse a nenhum dos outros dos deuses que vivem sempre, senão a Zeus.

Porque estava predestinado que dela nascessem filhos muito inteligentes:

a primeira, a filha de olhos garços, a Tritogénea, detentora de força e de uma sábia vontade igual à do pai; depois seria a vez de um filho, rei de deuses e de homens, que ela daria à luz, um filho de coração soberbo.

Mas, antes, Zeus engoliu-a no seu ventre, para que a deusa lhe pudesse aconselhar o que é bom e o que é mau» (Hesíodo, Teogonia, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2014)

É «filha de Zeus detentor da égide, Atena de olhos garços» (Hesíodo, Teogonia, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2014), e a filha partenogenética de Zeus.  Partenogénese é, uma nua clara alusão à deusa grega Atena, cujo templo era denominado Partenon, o termo ainda utilizado para se designar o crescimento e desenvolvimento de um embrião sem fertilização. São fêmeas que procriam sem precisar de machos que as fecundem.

Deusa da Sabedoria e da Razão, «Minerva, da oliveira a inventora», como a menciona Virgílio nas suas Geórgicas é também a deusa das artes da guerra, motivo pelo que se faz representar com uma lança. Esses mesmos atributos são uma constante nas suas representações ao longo do tempo.

Mas Atena, tal como Artemis e Héstia, era irredutível ao amor, factor não despiciendo num dos mitos que aqui evocaremos, o de Perseu.

A coruja (Athene noctua), que simboliza a clarividência e a sabedoria, foi também o símbolo do conhecimento racional e, por isso, atributo de Atena. É um predador nato e nocturno, e tem os sentidos de audição e visão muito apurados. Por isso a sua ligação, quer a Artemisa, deusa lunar e da caça, quer a Atena, embora haja quem atribua essa associação a um aspecto muito mais prático, pois era uma ave muito comum na região.

A oliveira, plantada por detrás do Erectéion, um templo grego localizado no Pártenon, consagrado a Atena e a Posídon e construído no século V a. C., é também um dos atributos de Atena.

Terá sido árvore que a deusa ofereceu, como contam alguns dos mitos, como presente à cidade de Atenas, quando da sua fundação, pois Atena para além de ter podido dar origem ao nome da cidade (ou ter a cidade adoptado a deusa como sua patrona, como sugerem outras interpretações) é também símbolo da vitalidade da pólis, e protectora dos seus produtos agrícolas mais importantes, designadamente o azeite, considerado fundamental em todo o Mediterrâneo. Mas também representa a Luz, pois com ele se iluminam as candeias.

Diz a mitologia que a oliveira se tornou na imagem de renovação para os gregos, especialmente depois da guerra com os persas, quando a antiga oliveira sagrada da acrópole, saqueada e incendiada pelos inimigos, voltou a brotar.

Vergílio, nas suas Geórgicas, faz várias referências às oliveiras, afirmando logo no seu Livro I:

«Tu, Minerva, que nos deste a oliveira; tu moço inventor do curvo arado; tu, Silvano, que usas em guisa de cajado um tenro cipreste arrancado com as raízes! E vós todos, deuses e deusas a quem cabe o cuidado de proteger os campos, que alimentais as plantas que o homem não semeou, e derramais do céu, sobre as que ele cultiva, a chuva benfazeja!»

Simbolizava a renovação, pois uma oliveira sagrada localizada na Acrópole voltou a brotar após ser incendiada pelos persas, num período de guerra. A oliveira também conecta Atena à fertilidade do solo e à natureza em si. O azeite era também utilizado nas candeias, remetendo-nos assim à Luz.

Como nasceu armada, Atena teve um importante papel em muitas guerras, entre elas, a Guerra de Troia. Atena também agiu junto de Hércules (Herácles grego) na defesa dos deuses do Olimpo contra os gigantes.

Foi responsável por ensinar aos homens múltiplas atividades, como a caça, a pesca, o uso do arco e flecha, a navegação, a olaria, a música e a dança, e, às mulheres, a fiação e a tecelagem.

