MARGINÁLIA – por Januário Esteves

 

 

 

 

António Machado

Desbravando caminhos caro António Machado a vida é mais satisfatória e o corpo conserta
a alma dorida como a água que nos sacia
e o vento na cara que nos desperta o coração
comovido pela flor que desabrocha o mistério
da árvore que dá os seus frutos mansamente
ao longo das estações como eu dou ao sonho
as profundezas do meu ser envolto na memória
que se estende pelos campos em volta da infância carregada de segredos ternos e doces
na vastidão incomensurável do amor paterno
encontramos as raízes daquilo que somos
como um arbusto fulminado pelo raio
vemos para lá do tangível, para lá da parede
àquela luz que nunca se apaga, vislumbramos
as épocas de ouro e terror, o caminhar certo.

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© Carlos Pérez

Sebastião da Gama

Arrábida, serra-mãe de maquis exuberante
onde a alfazema aromatiza o teu cheiro
mediterrânico por sobre os miradouros de
praias paradisíacas, perfuram as lapas
geológicas o âmago da terra entre o Tejo e o
Oceano e a serenidade ocasiona a oração
ao belo, ao azul esverdeado que paira nas
arribas por onde escorre areia sedosa e
o eco dos golfinhos em estalidos e assobios
cantam à sua parceira no marulho das ondas
e vamos levados pelo sonho à mística saudade
em abundância que enche a alma e revigora
num plasma de infinito o corpo sofrido
enrolado de areia misturando sal com carne
mas não salvaram o estremecido Sebastião da Gama do terrível ardor do bacilo infecioso.

 

Florbela Espanca

Cheia de sofrimentos íntimos, plena e agitada
quasi suplicando por amor do Divino ou do homem emancipava o feminino imorredouro
caía nos braços de qualquer abraço num ardor de prece clara de encantamento e profanação
ter fome de infinito e querer o que está mais além de si não sabendo nada apenas a aflição
enamorada constantemente pela vida madrasta
em voluptuosas flores como que abertas aos seus pares não querendo senão o mais querer
em pujantes frémitos  embriagados de paixão
quer desejos, anseios, sonhos e gozos dilatados
e querer ser mais alto, luz e cor e cintilação
no desassombro da lucidez que lhe queima
a clareza  e precipitadamente a bela Florbela
dorme para sempre como a pomba ensonada.

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Januário Esteves usa o pseudónimo “Januanto”. Nasceu em Coruche, Portugal (1960).   Escreve poesia desde os 16 anos. Em 1987 publicou no Jornal de Letras e participou ao longo dos anos em algumas publicações colectivas. Publicou na revista brasileira Musa Rara, na revista americana EIGHTEENSEVENTY .POETRY.BLOG., na Revista Brasileira LiteraLivre, na revista romena Poesis, na revista australiana Otoliths, na revista americana BlazeVox, na revista americana Harbinger Asylum, na revista americana Ducor Review, na revista indiana Taj Mahal.