“A Voz da Liberdade”, livro de Maria Máxima Vaz é um estudo sobre D. António Alves Martins, Bispo Liberal de Viseu, que também foi político.
Nasceu em Alijó a 18-2-1808 e aos 16 anos entrou no convento de Jesus da Ordem Terceira de S. Francisco da Penitência, onde iniciou os estudos e onde professou com 17 anos de idade. Depois disso, foi enviado para o Colégio do Espirito Santo em Évora, onde prosseguiu os estudos que lhe permitiriam ingressar na Universidade, que já frequentava quando em 1828 o infante D. Miguel restaurou o regime absoluto. Alves Martins tinha então vinte anos. Escolheu a liberdade e juntou-se aos que a defendiam, pelo que foi expulso e perseguido. Alistou-se como voluntário no exército liberal e foi nessa altura feito prisioneiro pelos absolutistas, julgado e condenado a fuzilamento no largo de Santa Cristina em Viseu, onde depois lhe foi levantada uma estátua. O crime político só não foi consumado, porque conseguiu evadir-se e alcançar o exército liberal aquartelado em Leiria e seguidamente procurar refúgio no exílio com outros companheiros liberais.
Em 1832 regressou à pátria e desembarcou no Mindelo com o exército de D. Pedro IV que se instalou na cidade do Porto, onde resistiram heroicamente ao cerco que lhe foi posto durante um ano, pelo exército miguelista. Quando rompido o cerco pelos liberais se defrontaram os dois exércitos, Alves Martins foi combatente até à vitória em 1834.
Terminada a guerra, voltou à Universidade e prosseguiu os estudos interrompidos, tendo concluído o curso em 1837. Doutorou-se em Teologia e frequentou também Filosofia e Matemática.
Extintas as ordens religiosas em 1834, viu-se na obrigação de angariar o sustento e candidatou-se a um lugar de professor, cargo que desempenhou até ser eleito deputado em 1842.
Sendo adversário político do governo dos irmãos Cabrais, mais uma vez empunhou as armas e combateu como soldado da Junta do Porto na guerra civil da Patuleia, que pretendia derrubá-los. Considerava Alves Martins certa a vitória e nunca se conformou com a rendição a que foram forçados pelas potências da Quádrupla Aliança. Nos anos que se seguiram à Convenção de Gramido, foi professor e jornalista, com residência e trabalho no Porto.
Como principal redactor dos artigos políticos do Jornal O Nacional do Porto, nos anos de 1848/49 foi um combativo e destemido jornalista, denunciando a prepotência do governo, a corrupção e todas as medidas que considerava injustas, tendo levantado sempre a sua voz na defesa das classes mais desfavorecidas. Camilo Castelo Branco afirma: « Os artigos do sr. Alves Martins, redigidos com admirável presteza, e momentos antes ou simultâneos da composição tipográfica, eram modelos de polémica, e às vezes retaliações um tanto acerbas para os adversários. Passos Manuel avaliando o caloroso publicista como escritor político, elevava-o à eminência entre os melhores. Naqueles anos de 48 e 49, O Nacional primou no seu progressista e liberalíssimo programa, confiado às superiores qualidades de Alves Martins, Parada Leitão, Evaristo Bastos e Nogueira Soares.»
O Professor Ernesto Rodrigues considera que O Nacional no Porto e A Revolução de Setembro em Lisboa eram os dois órgãos mais representativos da oposição ao governo.
Alves Martins pagou alto preço pela sua combatividade e nunca foi eleito enquanto os Cabrais estiveram no poder.
Em 1851 foi elemento activo no movimento nacional que se organizou para afastar os Cabrais e convocar novas eleições. Tendo a confiança política dos chefes do movimento, foi-lhe confiada a supervisão das eleições nos círculos eleitorais do Porto. No desempenho desta missão ficou demonstrada a sua capacidade de líder, o seu sentido de justiça, o respeito pelos direitos dos adversários e ficou bem evidente que liberdade não era para ele uma palavra vã. Deixou-nos um relatório dos acontecimentos na área onde actuou, onde nos conta como procedeu e porquê. É nesse relatório que se define como político e podemos conhecer o seu notável sentido de estado, a sua experiência e o seu saber.
Nessas eleições de 1851 foi eleito deputado pelo Porto, a sua cidade de residência e trabalho. Alugou em Lisboa um quarto de estudante, onde vivia durante o tempo parlamentar. Distinguiu-se no desempenho do cargo de deputado, pela forma séria e clara como intervinha, segundo testemunho da imprensa: «O senhor Alves Martins é um deputado sério e consciente, que raras vezes rouba tempo à Câmara com largas dissertações, ainda mesmo sobre questões graves.
