O MEDO – por Manuel Igreja

 

O medo tolhe-nos. Rouba-nos o discernimento, aumenta-nos a desumanidade, cobre-nos de egoísmo primário. O medo sem que se perceba, pode fazer com que uma comunidade cordata e amiga do seu amigo e companheira do seu vizinho se transforme num ninho de vespas onde campeia a crueldade impelida por uma quase absoluta insanidade mental.

Foi o medo utlizado como veículo do ódio semeado que na década de trinta do século passado, levou a que aquela que era a mais desenvolvida sociedade do mundo, erguesse até ao poder o mais mentecapto dos homens travestido de iluminado redentor.

Um alemão medíocre conseguiu por via do medo que soube potencializar, deter poderes terríveis e infindos espalhando a destruição e morte a pontos nunca antes alcançados, aplaudido por multidões em delírio. Cidadãos exemplares, chefes de família cordatos, acicatados pelo sentimento de insegurança, num ápice e de consciência tranquila viraram hienas sedentas de sangue.

Não estou a exagerar. Garanto. Basta folhear um qualquer compêndio da História recente da humanidade para se perceber que o medo e a perspetiva da fome não foram então bons conselheiros, como de resto nunca o foram ou serão, naquele ou em qualquer lugar. O medo acorda fantasmas e desperta instintos primários impelidos pelo egoísmo imediato da sobrevivência.

Diz quem sabe, que a maior vantagem num ser humano, não é ser isento de medo de tão natural esse sentir ser. Disse alguém, que a verdadeira coragem está na maneira como se lida com o medo, no modo como apesar de tudo se lhe faz frente com inteligência e com valor. Será de resto isso, uma das poucas coisas que diferencia os seres racionais dos seres irracionais.

A coragem de afrontar os Adamastores que surgem a cada esquina no dobrar dos dias, e o ser-se capaz de prestar solidariedade a quem sofre de injustiça e não tem acesso ao satisfazer das necessidades básicas, são inequivocamente o que delimita a fronteira entre o mundo civilizado e o mundo ainda não desbravado no campo da organização social.

Vivemos e vemos hoje em dia coisas absolutamente capazes de fazer medrar e de justificar o medo que sub-repticiamente se espalha por entre os nossos quotidianos e frequentes desassossegos. A demência parece ter tomado conta de parte dos nossos destinos.

A barbárie vista a todo o momento, leva-nos como na canção, a questionar os deuses se não estão vendo isto, para que mandaram Cristo à Terra espalhar o amor. A nossa Europa, setenta anos após ter vivido o seu maior pavor, está perante um enorme desafio. Valiosa é procurada como destino por milhões que tudo perderam inclusivamente o ter alguém a quem pedir.

Não podemos nem devemos porque somos todos humanos, deixar que os medos nos impeçam de sermos capazes fazer a diferença que nasce num mero gesto de solidariedade, perante quem foge do inferno em vida. O resto são desculpas de quem vivendo no lado escuro da lua porque só vê uma pequena luz que tem como sua, julga que vive tocado pelos raios de sol.

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Manuel Igreja Cardoso, nasceu em 1960 no concelho de Armamar e reside na cidade do Peso da Régua no Alto Douro Vinhateiro.
Licenciado em História, a par da sua atividade profissional da EDP – Energia de Portugal, desenvolveu nos últimos 25 anos uma profícua atividade na escrita de contos, artigos de opinião e de crónicas que tem vindo a publicar em diversos jornais regionais.
Tem publicado um livro de contos, um com a história da Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua, e outro com história da ACIR – Associação Comercial.