Falemos à maneira de Stuart Mill. Para determinar se uma coisa, uma decisão, um acontecimento social e político, por exemplo, foi ou é bom, proponho que adoptemos o critério da sua utilidade.
Quer dizer, se as consequências previsíveis de uma acção promoverem, em quantidade e qualidade, o bem estar das pessoas, então podemos dizer, com razoabilidade elevada, que essa acção foi, é, boa e justa.
Resulta daqui que a revolução de 25 de Abril de 1974 foi, sem margem para dúvidas, um acontecimento eticamente valioso e politicamente justo.
Esta afirmação tem que ser enquadrada em dois planos. Por um lado, com aquilo em relação ao qual o 25 de Abril realizou um corte, isto é, foi fim, e, por outro lado, com aquilo em relação ao qual foi o início.
Terminou com um regime em que, durante quase meio século, a liberdade, nas suas múltiplas dimensões – liberdade de expressão, de confronto de ideias e de discussão sobre a melhor forma de governo, bem como sobre a qualidade das decisões políticas -, era interdita e, se, apesar dos constrangimentos existentes fosse exercida, era severamente punida.
Terminou ainda com um processo que a 1ª República tinha iniciado e que a Ditadura instaurada em 28 de Maio de 1926 interrompeu, o desenvolvimento civilizacional do país nas dimensões hoje em dia imediatamente reconhecidas como fazendo parte das funções sociais do Estado, a Educação, a Saúde e a Segurança Social.
Deste ponto de vista, o 25 de Abril foi, efectivamente, uma revolução. Com a aprovação da esmagadora maioria dos portugueses, os promotores do movimento militar realizaram um corte, uma ruptura com um certo estado de coisas em que Portugal vivia orgulhosamente só perante o contexto internacional e em que era miseravelmente triste o viver dos portugueses. Para glosar uma frase que teve, felizmente, uma fama breve, Portugal estava mal e os portugueses pior ainda.
Sophia de Mello Breyner tem um poema, justamente intitulado 25 de Abril, que condensa, como só um poema o consegue fazer, a ideia da revolução dos cravos como um início, um começo de qualquer coisa de novo – «Esta é a madrugada que eu / esperava / O dia inicial inteiro e limpo / onde emergimos da noite / e do silêncio / E livres habitamos a / substância do tempo».
Com efeito, o 25 de Abril afigurou-se como o princípio de qualquer coisa nova – a ideia de um país em que, para além de todos os sonhos serem possíveis, era também possível sonhar.
Apesar dos pontos de vista divergentes que muitos têm sobre as virtudes, reais ou supostas, da revolução do 25 de Abril de 1974, um aspecto é indiscutivelmente virtuoso – é que, a partir daí, foi possível a livre expressão de pontos de vista divergentes. O caminho democrático abriu-se perante o horizonte dos portugueses.
É verdade que, acerca das escolhas então feitas e das muitas decisões políticas tomadas até hoje, não há convergência nem unanimidade. Mas, bem vistas as coisas, não é precisamente isso que caracteriza a democracia? À força dos argumentos, presente no livre confronto de ideias, segue-se o argumento da força, presente na contagem dos votos e na regra da maioria.
O que é que a democracia tem de mais valioso e que, por isso, merece ser considerado o melhor dos regimes políticos? A liberdade. E isso foi, precisamente, o que o 25 de Abril nos deu e que merece ser celebrado, sempre!
♦♦♦
Fernando Martinho Guimarães (1960) Nascido transmontano (Alijó, Vila Real), foi na cidade do Porto que viveu até aos princípios dos anos 80. De formação filosófica e literária, a sua produção ensaística e poética reflecte essa duplicidade. Publicou em 1996 A Invenção da Morte (ensaio), em 2000 56 Poemas, em 2003 Ilhas Suspensas (edição bilingue, castelhano/português), em 2005 Apenas um Tédio que a doer não chega e em 2008 Crónicas.
You must be logged in to post a comment.