Quando Albrecht Dürer acordou, sobressaltado por um pesadelo, todo o seu corpo tremia, só conseguindo recuperar passado algum tempo. – escreve ele no texto do desenho a aguarela sobre papel, que adoptamos como capa para esta Edição nº11 de Athena – Dürer também deixou escrito no próprio quadro, que pela manhã, mal se levantou, se apressou a plasmar o pesadelo tal qual o tinha vivido.
Assombrada por uma massa de nuvens negras, que lembra um cogumelo atómico, a paisagem parece antecipadamente esmagada pelas inundações sujas de um cinzento azulado, jorradas do alto. O negro do medo e o cinza-escuro são os símbolos. Os grandes ícones religiosos gritam a sua surpreendente ausência. Ali, onde a terra e a água que vem do céu se misturam, formando o castanho que tem a cor da lama e lembra a podridão.
Um resquício de árvores persiste, sobrevive, ainda que vagamente, naquele cenário de catástrofe.
Esta será apenas a visão de um sonho apocalíptico, o relato de uma tempestade, ou o centro de uma espécie de angústia ontológica, que persiste na medição das coisas?
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“…tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima do invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro.”
MACHADO DE ASSIS
Esta Edição de Athena pretende expressar todo o nosso bem-querer à nossa colaboradora Marilene Caon e testemunharmos o vendaval que nos assolou quando ela partiu.
Sobre MarileneCaon, em modo de tributo afectivo, escreveram para este número os escritores Marcos Fernando Kirst e Uili Bergamon Oz.
Para mim, enquanto directora da revista, além do apreço pela qualidade do seu valor intelectual, compete-me agradecer-lhe a doçura e amizade que sempre me dedicou, não deixando de lamentar que um escritor que habite fora do eixo dominante Rio/ São Paulo seja sempre um desconhecido.
Athena tem no seu arquivo, um espólio invejável de colaborações de Marilene Caon, cuja leitura e consulta sugerimos e avalizamos:
http://athena.pt/?s=Marilene+Caon
Ressalve-se, que por desígnio dos deuses, Marilene Caon não pôde terminar o último texto “Jung e os Sertões”, por não ter resistido ao apelo daquela porta entreaberta, que Emanuel, seu filho caçula, lhe deixou, num fatídico 1999. Gosto de imaginar que aos seus ouvidos chegou a fascinante música de uma serenata tocada por Emanuel, que dedilhava as sete cordas da Ibañez preta, prenda de um último Natal, “descobrindo nos acordes um caminho….um caminho do seu amanhã”. (2)
Até sempre, Marilene!
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Apesar desse pesar, a vida da Revista tem de continuar. Esta edição acolhe também a irreverente poesia de António Pedro Ribeiro e está iluminada pela beleza da prosa poética de Correia Machado.
Armado da sua verve agridoce e com a qualidade a que já nos habituou, Danyel Guerra desconstrói aforismos em “PRENSAMENTOS & DESAFORISMOS COM TEXTOSTERONA DO AMOR”. E ainda nos prodigaliza com uma rotunda crónica, plena de abundantes alusões carnevalescas.
César Santos Silva continua com a série “Mulheres nas Ruas do Porto”, desta vez, lembrando Cândida Sá Albergaria.
Na área da Ciência, “PARA QUE SERVE A MATEMÁTICA” é a questão à qual David Fernandes responde.
A recensão do livro de Urbano Bettencourt, “NAVALHAS E NAVIOS” esteve a cargo de Fernando Martinho Guimarães.
Hilton Fortuna faz uma REVISITAÇÃO AOS SÉCULOS XIX E XX, PELAS NARRATIVAS DE MACHADO, EÇA E KAFKA.”
Teresa Escoval sugere “COMO IRRIGAR O PRAZER DE VIVER!”
Luís Henrique Santana aborda a questão “O QUE É O CRISTIANISMO?”
Moisés Cardenas dá-nos a conhecer a sua nova novela, “LOS OJOS DE UN EXILIO”
Resta-me acrescentar que a narrativa impressa pelo punho de Albrecht Dürer no seu desenho e que é capa desta Edição nº 11, termina com uma fórmula piedosa, colocada ali pelo homem que acabou de despertar do seu pesadelo: “Got wende alle ding zu besten”, ”Deus faz tudo pelo melhor”.
Será?
Notas
*Referência a seu livro autobiográfico” Retalhos de mim”
Júlia Moura Lopes
DIRECTORA
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