A SAUDADE E EU – por Jaime Vaz Brasil

 

Quando vi dona saudade
me encarando tão de frente
tentei cambiar a mirada,
dizer que errou de vivente…

Mas ela sorria, mansa
como se soubesse a hora
de entrar assim, casa a dentro,
sem dizer nada lá fora…

Quando vi dona saudade
à porta de mim – tapera –
mandei dizer: não estou.
Mas ela soprou que espera…

Foi quando rezei ao tempo
– esse grande tudo e nada –
que me levasse a memória,
devolvendo alguma estrada.

No oco do peito
– além do vazio –
não cabe mais nada:
nem sombra, nem frio.

Quando vi dona saudade
tão bruta quanto um sangrando,
senti na carne – é comigo:
meu onde encontrou meu quando.

E foi então que ela armou-se
punhalizando um abraço
como se lâmina fosse
com seus carinhos de aço.

Quando vi dona saudade
flutuante pela casa,
eu e ela: duas aves
na orfandade da asa.

Saudade é o que rói por falta,
– é coisa pior que fome –
porque dói e tem o nome
de quem nos invade e assalta.

♦♦♦

Jaime Vaz Brasil  Poeta gaúcho, com 7 livros publicados e vários prêmios, dentre os quais: Açorianos, Felipe d’Oliveira e Casa de Las Americas (finalista). Atua também como compositor, tendo vários poemas musicados e interpretados por vários parceiros, dentre os quais Ricardo Freire, Flávio Brasil, Zé Alexandre Gomes, Nilton Júnior, Vitor Ramil e Pery Souza.