um.
nasci para aprender a ser árvore/
crescente desde o coração da terra/
voadora pelos ramos e asas /
espraiando-me entre cumes e desertos, /
montanhas mágicas serras áridas /
e mornas planícies morenas dos suis.
até desarvorar – fidelíssima e de vez – /
no amoroso corpo envolvente
do meu devoto amor , o mar.
dois.
nasci para ser árvore negra
na noite guardada pela lua
de teu olhar.
a inclinação do fino raio de luz
por onde espreitas e enfrentas este pátio
do quotidiano ardente
a inclinação desmente a aparência de habitares este aqui.
o pátio é amplo e rico em
fraseados e requebros do Sul
a trazerem à memória o colo
da terra onde nasceste e cresces.
vens depois para anunciares o que virá.
a luz permite-te esse jogo inaudito
e maravilhoso de trocar as voltas ao tempo
inexistente para quem viaja entre pátios
e se derrama pelos céus das planas visões.
excessiva esta emoção
no meu peito de árvore – oliveira redobrando ramos
e alongando raízes dentro do chão.
nasci para ser essa árvore negra
guardada pela luz do olhar
que nos dás e alicias e ensinas.
antiga raiz no solo raiano
eu, oliveira baixa e resistente
descubro-me intacta
a todas as antigas falas
pois de falsas falas se tratou.
intacta me descubro
pois aprendo
com a luz de teu olhar /
ser o fundo uma passagem
ser o pátio uma moldura
onde opera a luz,
essa seiva maga de natal
doada pela inclinação do teu olhar.
três.
aqui
assim
entre o azul do céu e a palha da seara
à boleia do Suão
no reencontro de corpo e alma/
onde os subornos da infelicidade nunca chegam/
entre as vagas da calma vagarosa /
deleitada/
enquanto não chove: /
espero a tua fala interior./
.
no momento em que a lançares/
nesse encontro dos nossos horizontes/
poderei, enfim, partir:/
– permanecer.
quatro.
Guerreiras da Paz e da Fartura
.
perfiladas no horizonte/
as guerreiras da fartura
aguardam o sinal para avançar.
.
virão devagar, robustas e vagarosas/
pela encosta dos queridos montes raianos./
.
um ar de Setembro cuida de as manter na farta redoma /
emoldurando e desenhando /
o olival./
de tão lentos os passos
um estranho ao lugar juraria que não/
que é fantasia ou ilusão de óptica/
esse mito da marcha das oliveiras./
suponho que noutras paragens /
se sofre da mesma incredulidade:/
uma crença árida e seca/
insistindo na ideia de as oliveiras serem apenas árvores e,/
para tal visão bafienta/
árvores têm raízes que a fúria/
humana escolhe onde plantar ou arrancar/
.
acontece que, aqui, /estamos no reino da imensidão/
onde a única barreira a deter/
é a arrogância e os brotos de mesquinhez./
.
aqui, no reino da imensidão/
todos sabemos como as oliveiras defendem a paz/
semeando temperos, sabores e sombras,
à medida que habitam as terras/
até devir olival./
.
foi num monte destes que o tal das tranças se reconheceu homem amoroso/
pois cabe aos olivais a missão do espelhamento das almas./
.
faça o forasteiro o teste:/
assim que aviste um rebordo de oliveiras na linha cimeira de um monte/
páre e disponha-se a acolher esse cortejo./
uma vez internamente pronto/
basta habitar a máxima quietude interior/
distender as pernas,/
pousar mãos, braços e memórias/
alongar o olhar desde onde emerge a esperança/
até que a silenciosa invasão se consuma/
e, num ápice, o terreno que parecia vazio/
se revela pejado/
de copas troncos folhas frutos/
e da radiosa cantiga a várias vozes/
dos outros seres esvoaçantes/
sempre viajantes com cada olival. /
cinco.
haverá um tempo e um lugar/
para amansar a pressa /
sentir o vento fresco/
a ondulação do rio no pulso gentil/
e o riso refrescar a voz./
haverá um lugar e um tempo/
de pausa inspirando algas/
pisando pauzitos e lascas/
molhando rugas magníficas/
sarando raivas absurdas/
para aflorar aos lábios, /pujante,/
o teu sorriso gaiato, /
eterno/
fundamental./
haverá um lugar: é aqui.
haverá um tempo: é agora.
♦♦♦
Escritora com obra editada – 28 livros de poesia e 1 romance – desde 1997. Performer e Cantora.
Doutora em Sociologia (Out/2010. ISCTE), foi professora universitária durante 28 anos.
Trainer em Programação Neurolinguística/PNL (Julho/2019); Coach Neurolinguístico (Set/2018).
Publicada em várias Colectâneas e Antologia, é membro da Associação Portuguesa de Sociologia e da Associação Portuguesa de Escritores.
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