O meu pátio
desde pequena entendo as escadas como os sofás da casa de gente solitária
normalmente daqueles que não tiveram coragem ou tempo para fugir de rotinas agrestes
daquelas que sujam mãos e gretam a pele antes das rugas
e
quando elas chegam descansam-nas em sofás de pedra e musgo
de casas alheias sem acesso dos seus há tanto tempo que a fechadura enferrujou e fez ninho de teia de aranhas
e no esquecimento de uns outros lembram juventudes de falta de pão que não impediam a felicidade
sempre imaginei que quando as minhas rugas chegassem ia haver escadas também
de acesso livre, porta entreaberta a um pátio onde haveria sofás verdadeiros e almofadas coloridas
haverá uma laranjeira e vários canteiros de ervas aromáticas
uma mesa comprida a um canto
desalinhada
que a liberdade é coisa que prezo
ao fundo do pátio haverá um um forno de lenha para assadeiras com receitas de pato com laranja e alecrim que acrescentar é coisa de invento meu
à volta do pátio várias janelas de quartos ocupados de gente jovem e adulta e crianças também
onde todos brincam com todos os sabores
e ninguém ficará na escada de pedra a ver a vida passar
ah!
por fora a escada e a porta serão de um azul celeste enfeitadas com flores contrastantes e vivas
preferencialmente vermelha ou rosa
mas,
lá dentro
a cor do pátio será branca
uma tela gigante
onde todos que o frequentam deixam impresso o carimbo da sua emoção partilhada
que todos os que virão depois deles conseguirão ler,
menos os forasteiros que entraram por engano
neste pátio
os que não sabem dar ficam cegos.
♣♣♣
o meu Porto
se for preciso
a cidade aconchegar-me-á,
não são precisas flautas ou violinos,
nem pianos
apenas eu e o volante do meu carro
entramos devagar pela marginal junto à igreja de São Francisco
e deixamos que a via panorâmica nos enlace com o Douro a refletir as luzes
como um caminho iluminado ao encontro do colo da mãe Arrábida.
um colo que é também um abraço aconchegante,
onde as mágoas se deixam embalar e acalmam,
onde as lágrimas podem cair invisíveis aos olhares dos semáforos vermelhos.
é sempre assim em noites de tempestades da alma.
a gente já não me consola,
já não me apetece.
só o betão vivo entre margens me entende
só ele conhece os silêncios dos medos que atravessam margens.
das minhas também.
por isso volto sempre que preciso estar perto de de mim. E de Deus.
♦♦♦
Alda Costa Fontes – Com ADN transmontano, dona de um coração que é um pátio aberto a toda a gente que não seja cega e, há 25 anos, tripeira por adoção.
Magistrada do Ministério Público/ natural de Nuzedo de Baixo/ Vinhais, onde nasceu em 1968.
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