A pipoca estalava na panela, e Pedro sentia que também explodia por dentro. Era um estouro atrás do outro, num ritmo que crescia, como a sensação de que sua relação com Mônica tinha chegado ao fim. Ambos sabiam, mas nenhum tomava iniciativa. Então, seguiam ali, na mesma casa, na mesma cama, sem qualquer intimidade. Casados há sete anos, três meses e dois dias, compartilharam risadas, brindes, choros e viagens sonhadas. Mas foi parado, olhando a pipoca na panela, que Pedro entendeu: alguns grãos estouram até mesmo depois que o fogo se apaga.
Ele colocou o sal, moderado — Mônica não gostava de pipoca muito salgada. Na sala, encontrou-a zarpeando pelos canais, sem realmente decidir o que assistir. Ela o olhou de canto, um gesto rápido, sem dizer nada. O silêncio preenchia a sala, como se fosse o verdadeiro protagonista da cena. Pedro fez um gesto para pedir o controle remoto; ela o entregou sem falar. Ele encontrou um filme novo no catálogo, daqueles meio bobos, que se assiste sem muita expectativa e, no dia seguinte, recomenda a alguém sem lembrar direito do que se tratava. Mônica confirmou com um aceno e mastigou em silêncio.
O filme era uma confusão de cenas dramáticas, mortes repentinas, cachorros feridos, cavalos caindo… uma bagunça de emoções. E eles? Que espetáculo era o deles? No meio da trama, do nada, o protagonista colocou a mão na perna da mulher na tela, e ela o guiou sem cerimônia para as suas partes íntimas. Na tela, a intimidade parecia forçada. E Pedro, ali, deitado ao lado de Mônica, percebeu que aquele gesto sem emoção não era só dos personagens.
O filme acabou. Os créditos começaram a subir, mas Mônica insistiu que deveria haver uma cena pós-crédito. Pedro suspirou, impaciente. “Será que até filme ruim precisa de cena extra?”, pensou, mas não disse nada. Remexeu a tigela de pipoca em busca de algum grão esquecido e encontrou apenas os que não estouraram. Pegou alguns e mastigou, saboreando o sal e a manteiga agarrados a eles. A percepção anterior voltou com força: ele não queria mais viver de sobras.
Então, as palavras escaparam antes que ele pudesse se conter: — Quero me separar.
Mônica permaneceu em silêncio, o que soou quase como um ato dramático, até que respondeu apenas: — Ah…
Como Mônica já sabia, a cena pós-crédito viria mesmo. Sentados na cama, discutiram os detalhes do término. Pedro achava que seria mais fácil se a decisão tivesse acontecido no calor de uma briga, entre gritos e pratos quebrados. Mas eles não tinham pratos sujos, nem brigas acaloradas. Nada. Mesmo nas noites em que Pedro saía e não voltava, Mônica não perguntava, e ele também sabia que ela saía com as amigas. Suas contas eram separadas, cada um tinha seu carro e sua própria casa, e a do Pedro, alugada, cobria todas as despesas do casal, ainda com uma sobra para a conta conjunta. Sem filhos, sem gatos, sem dívidas. Tudo cuidadosamente organizado.
Mônica, então, propôs fazerem uma lista das coisas que cada um não gostaria de abrir mão. Ela abriu uma gaveta e, em um movimento rápido, tirou duas cadernetas, como se já tivesse planejado tudo. Pedro aceitou a caderneta e a encarou por um instante, mas desviou o olhar, como quem assiste a uma cena sem se envolver.
Eles começaram a escrever. Pedro listou dez itens; Mônica também. Mas o impasse surgiu: quem começaria a falar?
— Você começa. — Pedro sugeriu.
— Não, você. — ela retrucou.
Após uma breve hesitação, falaram ao mesmo tempo: — A tele… — disseram juntos.
— A televisão é minha! — disse Mônica, rindo, quebrando a tensão por um segundo.
— Compramos juntos. — Pedro rebateu, tentando não sorrir.
— Mas eu passo mais tempo assistindo nela do que você. — ela argumentou, com um olhar decidido.
Pedro fez uma pausa e suspirou: — Tá bem. Pode ficar.
— Posso mesmo?
— Pode. — finalizou ele, resignado.
A tela da TV já estava preta, sem música, e o único som que restava era o da respiração dos dois no quarto silencioso.
— Já está tarde… Acho que devíamos dormir. — disse Mônica, em tom quase de despedida.
Pedro concordou, largando a caderneta na mesinha ao lado. Ela apagou a luz. O que ele não sabia era que Mônica não tinha escrito dez pontos — apenas um, que não tinha nada a ver com a TV. Na sua caderneta, só havia o nome de Pedro, e o pensamento dele, aquele único ponto que não anotou, era o nome dela.
No escuro, Pedro refletiu: a partir de agora, só compraria pipoca de micro-ondas. Afinal, a vida pode até confundir, mas ele não deixaria mais grãos não estourados estragar seu filme.
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Ailton Lima, 32 anos, é escritor, compositor e publicitário natural de Caruaru, Pernambuco. Desde jovem, escreve contos e thrillers com personagens intensos e complexos. Ao se mudar para Barcelona, encontrou inspiração no cenário europeu, expandindo seu universo literário. Suas obras exploram temas psicológicos profundos, refletindo seu desejo de compreender a mente humana.
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