De uma precisão matemática nas operações de raciocínio, cerrado e concludente na argumentação, sóbrio e vigoroso no uso da palavra, o senhor Alves Martins caminha direito e rápido no âmago das questões, sem se demorar a vestir a ideia das louçanias do estilo, nem o deter a escolha e emprego das flores retóricas. A sua retórica está na lucidez de definição, na força e lógica da demonstração.
Espírito pensador e profundo, as armas que vibra a seus adversários ministra-lhas mais a razão do que a imaginação; é do raciocínio que extrai todos os seus auxiliares de polémica; a prova, a evidência é o seu fito.»
Em 1852 ofereceram-lhe um canonicato na Sé Patriarcal, que aceitou, passando então a ter residência em Lisboa.
O Rei D. Pedro V encarregou-o de administrar o Hospital de S. José e tão bem cumpriu o seu dever que o monarca lhe atribuíu uma condecoração. Alves Martins, escusou-se a recebê-la, declarando que não havia lugar a condecoração, visto ter apenas cumprido o seu dever.
Voltou a ser eleito em 1853, 1856, 1858 e 1860 e só abandonou o parlamento em 1862, quando foi nomeado Bispo de Viseu e passou a ter o lugar de Par do Reino, na Câmara dos Pares e de Conselheiro de Estado.
Foi chamado pelo rei D. Luís a constituir governo em três ocasiões de crise de quedas de governos: 1868, 1869 e 1870, tendo ficado a seu cargo a pasta do Reino e, interinamente, a da Instrução e a da Justiça.
As suas propostas para uma boa governação consistiam sempre em diminuir as despesas supérfluas do Estado e tomou medidas inéditas nesse sentido, fazendo o que nunca alguém se atreveu a fazer:
– Reduziu o número de deputados;
– acabou com sinecuras que absorviam grande parte dos rendimentos do país em benefício de grandes figuras da política e da sociedade;
– eliminou cargos que algumas individualidades acumulavam, com a vantagem de acumularem igualmente os vencimentos.
Estas medidas valeram-lhe uma moção de censura que derrubou o seu governo.
O povo confiava na sua política e em poucas horas uma petição a pedir a continuação do seu ministério, recolheu milhares de assinaturas. Perante esta movimentação popular, o Rei D. Luís não aceitou a demissão e o governo nem chegou a interromper funções; o parlamento é que foi dissolvido.
Alves Martins fundou por esse tempo, o Partido Reformista, por não se rever nas tomadas de posição dos partidos existentes.
Foi o primeiro partido que se formou em torno de ideias e não de pessoas e o primeiro a ter um programa. Um facto que evidência bem a forma de D. António encarar a actividade política.
Nas eleições que se seguiram, foi este partido Reformista que ganhou as eleições e o monarca encarregou Alves Marins de formar governo. Não tendo maioria absoluta, aliou-se a um grupo representado pelo duque de Ávila. Em curto espaço de tempo constatou que eram incompatíveis estes dois grupos. Quando o ministro Saraiva de Carvalho pediu a demissão, o Bispo solidarizou-se com ele e deixou o governo. Ávila muito pouco tempo depois encerrou as conferências do Casino, coisa que Alves Martins nunca teria feito, sendo como era, um defensor convicto da liberdade de expressão.
Também neste caso a imprensa manifestou a sua discordância pela saída de sua Excelência do governo:
«Porque é que o Duque de Loulé subiu ao poder em oposição ao Bispo de Viseu?
A razão é óbvia: É que o Bispo de Viseu simbolizava o futuro, a ideia nova, a luz, a liberdade, o triunfo da democracia, a razão, a ordem, a justiça, a moralidade e a economia».
Creio que nunca um governante recebeu um tão grande elogio da imprensa, depois de se demitir.
Como Bispo, não gostava de ostentação e nas suas pastorais fica em evidência o cuidado que lhe merecia a educação das crianças e adolescentes. Recomendava insistentemente aos párocos que não se cansassem de aconselhar aos pais que mandassem os seus filhos à escola e que não lhes faltassem com os cuidados de saúde levando-os a vacinar.
E para finalizar, uma referência ao episódio ocorrido em Roma no ano de 1867, onde se reuniram 500 bispos do mundo católico. Decidiram suas Excelências dirigir ao Papa uma petição para se declarar infalível. Esse documento foi assinado por todos os presentes, menos um. Só faltou a assinatura do Bispo português de Viseu, D. António Alves Martins. E não foi distracção nem esquecimento. Leu, mas não assinou.
Faleceu a 5 de Fevereiro de 1882.
José Lourenço da Graça, natural da Beira Alta, licenciado em Biologia e Geologia, mestre em Ciências da Educação, variante Administração e Gestão Escolar. É professor de Biologia e Geologia, desempenhando também funções na direção de uma escola desde há uma década. Vive na cidade da Maia.
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