UM ISOLAMENTO SOCIAL FILOSÓFICO – por Luiz Henrique Santana

O que é filosofia?

Eu, minha consciência, meu eu lírico, meu alter ego, meu ser, corresponde a um tempo, a atualidade da minha existência. Nesse momento, o mundo  se encontra em um estado antifilosófico, anti-pensamento, anti-intelectualismo. O pensamento de caráter (indagativo) e questionador-reflexivo referente às estruturas nas quais a sociedade se sustenta é quase nulo, em pouco as pessoas são instigadas em construir um pensamento crítico, consistente e relevante sobre o sistema político-social-econômico-histórico-cultural e étnico vigente. Nunca a filosofia foi tão importante quanto hoje, em um tempo no qual as pessoas estão habituadas com o pensamento pronto e com os discursos rasos.

A falta que o uso da razão faz nesta condição política pós-moderna é nítida, o pensamento racional se configura como a unidade que preenche a reflexão: nos diferencia dos animais! Levando em consideração o evolucionismo e a pressuposição que a razão é uma construção histórico-cultural-antropológica, é válido pensá-la enquanto e como um artifício que compõe o pensamento humano.

Dessa forma, é possível indagar através do pensamento os alicerces do nosso meio comunitário, assim o pensar se configura como a materialização sólida e ao mesmo tempo volátil e/ou instável a nossa construção enquanto seres políticos, ou seja, o pensamento pode ser entendido como um produto das relações sócio-espaciais-culturais que obtivemos durante a formação humana nos campos artísticos, familiares, religiosos (ou anti-religiosos) e culturais.

Nesse cenário histórico, no qual vivemos, o pensamento reflexivo tem se tornado um impasse, uma problemática, uma pedra no sapato social importado do poder público. Para isso, filósofos, poetas e escritores estão sendo censurados, a matéria e disciplina escolar denominada filosofia tem sofrido ataques concretos, chegando a ser retirada do novo Ensino Médio, enquanto disciplina obrigatória. O que tem sido posto em cima da reflexão é o que chamam comumente de “freio em prol do progresso capitalista”. A figura ou o cenário filosófico se configura como uma inutilidade. É inútil pensar! É inútil refletir! É inútil filosofar! O freio tem sido contínuo. Ainda aguardo os livros serem queimados nas praças!

Os motivos que levam ao não-reconhecimento e a desvalorização da filosofia é  que ela propõe o questionamento dos valores que a sociedade estrutura e solidifica. A filosofia incomoda e ninguém quer ser incomodado, daí o real motivo da necessidade do questionamento através da razão. O que tem mantido a filosofia desde os primórdios é a dúvida, a incerteza, as perguntas e as questões: filosofia se faz com questões.

A certeza inabalável e imutável é o pensamento autoritário. A filosofia se ocupa de questões metafísicas e questões práticas: as questões metafísicas existem, pois são concernentes ao que transcende esse plano; a filosofia prática preenche a ética, a política e a educação. A moral entraria nesse espaço, caso não tivesse obtido um viés conservador e perdido a essência enquanto artifício social humano.

Mas o que é a ética? O que é político? O que se pode chamar de educação? Quem não questiona está fadado a deixar o psicopoder atual moldar o pensamento! Poses e mais poses. Será que “viver” em prol de coisas que hão de vir não é adiar a existência? Até que ponto é possível ser livre? As leis limitam a liberdade? Ou tudo é um controle humanitário?

Isolamento social?

Em um futuro não tão próximo, os nossos descendentes irão perguntar o que foi o lockdown, quarentena, isolamento social. Vários historiadores irão pesquisar e descobrir que foi uma reação a pandemia do coronavírus que isolava e assolava o mundo  em 2020. Mas essa reação não prendeu todos em casa. Alguns países iniciaram o processo de lockdown mais rapidamente, outros demoraram mais, o Brasil foi um desses que adiaram o isolamento.

Ainda assim, diversas vezes, inúmeras pessoas “furaram” o isolamento para assistir lives, para encontrar amores. Algumas pessoas saíram se arriscando, para fazer compras e receber o dinheiro do auxílio emergencial para se manter. Mas uma grande parte das pessoas ficaram em casa, e esse “ficar em casa” pôs muita gente de frente para: a fragilidade da vida, a necessidade que tem-se dos outros, a insignificância do ser humano e a necessidade de refletir sobre si.

Antes da pandemia o mundo estava a todo vapor, planos, projetos, execuções… O capitalismo e seu ego inflado. A pandemia pisou no freio do progresso do sistema no nosso mundo, e infelizmente muitos estavam sem cinto de segurança, e foram arremessados pelo parabrisa do carro importado pela montadora ‘Humanidade’, e caíram, caíram em valas comuns. Sem velório, sem tempo para luto, todos temendo o fim.

