HISTÓRIA TRÁGICA DA CRIATURA QUE(….) – por Maria Toscano

(…) TINHA 6 NAMORADOS FALECIDOS E MAIZUM.

(Paródia)

[ A Criatura — no caso, uma rapariga do género feminino, de orientação sexual hétero, e não praticando vampirismo nem nenhuma outra modalidade olímpica, pois nem frequentava o ginásio, nem tinha experiência de caminhadas, quanto mais de corrida… — vinha de perder seis dos seus namorados, o que, coexistindo com outra ocorrência, configurou uma situação trágica que A Criatura desabafou com A Amiga… ] Continuar a ler “HISTÓRIA TRÁGICA DA CRIATURA QUE(….) – por Maria Toscano”

DA PERMANÊNCIA E DA ESPERANÇA – por Maria Toscano

 

Soneto de AVISO à Morte, tão indesejada quão real
[nesta semana em que me morreram 4 queridos]:

Morte respeitável, aqui e agora,
solenemente, enquanto lavo o rosto,
declaro-te que tirei esta semana
para acatar as tuas precisões.

É verdade que, tu, tens desvantagem
se compararmos a duração do viver
e o tão mínimo e imprevisto tempo
que basta para te manteres activa.
.
Nem sempre são muito próximos nem íntimos
Os que levas, forças ou libertas.
No afã de confirmares tua presença
.
Marcas a fronteira entre o que é e foi,
Desenhas e apartas más de recordações boas
E, sem quereres, aumentas o valor da mera vida.
.
Figueira da Foz, 10 Jan 2024. Continuar a ler “DA PERMANÊNCIA E DA ESPERANÇA – por Maria Toscano”

TRÊS POEMAS COM ALGUNS ANOS – de Maria Toscano

 

deste cubículo precário
(a A.M.O.)
.
neste cubículo precário que é o mundo
às vezes falta a brisa. e o ar de tuas mãos.
faltam os olhos de água como sorris
a polpa e a saliva que és, na voz,
a fala feita à passagem dos teus gestos
— de ti: a falta. o encanto e a maravilha.
.
neste precário cubículo que é o mundo
deixas ficar-te em perfume. permaneces.
e é pelos densos poros dos sentidos
que, se não estás, sei o instante
sei o instante em que adormeces.
.
neste precário cubículo que é o mundo
nem tudo falta:
ao viveres-me
és também tu que aconteces.
.
maria toscano.
Coimbra, Café-Pastelaria Tosta Rica. 25 Novembro/ 2003. Continuar a ler “TRÊS POEMAS COM ALGUNS ANOS – de Maria Toscano”

TRADUÇÃO E LEITURA DE POEMA DE EUGÉNIO DE ANDRADE – por Maria Toscano

TRADUÇÃO E LEITURA DE POEMA

DE EUGÉNIO DE ANDRADE, 

POR MARIA TOSCANO

VER CLARO
.

Toda la poesía es luminosa,
hasta
la más oscura.
El lector es el que tiene a veces,
en lugar de sol, niebla dentro de sí.
Y la niebla nunca deja ver claro.
Si regresar
otra vez y otra vez
y otra vez
a esas sílabas alumbradas
quedará ciego de tanta claridad.
Alabado sea si allí llegar.
.
Eugénio de Andrade – Prémio Camões 2001.
In “Los surcos de la sed”. Ed. Fundação Eugénio de Andrade, 2001.
Versión al castellano: Maria Toscano, Figueira da Foz, Portugal. 13 enero / 2023.

♣♣♣

VER CLARO
.

Toda a poesia é luminosa,
até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.
.

Eugénio de Andrade – Prémio/Premio Camões 2001.
In “Os sulcos da sede”. Ed. Fundação Eugénio de Andrade, 2001.

 

♦♦♦

Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.

 

 

EDITORIAL – IDEIAS SOBRE A POBREZA – por Maria Toscano

Urgem ideias-comuns menos pobres
sobre a pobreza

Reflectir sobre a pobreza nesta época de Natal – desafio da Direcção da Revista Athena a que me cumpre corresponder como estudiosa dos processos de saída — ou requalificação social — de quem é reconhecido como tendo sido pobre.

Começo por recordar noção sólida e transversal aos diversos estudos sociais sobre o fenómeno: a pobreza é um problema multidimensional.

Quem não sabe disto? Quem pode afirmar que nunca ouviu o enunciado das diversas carências que se acumulam num modo de vida dito pobre? Ou, trocando por miúdos: nem a condição social para se ser pobre é linear, nem é gerada -decorrente-causada apenas por um factor.

Quem nunca contactou — numa notícia radiofónica, num debate televisivo, num documentário, mesmo num filme ou numa canção — com o relato da acumulação de carências ou da passagem da ‘falta’ de um recurso à centrifugação da vida pela reprodução da escassez ou ausência de recursos?

Enfim: quem nunca se apercebeu da dor múltipla em que o quotidiano se transforma quando se empobrece por desemprego, ou por um divórcio/separação, ou por maus tratos de cônjuge, ou por dificuldade ou desorganização entre os gastos feitos e os possíveis?

Acrescento: sendo a pobreza vivida por pessoas singulares e únicas, estas vivências integram, sempre e simultaneamente, sectores e meios onde essa condição é transversal e/ou partilhada — outra noção chave para a sociologia e os estudos dos sociais em torno da pobreza e da exclusão social.

