EDITORIAL – IDEIAS SOBRE A POBREZA – por Maria Toscano
Urgem ideias-comuns menos pobres
sobre a pobreza
Reflectir sobre a pobreza nesta época de Natal – desafio da Direcção da Revista Athena a que me cumpre corresponder como estudiosa dos processos de saída — ou requalificação social — de quem é reconhecido como tendo sido pobre.
Começo por recordar noção sólida e transversal aos diversos estudos sociais sobre o fenómeno: a pobreza é um problema multidimensional.
Quem não sabe disto? Quem pode afirmar que nunca ouviu o enunciado das diversas carências que se acumulam num modo de vida dito pobre? Ou, trocando por miúdos: nem a condição social para se ser pobre é linear, nem é gerada -decorrente-causada apenas por um factor.
Quem nunca contactou — numa notícia radiofónica, num debate televisivo, num documentário, mesmo num filme ou numa canção — com o relato da acumulação de carências ou da passagem da ‘falta’ de um recurso à centrifugação da vida pela reprodução da escassez ou ausência de recursos?
Enfim: quem nunca se apercebeu da dor múltipla em que o quotidiano se transforma quando se empobrece por desemprego, ou por um divórcio/separação, ou por maus tratos de cônjuge, ou por dificuldade ou desorganização entre os gastos feitos e os possíveis?
Acrescento: sendo a pobreza vivida por pessoas singulares e únicas, estas vivências integram, sempre e simultaneamente, sectores e meios onde essa condição é transversal e/ou partilhada — outra noção chave para a sociologia e os estudos dos sociais em torno da pobreza e da exclusão social.
Isto é: constatar a multiplicidade das carências vividas por quem vive em condição de pobreza de todo significa que tenham uma causa singular ou individual; é, sim, conseguir perceber que a multiplicidade dos factores é acentuada ou cruzada pela dimensão colectiva e social do que são modos de vida construídos como pobres e como não pobres. Modos de vida que se reproduzem pelos comportamentos, como pelas atitudes e pelas mentalidades, modos de pensar, de falar e de sentir.
Somos todos testemunhas.
Até talvez já tenhamos uma noção dos conceitos ou das teorias sobre a pobreza.
O problema parece-me estar justamente aqui: no facto de acreditarmos que temos uma ideia do assunto, pelo que, todos formulamos uma análise, ou várias, discordantes; e, claro, em consequência, acabarmos por concordar que “como sempre houve pobreza, continua a haver e sempre haverá pobreza”.
O problema é que, ainda que seja mais fácil-cómodo alinhar na frase comum de que “sempre houve pobreza” não temos evidências disso. Aliás, temos evidências de que as desigualdades entre os mais e os menos poderosos foi uma construção, crescentemente elaborada e justificada-legitimada para alimentar o conformismo e a desistência de contribuir para outra maneira de organizar recursos e vida social. A história humana ensina que foi a ‘descoberta’ da terra privada, das ferramentas, instrumentos e alfaias privadas, e a invenção dos alojamentos, dos parceiros e das crias gradualmente exclusivos e ‘privados’ que acelerou a emergência e gradual desigualdade de sectores sociais poderosos, menos poderosos e não poderosos. Desigualdades e poderes são determinantes na emergência e manutenção de realidades pobres.
De todo se pretende defender um – impossível – regresso ao passado ou o saudosismo das puras origens. O tema é: atenção a preconceitos, ideias-feitas disparatadas e sem qualquer suporte empírico-real-fundamentado.
A ciência tem o dever de se tornar clara e acessível – o cada vez tem conseguido mais, como cada vez mais integrar de forma explícita as noções com que governamos e conduzimos as nossas vidas globalizadas.
Sendo a pobreza uma condição multidimensional, colectiva e relacionalmente construída e legitimada e mantida-reproduzida, não bastam à sua mutação e superação acções singulares, particulares e isolada no tempo e dos vários sistemas-contextos-sectores sociais.
A pobreza subjaz à degradação ecológica dos recursos do planeta; a pobreza suporta o tráfico de seres humanos; a pobreza alimenta as relações de género degradantes e agressivas (podendo estas desenvolverem-se noutros contextos não ‘pobres’); a pobreza estimula a competição, o individualismo, o insucesso escolar e a ignorância social; a pobreza é o rosto das incapacidades relacionais e de justiça que as nossas sociedades manifestam e, nalguns casos, aprofundam.
Somos todos testemunhas.
Sejamos todos sujeitos de mudança, a começar pela distância entre aquilo que pensamos e fazemos.
Ou, calemo-nos de vez e assumamos que, por sermos tão miseráveis, nem somos capazes de admitir que o fim da pobreza envolve e implica a todos, porque os recursos-mãe e os contextos e modos de legislar e organizar a vida são… colectivos, relacionais e sociais.
Que tal, neste Natal, deixarmos de nos convencer(mos) de que somos muito humanos e, de uma vez por todas, admitirmos que aquela gastíssima frase – “pois, sempre houve pobreza…” – sendo cómoda, é uma falácia, pois é um dos nossos comportamentos miseráveis que reproduzimos e nos faz, também por isso, sermos pobres?
