Viagem a Andara oO livro invisível
Fonte dos que dormem
POEMAS
se o Adormecido um dia vem à tona
Suspeita de ti
o Outro
que em Ti
ainda é Semente
Lagos serenos te prometem Assombros
Ouve
o Silêncio
♦
sob a Estrela de Silêncio
pois tendo Eles vindo,
com Suas Presenças de Ausência em Breve,
para a Fenda que não cicatriza entre Pedra e Musgo
para os Gestos humanos na Penumbra,
eu os chamei Pai e Mãe
Mai e Pãe pudesse ter Chamado,
pois seus Nomes nunca saberei,
na Fenda que não cicatriza,
nos Gestos, na Penumbra
Fontes se dando às sedes de Outras Fontes
Pois somos os que um dia vêm com dia marcado para voltar em nossas Frontes,
em bandos em bandos nos Musgos nos Musgos
Inclinados pelas Auroras
Indo
atender às Sombras nos Crepúsculos
E tu buscas a Semente, e o Dom de voltar para casa, e por onde passas, por toda parte perguntas
- Onde moram os Espelhos da Carne¿
Rubro sentimento lento
desamparado
fora do Mistério
na Catedral rompida
como se fosse um homem, e crendo Nisso
Cálice de Vestígios,
sede do Lábio dos Regressos
Das Auroras ao Crepúsculo do Imerso, na penumbra dos Dias
aguarda Margem que desperta,
oO que de Si adormece
♦
parecem homens
Cortaram árvores para ter onde sentar
E agora,
da areia olham as Águas até o horizonte
Querem ver o que há depois da última estrela
Sentem o roçar de mãos Antigas se desfazendo
parecem tristes
Estão aí
Calados Cada um ouvindo
em Si
sua Concha de Silêncio,
sua Areia dos Rumores
Sentem a Falta de alguma coisa,
já não lembram o que é
E eu te digo
Não se trata
de ir Além do humano
oO Caminho cintila no inverso
vir
Aquém do humano,
regressar ao umanoh
E, assim,
ao Um,
ao Umano
♦
se um Vento parte o Vaso da voz
adormecido agora
águas escuras
alguém alvura amizade das coisas
animal anjo Aquilo
areia árvore asas aves
beber
no Bosque das paixões Bosque sem paixões brancas brisas caminho a carne casinha de terra centeio negro o céu
Chamas cílios cinzas de Serdespanto
As coisas pelas coisas os dias Compaixão Corpo crianças
daquele despertar
Diz-se dorsos lisos
escreve Esfera espanto estranho mundo Fábula
Falar sem boca floresta Andara fontes frutos fundo gaiola grão homem de pó homem
sem ternura homens imensos
inclina inseto intuição
irmã irmã-ave de Serdespanto canta lábios lágrimas leve livro invisível lua sangrando
madeira mãe de Serdespanto
montanhas murmuram
nascido negro negra nela ninguém ninho nome
osso Pai ossos Ouçam
ouvindo palavras pântano pranto passando
perguntas pousar no leite real saber sangue das estrelas seiva semente serpente silêncio sombra sonho
tinta Invisível
tocam túmulo Vento e passagem vindo viram vivendo
voltassem
*Poemas selecionados pelo autor, do livro Fonte dos que dormem (Editora Córrego, 2015, São Paulo, Brasil) de Vicente Franz Cecim, escritor brasileiro. Cecim nasceu e vive na Amazônia, e o livro é o mais recente passo publicado de sua obra Viagem a Andara oO livro invisível.
♣♣♣
Vicente Franz Cecim é brasileiro, escritor e jornalista. Autor do ciclo literário Viagem a Andara oO livro invisível, no qual há mais de trinta anos transfigura a sua região natal, a Amazônia, em Andara, região verbal metáfora da vida, onde ambienta todos os seus livros. Dos livros visíveis de Andara, os que escreve, emerge o livro invisível, que não escreve, literatura fantasma, segundo o autor, o não-livro, que não é escrito: corpo de um corpo que se sonha. Pela Viagem a Andara recebeu o Grande Prêmio da Crítica da Apca – Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1988. Já foram publicados também em Portugal os livros de Andara: Ó Serdespanto (Íman, 20012) e K O escuro da semente (Ver o Verso, 2005). Sobre o primeiro, Eduardo Prado Coelho escreveu no Público: Uma revelação extraordinária! (…) O pensamento liberta-se dos seus lastros terrestres e ganha um estatuto de ave, uma leveza de princípio do mundo, uma sageza do fim dos séculos, uma inocência dos extremos. O que faz de Ó Serdespanto um livro inclassificável é que ele é feito do círculo crepitante das histórias que se contam e recontam, do uso visionário das palavras refeitas letra a letra ou a da lenta respiração da terra. E sobretudo de uma demorada aprendizagem do espanto de ser e de não-ser.
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