MARILENE CAON, A CAÇA-TALENTOS, por Uili Bergammín Oz

Caxias do Sul tem fama de ser gelada, e seus habitantes de serem distantes e desconfiados. Na maioria dos casos essa pecha se justifica, mas vez por outra alguém (muitas vezes vindo de fora) quebra essa regra, tornando-se a exceção que só a justifica ainda mais. Este é o caso de Marilene Caon Pieruccini, caxiense por adoção, assim como eu. Poeta de mão cheia, prosadora em vários gêneros, vencedora de inúmeros prêmios literários, ex-presidente da ACL (Academia Caxiense de Letras) e agitadora cultural da Serra Gaúcha, Marilene também se destacava como olheira, caçadora de novos talentos e incentivadora de escritores neófitos. Foi exatamente o que aconteceu comigo. Quando cheguei à cidade, com altas pretensões literárias, ela foi a primeira autora de renome a olhar para meus textos e me chamar para a sua casa, dando-me dicas valíosíssimas. Uma delas, que jamais esqueci, é: “Não usar as palavras certas leva-nos a não ser compreendidos. Mas usá-las não é nenhuma garantia de sê-lo.” Internalizei isso e vi depois que ela própria foi incompreendida muitas vezes, por suas posturas firmes, por sua ousadia a frente da época. E olha que eu havia contatado outros escritores bem menos talentosos antes dela, sempre encastelados em suas torres de marfim inacessíveis. Pobrezinhos, todos eles desapareceram na poeira do tempo, sufocados pelo pó e teias de sua própria vaidade e egoísmo. Foi bem diferente com a Marilene.

Neste ano de 2019 nossa cultura sofreu o duro golpe da partida dessa grande escritora. Quando uma pessoa como ela se vai, deixa um vácuo, muito difícil de ser preenchido, pois, como afirmei, ela atuava em várias frentes, todas com maestria. Sinceramente, hoje, não vejo ninguém fazendo o que ela fazia, principalmente no que tange aos novos talentos. Num período em que o poder público desmontou o aparato de fomento à cultura, nunca uma pessoa como ela fez tanta falta em nossa cidade. Do meu jeito, sem a aptidão que ela tinha, venho tentando, ainda que timidamente, dar atenção aos jovens que me procuram, numa forma de gratidão à Mari. Porém, sei que nunca pagarei o bem que ela me fez. Modesta, ela dizia que não era nada, que não lhe custava, que era só um empurraõzinho com o dedo mindinho que ela estava dando à minha carreira. E eu deixo aqui registrado o que respondi a ela, certa vez, e que encheu seus belos olhos de lágrimas. – Mari, querida, é pelo dedo que se reconhece o gigante.

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Uili Bergammín Oz é escritor, poeta e palestrante gaúcho. Já escreveu mais de 20 obras, entre contos, crônicas, poemas, novelas, adaptações e traduções.  Colaborou para jornais e revistas da Serra Gaúcha, além de ter apresentado programas de TV, sempre falando sobre leitura. Atualmente é apresentador do programa LiteraCura, canal do YouTube que estreou em janeiro de 2018. Seus textos já foram adaptados para o cinema, teatro, música, artes visuais, espetáculos de dança, corais e outros suportes artísticos.
Pode lê-lo no seu site: https://uilibergamminoz.com.br