OS SETE PECADOS CAPITAIS & OUTRAS QUADRAS FERINAS por HENRIQUE DUARTE NETO
Gula
Verdadeiro fanatismo do excesso,
da intemperança do ingerir.
Haverá limite para a gula?
Para uns nada há que seja indigesto.
Luxúria
O prazer dos sentidos
na contramão da vida ascética?
Ver, tocar, sentir as mais doces fragrâncias…
Trazendo à carne o Ganges do desejo!
Avareza
O avaro e sua tempestade interior!
Não adapta os bens materiais à sua vida,
mas a existência ao ganha pão e à riqueza.
A avareza torna-nos míseros pigmeus!…
Vaidade
O regozijo contido no próprio umbigo,
dos que enveredam por estranhos caminhos.
São os vaidosos aqueles que pensam obter,
de forma imbatível, a coroa da vitória!
Inveja
O invejoso reluta em aceitar que nem tudo
que é atrativo deveria pertencer a ele!
No mar revolto do desejo de posse,
o invejoso conspurca as suas vítimas.
Ira
Lampejo de revolta ou hecatombe raivosa,
és o terreno minado dos sentimentos hostis!
O tsunami de agruras – que leva os irados
e suas vítimas – é formado por sangue espesso!
Preguiça
Eis a preguiça, que nada tem de submissa,
da criança, do jovem, do adulto, do octogenário,
enlaça a todos, no mais terrível e tenebroso ardil!
Sem ser mera singeleza, torna-nos sua presa.
Ironia
O teu aguilhão ferino
lembra a figura do escorpião,
quando de passagem injetas
o veneno da provocação.
O mandarim miraculoso
Não te encontrei em Li-Tai-Po.
Nem na Casa China.
Muito menos no TikTok.
Apenas vestígios no bailado de Bartók.
Pilhéria
A piada é um minúsculo peixe:
Quando pensamos pegar uma traíra,
morde a isca a piavinha ligeira.
Devolvemos ao rio nossa astúcia!
Um concerto desconcertante
O furioso descompasso,
de um concerto sem conserto!
O maestro vacila, a orquestra erra,
sendo apupados pela insipiente plateia!
Miniode para Elon Musk
Vislumbro o cio e o ócio
de um estranho negócio.
Ódio e vazio em que jazem
sua impudicícia, seu necrócio.
Os ditos imbrocháveis
A ditadura e a dita dura
é o que eles querem e sonham.
Mas serão os imbrocháveis?
A dita é suplantada pela desdita!
A canção da terra
Mahler fez do fragmentário,
da condição e forma efêmeras,
um soçobrar na eternidade.
Elegia pessoal e coletiva.
Princípio e fim
Esmorecer é o princípio do fim.
Crescer é o fim do princípio.
Viver é ter princípio e fim.
Fenecer é suplantar fim e princípio.
♦♦♦
Henrique Duarte Neto é natural do interior do estado de Santa Catarina, sul do Brasil, onde ainda reside, após ter vivido em capitais sulinas como Florianópolis (Santa Catarina) e Curitiba (Paraná), aonde realizou toda a sua formação superior. É graduado em Filosofia, pela UFSC, tendo realizado doutorado em Literatura pela mesma instituição. Realizou, antes da pandemia, pós-doutoramento em Estudos Literários na UFPR, com trabalho sobre a poesia de Cláudio Willer. Publicou cerca de 15 livros sobre poesia, entre crítica e criação. Luz (Arribaçã, 2024) é o seu último título de criação poética, o nono nesta área. A despeito de morar numa região em que se flerta explicitamente com um conservadorismo tacanho, caracteriza-se por ser uma voz dissonante neste cenário tão pouco alvissareiro. Todos os 15 pequenos poemas desta série farão parte de um futuro livro ainda a sair em 2025 ou 2026.
You must be logged in to post a comment.