Foi aliás esta última tarefa que a levou ao confronto com a pobre Aracne que se atreveu a competir com Atena na arte da tecelagem, e que, na qualidade de protectora dos tecelões, viaja até à Lídia para se confrontar com ela, disfarçada “de velha: falsas cãs às têmporas aplica, com uma bengala sustém os debilitados membros” como refere Ovídio, nas suas Metamorfoses, (Livro VI), Livros Cotovia, 2007.

Assim disfarçada, Atena, advertiu a jovem para que não se comparasse aos deuses. A tecedeira rejeita os conselhos e vaidosa desafia a própria deusa para uma disputa. Atena teceu uma tapeçaria com imagens que prediziam o destino dos mortais que desafiavam os deuses e Aracne uma tapeçaria onde mostrava os amores dos deuses. A jovem tecelã foi tão perfeita durante a disputa que a deusa não encontrando uma falha sequer, irada feriu Aracne e rasgou-lhe a tapeçaria. A jovem ficou tão triste que tentou o suicídio enforcando-se, mas a deusa apiedando-se, salvou-a transformando a corda que Arachne usava numa suave teia, mas pela sua afronta à deusa foi transformada numa aranha, de forma que a beleza de sua arte nunca deixasse de ser realizada.

“A pobrezinha não o suportou e, por orgulho, atou ao pescoço um laço. Ao vê-la pendurada, Palas condoeu-se e ergueu-a dizendo: “Vive então, malvada, mas sempre pendurada”. (Ovídio, Metamorfoses, Livro VI, Livros Cotovia, 2007)

Aracne, como nos refere ainda Ovídio, «não era famosa pela terra nativa nem pela origem da família, mas sim pela arte»  e que «Quantas vezes para contemplar os seus admiráveis lavores não abandonaram as ninfas os arvoredos do seu Timolo, não abandonaram as suas águas as ninfas do Pactolo. E não era só um prazer contemplar as vestes por ela tecidas, mas também vê-la trabalhar (tal encanto presidia à sua arte!) » como nos relata Ovídio (Metamorfoses, Livro VI).

Mas Atena, a detentora da égide, herdeira directa do atributo de seu pai, a armadura confeccionada por Hehesto, ou pelo próprio Zeus com a pele da cabra Aix, de acordo com as versões do mito.   Zeus cedeu a Égide à sua filha Atena, que o revestiu com a pele da Medusa, morta por Perseu, mito a que nos referiremos de seguida. Da guerra lembra ainda o uso da lança e do capacete.

A Minerva/Atena eram dedicados os Quinquatrus, jogos que sacralizavam o início do mês de Março, quando se iniciava o período da guerra.

“Um dia mais e chega
a festa de Minerva, cujo
nome – as Quinquátrias
– vem dos dias.

No primeiro, não há
sangue ou luta com ferro,
pois Minerva nasceu na-
quele dia.

No seguinte e em
mais três, os jogos são de
areia, co’as espadas se ale-
gra a deusa bélica.
A Palas hoje orai,
meninas e meninos, pois
quem aplacar Palas será
douto.

Com Palas já apla-
cada, a cardar lã a moça
aprende, e a encher pesa-
dos fusos.

Ela ensina a naveta a
correr na urdidura e faz a
obra co’o pente se aden-
sar”.

OVÍDIO, Fastos, I.[1]

Atena, já nomeada no Hino Homérico a Afrodite, era irredutível ao amor e amante dos combates guerreiros:

«Musa, diz-me os trabalhos de Afrodite de ouro, a Cípria, que lançou sobre os deuses o doce desejo e subjugou as raças dos homens mortais, as aves do céu e todos os animais selvagens que quer a terra firme quer o mar alto alimentam abundantemente: de todos são conhecidos os trabalhos da deusa Citeréia, bem coroada. Três corações, não é porém capaz de persuadir nem de enganar: a jovem filha de Zeus portador da égide, Atena de olhos glaucos. Na verdade, a ela não lhe aprazem os trabalhos de Afrodite de ouro, mas antes a satisfazem os combates e a acção guerreira de Ares – lutas e batalhas – e também ocupar-se de trabalhos gloriosos. Ela foi a primeira que ensinou os homens artesãos, que vivem sobre a terra, a fabricar coches e carros de combate embutidos de bronze e que ensinou às jovens donzelas de pele delicada, nas suas casas, trabalhos gloriosos, tendo-os colocado no espírito de cada uma.

