BARRAGENS E MINAS DE LÍTIO (—-) – por Ricardo Amorim Pereira

Barragens e minas de lítio: entre o ambientalismo
radical e o desenvolvimento sustentável

Em artigos passados, escritos para esta prestigiada Revista, fiz já a crítica daquilo que me parece ser um ambientalismo radical, muitas vezes colocado ao serviço de agendas que vão para além da salvaguarda ambiental. Continuarei, hoje, nessa senda, fazendo a crítica dos que criticam a construção de barragens e a exploração de minas de lítio.

Uma das bandeiras de um certo ambientalismo prende-se com a crítica à construção de barragens. Empregam argumentos, verdadeiros, de que tais construções alteram a natureza primitiva dos cursos de água, impactando-se assim na fauna, na flora e nos ecossistemas adjacentes.

Não colocando em causa a validade de tais raciocínios – é verdade que a construção de barragens representa uma intervenção significativa na paisagem natural e que os impactos ambientais associados não devem ser subestimados -, importa reconhecer que estas infraestruturas proporcionam benefícios muito relevantes para as nossas sociedades.

De facto, as barragens desempenham um papel crucial na gestão dos recursos hídricos, formando vastos lagos que possibilitam o abastecimento de água potável às comunidades e a irrigação agrícola (mesmo quando a água escasseia, em tempos de seca), assim como desempenham um papel determinante na regulação dos caudais dos rios, evitando-se cheias destruidoras (não nos esqueçamos de que, com o agravamento das alterações climáticas, estas estão a tornar-se cada vez mais imprevisíveis e destrutivas).

Por fim, não há como negar que a energia hidroelétrica é amplamente reconhecida como uma forma de geração de energia limpa, em termos de emissões de gases de efeito estufa. Num contexto em que a descarbonização da economia é uma prioridade global, as barragens constituem uma alternativa sustentável ao uso de combustíveis fósseis.

O que me parece faltar em muitas das críticas radicais à construção de novas barragens é uma visão equilibrada que considere o balanço entre os custos ambientais locais e os benefícios globais e regionais. É legítimo, e até necessário, questionar e minimizar os impactos ambientais dessas infraestruturas, mas rejeitá-las de forma absoluta pode implicar retrocessos na luta pela sustentabilidade. Nesse sentido, acredito que o debate em torno da construção de barragens deve ser conduzido com racionalidade e com base em evidências científicas.

Outro exemplo emblemático da postura contraditória de certos movimentos ambientalistas é a oposição à exploração de minas de lítio. Tal como acontece com as barragens, os argumentos utilizados não deixam de ter fundamento: a exploração mineira, especialmente em larga escala, provoca alterações significativas nos ecossistemas locais, destrói habitats, consome grandes quantidades de água e pode contaminar os recursos hídricos. Não se pode, portanto, negar os impactos ambientais das minas de lítio.

No entanto, é preciso ponderar até que ponto a posição radical contra essa atividade contribui, de facto, para a defesa do meio ambiente a longo prazo. O lítio é um recurso essencial para a transição energética, uma vez que é um dos componentes principais das baterias que alimentam veículos elétricos, centrais de armazenamento de energia renovável e uma série de outras tecnologias que visam reduzir a dependência dos combustíveis fósseis.

Rejeitar liminarmente a exploração de lítio, sem considerar a necessidade de equilibrar os custos ambientais com os benefícios globais da transição para uma economia de baixo carbono, é uma abordagem que ignora a complexidade do problema. Afinal, como será possível atingir as metas de descarbonização sem acesso aos materiais críticos que tornam essa transição viável?

É curioso observar que muitos dos grupos que se opõem às minas de lítio são também os que mais pressionam por uma transição energética rápida e profunda. Exigem o fim dos veículos movidos a combustíveis fósseis, a eletrificação dos transportes e a expansão das energias renováveis, mas, paradoxalmente, contestam a exploração dos recursos que tornam essas mudanças possíveis.

Em vez de uma recusa total à mineração de lítio, talvez a solução passe por encontrar um equilíbrio: investir em tecnologias de extração menos agressivas, garantir uma regulamentação ambiental rigorosa e assegurar que as comunidades locais sejam beneficiadas pelos projetos mineiros. A questão não deveria ser “minas de lítio, sim ou não?”, mas sim “como explorar o lítio de forma responsável e sustentável?”.

Fechar a porta à mineração de lítio e à construção de barragens, num momento crítico da luta contra as alterações climáticas, é abdicar de instrumentos fundamentais para a transição energética e para a segurança hídrica. Recusar estas infraestruturas com base numa visão puramente preservacionista é apostar numa utopia, onde se idealiza uma natureza intocada e se rejeita qualquer intervenção humana, mesmo quando os benefícios globais – como a redução das emissões de carbono, a mitigação de crises hídricas e a promoção de energias renováveis – superam, de forma clara, os impactos locais.

Infelizmente, essa visão utópica encontra eco em certos setores políticos, onde presidentes de câmara e outros dirigentes, movidos por lógicas populistas e mais interessados em angariar votos do que em promover soluções equilibradas, se alinham com grupos ambientalistas radicais. Ao cederem a essa pressão, muitas vezes contribuem para o bloqueio de projetos essenciais para o desenvolvimento das suas regiões, sacrificando o futuro em nome de ganhos eleitorais imediatos. A política, porém, não deve ser refém do oportunismo, mas sim guiada pela responsabilidade de tomar decisões difíceis e impopulares, quando estas se revelam cruciais para o bem-estar coletivo e para a sustentabilidade a longo prazo.

Acredito que o verdadeiro desafio não está em evitar toda e qualquer alteração ambiental mas sim em equilibrar desenvolvimento e conservação, reconhecendo que, em muitos casos, a intervenção cuidadosa e responsável é a única forma de garantir um futuro sustentável.

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Ricardo Amorim Pereira, doutorando em Ciência Política, com interesse na área da ecologia política.