A possibilidade de refletir não será analisada pelo historiadores, mas pelos filósofos. Foi possível olhar para dentro da alma humana e de sua natureza, e ver o que o cotidiano tinha ocultado de nossos olhos. Somos seres sociais, é impossível viver sem o outro. Quando a existência finda o que resta? Resta a lembrança? Resta os nossos ideais? O que resta de nós quando fatores imprevisíveis põem fim a nossa existência?

Não saber a resposta dessas perguntas é o que nos possibilita viver.

 O isolamento provocou um autoconhecimento coletivo. No isolamento que aconteceu e ainda acontece, durante a redação desse texto, foi possível observar para além das imagens que são reverberadas pelo ego na nossa consciência. O ego cria um eco do que achamos de nós em nós mesmos, até podemos nos julgar conscientes da verdade do mundo, mas a realidade é que até a consciência coletiva é manipulada. Somos os melhores exemplos de manipuladores.

Eu poderia estar até equivocado quanto à conclusão de que o pensamento coletivo subjetivou o conhecer-se. E eu estaria, se o tempo não fosse a meu favor, mais de dois longos meses sem respirar ar puro dentro de casa e vendo as mesmas pessoas sempre, a família, é impossível não pensar em si. O pensamento reflexivo, ou seja, a filosofia, demanda, exige, solicita tempo!

Por conta do tempo, em algum momento foi possível pensar em si, pensar nas escolhas, reconhecer-se enquanto egoísta, pensar na brevidade da vida, refletir acerca da fluidez/ liquidez/ fragilidade das relações humanas, foi possível isso pois a pandemia suspendeu a existência. Em algumas redes sociais as pessoas pensaram em não somar o ano de 2020 a idade que tem, alegaram que não viveram neste ano. Mas se nada tivesse acontecido algum ser humano teria vivido?

A vida apertou o pause.

As redes sociais foram o único meio que os professores, os freelancers, os alunos e as instituições encontraram para continuar com as sua atividades. O home office entrou em moda, a internet se configurou como um refúgio para os isolados socialmente: lives, e mais lives. As distâncias foram encurtadas, já se fala que a internet aboliu as distâncias. Penso que não, improvável. Um abraço ainda será a menor distância entre dois corpos, e não uma tela.

Sobre o isolamento, em breve irá acabar.

Sobre o ser humano, em breve ele se autoconsumirá?

Sobre o tempo… Aldous Huxley o intimou de um dever no título do seu livro: “O tempo deve parar (1944)”.

Filosofando

A literatura é profética? A filosofia é profética? Não sei. Aprendi durante esse isolamento que não sei de muita coisa, melhor, não sei de quase nada. Escolhi a segunda assertiva em detrimento da primeira, pois a primeira sugere um otimismo acerca do meu saber que não possuo; já a segunda, detém um pessimismo que se adequa mais ao que sou.

O velho dilema do copo com água. Ele está meio cheio, ou meio vazio? Não sei. Depende do espírito de quem ver, mas de algo eu sei, sei que o isolamento foi um momento para pensar-se. Precisamos pensar o humano!

Sendo assim, refletir acerca da nossa relação com nós mesmos, da nossa relação com o mundo e com os outros, é dar espaço para alteridade, para a empatia. Será que uma pandemia tem a força de nos jogar para dentro de nós mesmos e, nos encontrando, nós encontramos os outros? Será que o isolamento social promoveu um sentimento empático coletivo? Isso eu não sei. Mas é bom sentar, respirar, olhar para o nada e refletir acerca de tudo, em busca de perguntas e questionamentos mais relevantes que as respostas. Podemos pensar sobre o que pensamos, mas será que é possível pensar sobre o próprio pensamento?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN,  Zygmunt. Modernidade  Líquida.  Jorge Zahar Editor, 2001.

HELLER, Ágnes. FEHÉR, Ferenc, A condição política pós-moderna. Editora Record: Rio de Janeiro 1998.

HUXLEY, Aldous. O tempo deve parar. Biblioteca Azul: Globo Livros: Rio Grande do Sul. 2020.

TIBURI, Márcia. Filosofia prática: ética, vida cotidiana, vida virtual. Rio de Janeiro: Record, 2014.

SENGE RJ. CAFÉ & POLÍTICA: Sociedade – consciente ou manipulada – FALA – Marcia Tiburi, filósofa. Acesso em: 14 de junho de 2020. Disponível em: <https://youtu.be/jZZXCtfnRDY>. TIBURI, Marcia. 2016.

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Luiz Henrique Costa de Santana Graduando da Universidade Federal Rural de Pernambuco – Unidade Acadêmica de Garanhuns (UFRPE/UAG), do 3º período do curso de Letras – Português-Inglês. Membro (estudante) do grupo de estudos em “Metaliteratura: teorias e obras”. Tem interesse em Literatura, Literatura e memória, Metaliteratura, Estudos literários e em estudos culturais. PETiano (bolsista) do Programa de Educação Tutorial (PET) – Conexões: Arte, Cultura e Educação em Comunidades populares e quilombolas na UFRPE/UAG.