Que tal assumirmos ideias menos pobres sobre a pobreza… e acções…?
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Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.
Figueira da Foz, 3 de Dezembro / 2022
OS INTELECTUAIS- por A. Sarmento Manso
Cursos e percursos dos (pseudo)intelectuais
O que é e como se faz um intelectual? Os dicionários da língua portuguesa com mais ou menos palavras apresentam o intelectual como alguém que trabalha em actividades que requerem o intelecto: um indivíduo que mostra interesse pelas coisas culturais, literatura, poesia, cinema, artes plásticas, teatro… O intelectual quase sempre se (auto)apresenta como um ser à parte do vulgo. Faz questão de se exibir de forma andrajosa e de frequentar os lugares que se acredita ressumarem de cultura onde se faz logo notado. Passeia-se nas exposições que estão na moda, frequenta os bares mais concorridos, anda com os livros acabados de publicar. Absorvido no mundo da cultura, facilmente esquece a multidão que o rodeia e os problemas que a preocupam. O intelectual pelas nossas terras tende a imitar quer no visual quer no comportamento aqueles que escolheu como seus mentores e porque teve a sorte e a felicidade de estudar e frequentar outros países, diz mal do povo onde nasceu, na exata medida que rende inteira vassalagem ao que de fora lhe vai chegando ou ao que lá fora vai buscando. Continuar a ler “OS INTELECTUAIS- por A. Sarmento Manso”
JULGADOS – por Carol Demolimer
Estouraram foguetes na rua e me assusto. Essa gente me dá afasia. Por me assustar tanto. Me tirar do meu recanto de escrita onde estava tão tranquila. O quão ruim é sentir sentimentos desagradáveis. Porque não suportamos, e pior, porque ao outro o ofertamos? Direcionamos. Nosso ódio.
AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E….- por Fernando M. Guimarães
As alterações climáticas e o relógio do Apocalipse
As ciências da Terra são um conjunto de ciências que se dedicam ao estudo do planeta. De entre essas ciências, a Geologia preocupa-se com a investigação da estrutura da Terra e, de modo particular, com a sua história, a maneira como os eventos geofísicos determinaram a sua formação e o seu desenvolvimento até ao presente.
Na geo-cronologia que os cientistas propõem, nunca o homem aparece como factor que esteja na origem, permanência e fim dos períodos geológicos. Até aos nossos dias! Continuar a ler “AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E….- por Fernando M. Guimarães”
POEMAS – de Maria Gomes
1
Mais do que deuses, precisamos do limiar do sagrado
do lugar onde bebem as aves,
de regressar ao silêncio de uma noite ida;
mais do que deuses, precisamos do anúncio súbito
da clemência implorada
dos trabalhos do mar;
mais do que deuses, precisamos do homem, da pele do homem,
da sua peugada
sobreposta à penumbra da flor nascida.
Mais do que deuses, precisamos da fronteira da meia-noite
do círculo lunar do grande rio
que corre no sangue da terra humilde. Continuar a ler “POEMAS – de Maria Gomes”
DOIS – por Paulo Weidebach
Ele falava alto, muito alto. Tão alto que sua voz batia no teto. Ricocheteava, batia e rebatia, atingia a alma, estremecia a calma. E falava errado. Menas, pobrema, enfiava o dedo no nariz, coçava suas partes íntimas em público. Era rico, abastado, estudado. Viajou o mundo todo, sempre com os agentes de viagens dos ricos e famosos. Continuar a ler “DOIS – por Paulo Weidebach”
Aparición – por Ulisses Varsóvia
¿ Y ya no volveré a perderme
en el laberíntico entramado,
de una casa cuya arquitectura
habitada por todos sus muertos
deambulando con sus gemidos,
por todas sus sombras allí cautivas ? Continuar a ler “Aparición – por Ulisses Varsóvia”
RECEITUÁRIO DE SONHOS – por Wander Lourenço
Receituário de sonhos através da literatura
Em sua obra intitulada A interpretação dos sonhos, o psicanalista Sigmund Freud explicita que esforçar-se-ia por elucidar os processos a que se devem a sua estranheza e a obscuridade, ainda que pouco ou nada que aborde a sua natureza essencial possibilite uma solução final para qualquer dos enigmas dos sonhos. Deste modo, aviso aos navegantes: a crônica não se predispõe a elucidá-lo, absolutamente; entretanto, se inclina a utilizá-lo como metodologia de leitura, que prognostica a prevenção como modo eficaz de combate às aflições psíquicas do Homem pós-moderno. Neste compasso, eis que se prescreve o Receituário através da literatura, sob forma de breve contribuição ao estado de saúde mental do Leitor, que se quer são e hígido em lucidez. Assim sendo, o indivíduo apto ao ato de Ler anteceder-se-ia ao diagnóstico clínico, subscrito pela consternação agônica do espírito, às margens do abismo da existência que, por vezes, impele o ser humano ao suicídio físico ou moral. Continuar a ler “RECEITUÁRIO DE SONHOS – por Wander Lourenço”
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