TRÊS POEMAS DE “MEIO FIO” – de Flavia Ferrari

ANUNCIAÇÃO

Não é possível olhar o alto
Se o ar ao redor está todo preenchido

O espaço pode ser este lugar sufocante
Nomeado
Mas não reconhecido

Não é fácil perceber o gosto
Se o que nos cabe é um pedaço ressequido
Sem a presença de um todo
Que nos faça acreditar

Não é prudente adormecer no caminho
Precisamos chegar e registrar o nome
Para que haja uma verdade momentânea
Da partida
Do motivo
Da carne viva

Não é comum os sons perderem a validade
Música esta que canta este tempo
Em que à memória parece ruído
Não é errado esconder-se
Da figura insana
Do momento não aguardado
Da convocação que não admite recusa

Mas não é prudente ausentarmo-nos
Todos os nossos sentidos são necessários
Mesmo que não haja espaço
Nem esperança
Nenhum movimento

Mesmo sem a tua companhia
Com a qual era fácil conseguir encontrar

♣♣♣

FRESTAS

Há frestas por onde o sangue aflora
e o excesso escorre
e que cicatrizam

Há frestas que revelam
fragilidade
e uma ruptura iminente

Há frestas que acusam
um passado negligente
futuro incerto

Há frestas que orientam
que contam histórias
e aguentam

Há frestas que não cicatrizam
endurecidas
por onde só passa o ar
imperceptível

Há frestas invisíveis
que só se mostram na claridade
e somem quando chegam as sombras

Há frestas por onde brotam
elementos vivos
quando já não mais acreditamos
e resistem

♣♣♣

CAMINHO

Estou entre
A imobilidade e a excelência
A obstinação e o abandono
A dança e o adormecer
A consciência e o delírio

Falta pouco
Falta muito
Falta direção
Falta companhia

Estamos (todos)
Entre a vida e a morte
Em que parte do caminho?
Há tempos ando em círculos
Melhor recomeçar

Flavia Ferrari (Santana de Parnaíba/SP) é mãe professora, escritora e poeta. Escreve contos infantis desde 2014. Estreou na poesia em 2020, no início da pandemia. Teve poemas publicados pela Escrita Cafeína, pela Revista Pixé e pela Toma Aí Um Poema. É autora do livro “Meio-Fio: Poemas de Passagem”. Mantém um relacionamento amoroso sério com a poesia.