Imagem @ Lourdes Ximenes
CAIS
Que silêncio dissonante ecoa ao som da noite,
Quando ao breu a luz flameja
E ao olhar a prata impera.
Que silêncio dissonante entoa a nova era,
Ao clamar pressente hinos ancestrais.
Houve um tempo que dobrava o sino
E vibrando igual, estendia a ceia.
Houve um tempo tão perene outrora,
Em que o Mar cantava à areia
E o ocaso ressoava à aurora.
Que silêncio dissonante em meu peito jaz,
Neste prumo que minh’alma arqueja,
Pelo anseio que me apressa afora.
Que silêncio penetrante se acosta agora!
Este tempo envolto faz do mundo um cais.
O PESCADOR DE SONHOS
Canta o pescador e a maré entoa
A nota que apanha os sonhos
À beira do céu.
Quando cai a noite
Sobre o manto d’água que o dia esconde,
O pescador ressoa um canto
Que aparta os medos e adormece os prantos
Pra encontrar em sonhos
O caminho à fonte.
Canta o pescador e a maré entoa…
Às horas altas as paixões habitam,
Fechados olhos o encanto avistam
À beira do céu.
PREAMAR
Escreva meu nome na areia
Pra que nele habitem as linhas do Mar
E só o que diga a água
Ressoe em minha sorte,
Pelo sal que se estende aos olhos,
Pelas ondas que retêm meu ar.
Há um brilho de Lua no dia,
Há uma chama de Sol pela noite
E há um caminho de estrelas sobre as águas.
Escreva meu nome na areia
E deixa que as ondas me façam lembrar…
Eu sou da preamar
E eu trago em minha boca
A voz do Oceano.
PERIGEU
Às vezes eu te encontro nesse céu,
Que paira sobre o mundo feito um véu,
Cobrindo de azul a minha sina.
Às vezes eu te vejo na neblina,
Enquanto vaga o dia pela noite
E tarda aos nossos olhos se mostrar.
Às vezes te procuro junto ao Mar
E nele sempre eu miro um espelho,
Que a imagem do teu corpo faz sonhar,
Um sonho que me afasta o devaneio.
Às vezes quando cheia, sou só meio
E às vezes quando nova, minha fonte,
Inundas de saudade a quem não tenho,
À espera no ocaso d’outra fronte.
Às vezes eu te encontro…
Às vezes eu me perco…
Às vezes eu te sinto e noutras nem te vejo…
Mas sempre tua face é um enleio,
À vida que desejo imaginar.
POENTE
Amor,
Quando passar a tarde,
Encosta teu coração no ocaso
Pra que o fio de luz, que é semente,
Plante minha alma em tua noite
E assim, unidos ao firmamento,
Nasçamos juntos em outra aurora.
ANTIGAS ÁGUAS
Há tempos chove a noite inteira
E meu corpo eu levo ao campo
Pra banhar em antigas águas.
Verte um rio do firmamento,
Chega aos olhos à espreita
E nas lágrimas escorre outro afluente.
Da sorte as águas seguem o curso:
A chuva passa, o corpo repousa
E as gotas não secam.
… Eu vivo abaixo do céu,
Mas ainda lembro as estrelas.
ESTRO
És tu o Sol na aurora desigual,
Que alumia os sonhos em degredo,
Quando jaz o tempo, que me faz mortal
Ou eterno em teus braços, meu alento.
És a luz no breu que me toca a face,
Ou um sino na noite que me guia
A transpor em segredo o firmamento
E tornar à terra ao brilhar o dia.
És a vida breve que olvida a morte
Ao tornar perene um segundo.
És o som do Mar num arfar profundo,
Ordenando à areia em silêncio minha sorte.
SEMENTES
O futuro em sementes:
Um fruto nasce ao forjar a terra…
Pode ferir-se a mão,
Pode sangrar a seiva,
Mas o desejo revela suas folhas:
Bandeiras contra a cela.
Enfim, o pranto seca,
As pedras somem
E os olhos contemplam a primavera.
BAIXA ESTAÇÃO
No inverno
Eu planto a tua rosa,
Molho os teus versos,
Leio o teu aroma…
Na ausência
Eu protejo a tua sombra
E semeio a primavera,
Pra colher o teu sorriso.
VEM COMIGO
Vem comigo
Que o ocaso conhece as portas do céu
E eu enxergo melhor à noite;
Tocaremos as nuvens, desceremos a serra,
Sob o pó das estrelas
Ou a poeira da terra.
Vem comigo!
E quando o Sol desvendar nossa sorte,
Chame com um beijo meu nome
E eu amanhecerei por ti.
♣♣♣
Sidney Rudá (São Paulo, 1979). Poeta, cantor e compositor. Formado em História, lecionou por dez anos em escolas públicas, sendo a docência imprescindível ao seu desenvolvimento literário e compromisso com a democratização da cultura. Visando tornar a poesia mais acessível, passou a realizar apresentações recitadas em saraus e escolas. Atualmente, dedica-se à música, como cantor e compositor. Em breve, lançará seu primeiro livro de poemas.
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