Isto é: constatar a multiplicidade das carências vividas por quem vive em condição de pobreza de todo significa que tenham uma causa singular ou individual; é, sim, conseguir perceber que a multiplicidade dos factores é acentuada ou cruzada pela dimensão colectiva e social do que são modos de vida construídos como pobres e como não pobres. Modos de vida que se reproduzem pelos comportamentos, como pelas atitudes e pelas mentalidades, modos de pensar, de falar e de sentir.

Somos todos testemunhas.

Até talvez já tenhamos uma noção dos conceitos ou das teorias sobre a pobreza.

O problema parece-me estar justamente aqui: no facto de acreditarmos que temos uma ideia do assunto, pelo que, todos formulamos uma análise, ou várias, discordantes; e, claro, em consequência, acabarmos por concordar que “como sempre houve pobreza, continua a haver e sempre haverá pobreza”.

O problema é que, ainda que seja mais fácil-cómodo alinhar na frase comum de que “sempre houve pobreza” não temos evidências disso. Aliás, temos evidências de que as desigualdades entre os mais e os menos poderosos foi uma construção, crescentemente elaborada e justificada-legitimada para alimentar o conformismo e a desistência de contribuir para outra maneira de organizar recursos e vida social. A história humana ensina que foi a ‘descoberta’ da terra privada, das ferramentas, instrumentos e alfaias privadas, e a invenção dos alojamentos, dos parceiros e das crias gradualmente exclusivos e ‘privados’ que acelerou a emergência e gradual desigualdade de sectores sociais poderosos, menos poderosos e não poderosos. Desigualdades e poderes são determinantes na emergência e manutenção de realidades pobres.

De todo se pretende defender um – impossível – regresso ao passado ou o saudosismo das puras origens. O tema é: atenção a preconceitos, ideias-feitas disparatadas e sem qualquer suporte empírico-real-fundamentado.

A ciência tem o dever de se tornar clara e acessível – o cada vez tem conseguido mais, como cada vez mais integrar de forma explícita as noções com que governamos e conduzimos as nossas vidas globalizadas.

Sendo a pobreza uma condição multidimensional, colectiva e relacionalmente construída e legitimada e mantida-reproduzida, não bastam à sua mutação e superação  acções singulares, particulares e isolada no tempo e dos vários sistemas-contextos-sectores sociais.

A pobreza subjaz à degradação ecológica dos recursos do planeta; a pobreza suporta o tráfico de seres humanos; a pobreza alimenta as relações de género degradantes e agressivas (podendo estas desenvolverem-se noutros contextos não ‘pobres’); a pobreza estimula a competição, o individualismo, o insucesso escolar e a ignorância social; a pobreza é o rosto das incapacidades relacionais e de justiça que as nossas sociedades manifestam e, nalguns casos, aprofundam.

Somos todos testemunhas.

Sejamos todos sujeitos de mudança, a começar pela distância entre aquilo que pensamos e fazemos.

Ou, calemo-nos de vez e assumamos que, por sermos tão miseráveis, nem somos capazes de admitir que o fim da pobreza envolve e implica a todos, porque os recursos-mãe e os contextos e modos de legislar e organizar a vida são… colectivos, relacionais e sociais.

Que tal, neste Natal, deixarmos de nos convencer(mos) de que somos muito humanos e, de uma vez por todas, admitirmos que aquela gastíssima frase – “pois, sempre houve pobreza…” – sendo cómoda, é uma falácia, pois é um dos nossos comportamentos miseráveis que reproduzimos e nos faz, também por isso, sermos pobres?

Que tal assumirmos ideias menos pobres sobre a pobreza… e acções…?

 ♦♦♦

Maria (de Fátima C.) Toscano, Doutora em Sociologia. Docente Universitária, Investigadora e Formadora. Coach e Trainer em Programação Neurolinguística.
Figueira da Foz, 3 de Dezembro / 2022

7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano

… de trevos e rosas imaculadas
by hernan pauccara

1.

há muitas palavras para mentir e apenas uma para a verdade.
no jardim das maravilhas da minha vida
jazem vários caules hercúleos,
eternamente iluminados pela seiva
interna
a correr desde o coração.
morrerei já não jovem, sei-o agora.
e do passar dos tempos sei, também agora,
que as convenções podem matar o brilho de um olhar
uma covinha no rosto
um arrepio na nuca.
só que nunca o amor será vencido.
mora em lugar altaneiro
onde poucos acedem
de onde muitos desabam
– ali
ao alcance da tal palavra pura. Continuar a ler “7 POEMAS DO CORAÇÃO (…) – por Maria Toscano”

CINCO POEMAS DE MARIA TOSCANO

 

um.

nasci para aprender a ser árvore/
crescente desde o coração da terra/
voadora pelos ramos e asas /
espraiando-me entre cumes e desertos, /
montanhas mágicas serras áridas /
e mornas planícies morenas dos suis.
até desarvorar – fidelíssima e de vez – /
no amoroso corpo envolvente
do meu devoto amor , o mar.

© Maria Toscano, Novembro, Coimbra Continuar a ler “CINCO POEMAS DE MARIA TOSCANO”

das presilhas do coração – por Maria Toscano

1.

 os homens atam as presilhas do coração
ao cós da promessa de maternidade eterna.

acreditam, os homens, ser sua grandeza
permanecerem sempre filhos apaparicados e

dispensados de ser autónomos e maduros.

nem a todos toca a fábula diabólica.
homens serenos plenos e acertados com lágrima e riso
de ombros e afectos largos/ de peito e siso
continuados inteiros na posição de caminhar Continuar a ler “das presilhas do coração – por Maria Toscano”