(…) a mais jovem de todas, segundo a vontade de Zeus portador da égide, a venerável deusa que Posídon e Apolo desejavam como esposa. Ela não desejava muito isso, por isso recusou firmemente e fez um grande juramento – e que foi completamente cumprido – tocando a cabeça do pai Zeus portador da égide: que seria eternamente virgem, divina entre as deusas. Então, o pai Zeus concedeu-lhe uma bela recompensa, em troca do casamento: ela instalou-se no meio da casa, recebendo a melhor parte; em todos os templos dos deuses ela é honrada e, junto de todos os mortais, tornara-se a mais ilustre de entre os deuses»[2].

Como já anteriormente dito, talvez tenha sido essa sua irredutibilidade em relação ao amor que a torna vingativa no caso da afronta sentida no momento em que Posídon possuiu a Medusa junto do seu templo.

Medusa ficou conhecida na Mitologia como por ser um mostro ctónico terrível, do sexo feminino, sendo representada com serpentes no lugar dos cabelos, o seu rosto tinha um horrível semblante e que tinha o poder de petrificar que para ela olhasse.

Contudo Medusa não teria sido sempre assim. Seria uma mulher de corpo perfeito e de belos cabelos dourados.

Ela e as duas irmãs eram virgens sacerdotisas de Atena. Posídon, deus do mar, que algumas versões do mito dizem ter estrupado Medusa junto ao templo de Atena, colaborou na ira de Atena que, furiosa pelo desrespeito junto ao seu templo, castigou Medusa, transformando- a num mostro mortal. Os seus invejados cabelos transformaram-se em serpentes, o seu corpo foi deformado e a pele criou escamas e ficou pegajosa, e os seus dentes tinham o aspecto dos de um javali.

Perseu, filho de Zeus e Danae, será o herói que decapitará a Medusa, com a ajuda de Atena. Em seu auxílio vão também Hades, que tornava invisível quem usasse o seu elmo, e Hermes com as suas sandálias aladas. Ofereceram-lhe um escudo feito de bronze brilhante, que funcionou como espelho, porque Perseu não poderia olhar a Medusa nos olhos, uma espada e ainda um alforje chamado quíbisis para poder carregar a cabeça cheia de serpentes.

A cabeça de Medusa será oferecida à justiceira Atena que, doravante, a usará na sua égide, como um símbolo apotropaico, pois petrificaria os inimigos que a olhassem.

Mas o valor apotropaico da Medusa ultrapassa o âmbito estritamente bélico, de tal forma que, embora mantendo o seu lugar primordial em couraças e escudos, passa a marcar presença em lugares públicos, para os proteger.

Assim torna-se comum a representação da cabeça de Medusa em alguns clipei que fazem parte da ornamentação dos edifícios públicos romanos dos séculos I-II, como sucede nos fora de Mérida e de Tarragona.

Estes clipei têm um poder de amparo, protegendo os lugares das forças malignas e aparecem associados ao poder imperial divinizado, porque o escudo é, no fundo, uma representação do Universo de que o guerreiro se serve para opor o cosmos à força do inimigo.

Por seu lado, o escudo/espelho tem no Mundo Antigo uma dupla função: a utilização guerreira imediata e o uso como objecto fetiche. Segundo Plínio, o termo clipeus com que se denomina o escudo “tem uma etimologia de valor guerreiro: reproduzir no escudo o rosto daquele que o tinha utilizado” e fazer-se acompanhar por ele no campo de batalha facilitaria a vitória e conduziria à “imortalidade”.

Que a Medusa, símbolo do escudo de Atena, a deusa de tantos poderes, seja também um dos que protegerá, doravante, a escrita e esta revista.

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[1] Tradução de Márcio Meirelles
Márcio Gouvêa Júnior, Autêntica
Clássica, Belo Horizonte. 2018
[2] Célia Joaquim Silva de Lima
“Hino Homérico a Afrodite: Estudo Introdutório”
Tradução do Grego e Notas
Universidade de Aveiro, 2005
https://1library.org/…/q5e36ejq-hino-homerico-afrodite…

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Filomena Barata. Mestre em Arqueologia, é Técnica Superior do Museu Nacional do Traje.