EDITORIAL POR JÚLIA MOURA LOPES – “Afastem de mim esse cálice”

“Com toda a lama, com
toda a trama, afinal, a gente vai levando essa chama”.

Chico Buarque

Neste Maio único e tardio, Francisco Buarque de Hollanda, poeta-músico tão nosso, cronista dramaturgo da “Ópera do Malandro”,  romancista e ainda actor, homem lindo, que tão bem exterioriza o eu feminino, foi distinguido com o Prémio Camões”, o maior troféu literário da nossa língua.

Está reacendida a questão iniciada com o Nobel a Bob Dylan, sobre o conceito canónico de Poesia. Como se pode pretender que a poesia escrita seja superior à cantada, quando sabemos que a mesma teve  inicio exactamente na tradição trovadoresca?

*Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno

Além desta polémica, o Prémio Camões 2019 vê-se no epicentro de outra polémica bem mais feia. Os simpatizantes de Bolsonaro  acusam a escolha de Chico Buarque, denunciando ver nela uma mensagem implícita de  conotação política. Continuar a ler “EDITORIAL POR JÚLIA MOURA LOPES – “Afastem de mim esse cálice””

A POESIA DE Cecília Barreira

Poema de amor fusiforme

198 ANOS DO NASCIMENTO DE BAUDELAIRE A 9 DE ABRIL DE 1821

“Je suis comme  le roi d´un  pays pluvieux,
Riche, mais impuissant, jeune et pourtant très vieux”

Ampliou-se há 198 anos em Paris na rue Hautefeuille, 13,
Rutilâncias em breves liceus,
Em vidas dissolutas, nos absurdos de ameaças sangue, sonhos em borboleta, inegável a estadia dos deuses,
Em 1839 amou em para-brisas Jeanne Duval, de vícios contados e maturados, Continuar a ler “A POESIA DE Cecília Barreira”

A BUSCA DO ALEPH BORGEANO – por Danyel Guerra

“Existe no Universo, um ponto, um sítio privilegiado,
de onde todo o Universo se desvenda”

Louis Pauwels /Jacques Bergier

(Work in Progress)

Strategia del Ragno. Devo ao Cinema a boa ventura de, numa morna tarde de primavera, me ter entreaberto a porta da mansão literária de um escritor de sobrenome Borges. E com uma senha codificada em língua italiana.

Atento ao letreiro/genérico do filme supremo de Bernardo Bertolucci, datado de 1970, reparei que o soggetto partira de um conto de um autor, para mim, de todo ignoto. Consultando, curioso, a ficha técnica da fita, verifiquei que a narrativa tem por título Tema del traidor y del héroe, a terceira da seção Artificios do livro Ficciones, editado em 1944.(1) Continuar a ler “A BUSCA DO ALEPH BORGEANO – por Danyel Guerra”

PRISIONEIROS DO TEMPO – por Ester Fridman

Vida, Mente, Universo, Consciência, Tempo, Espaço… Alguém sabe o significado dessas palavras? Será que dentro de nossa condição humana é possível saber? Um grande número de pensadores e filósofos através dos tempos vem tentando desnudar os  mistérios da vida e até então ainda não os conhecemos. Talvez seja porque temos usado a ferramenta errada, qual seja – o pensamento. Em especial a civilização greco romana posterior a Sócrates vem atribuindo um valor excessivo à razão, ao intelecto e seu produto, o pensamento lógico analítico. Ninguém criticou mais esse tipo de conduta do que Nietzsche, que costumava dizer que a decadência começou com Sócrates, exatamente por isso. Com séculos e séculos de condicionamento foi ficando cada vez mais difícil pensar por outra via que não a lógica, cujo funcionamento corresponde ao hemisfério esquerdo do cérebro. Continuar a ler “PRISIONEIROS DO TEMPO – por Ester Fridman”

ESCRITA EM PAPEL E LÁGRIMAS – por Fellipe Cosme

Fotografia ©GoodFon.com

escrita em papel e lágrima
num pedaço de amor
jogado no lixo

tanto faz o lixo
que desatina
dói e agoniza

sim e não
a porta aberta
e ninguém entrou

uma escada flutuante
do avesso de um poema
que se rasga dentro de si.

beijo sonoro de um eu
funda o esvaziamento retorcido

centro da cicatriz
que o corpo carrega do século
caixa quadrado sem voz

relação disforme e a explosão
de luz e som e o sentir
em roma, atenas e moscou

lidos rios fracassam verde
frio o verso parafraseando
a inquietude de uma face. Continuar a ler “ESCRITA EM PAPEL E LÁGRIMAS – por Fellipe Cosme”

BARANEK WIELKANOCNY – por Francisco Fuchs

Krzysztof estava atordoado. Não entendia porque Jadwiga ainda lhe delegava aquelas tarefas aparentemente fáceis, como comprar no mercado um Baranek Wielkanocny. Poucas coisas ainda eram fáceis para Krzysztof, mas Jadwiga parecia não entender ou não aceitar que assim fosse. Seu homem podia ser simples e até podia, àquela altura da vida, estar um pouco confuso, mas já havia construído mais casas do que era capaz de contar, abrigando dos rigores do inverno velhos e moços, letrados e iletrados, católicos e ateus; e mesmo sem ter jamais conhecido essas gentes, rezava diariamente para que vivessem em harmonia, pois, na sua visão, apenas assim poderia considerar completo seu trabalho. Continuar a ler “BARANEK WIELKANOCNY – por Francisco Fuchs”

PEQUENOS CONTOS -II de Jaime Vaz Brasil

Guilherme Tell e Eu

Meu primo ganhou de natal um arco-e-flecha. Treinávamos pontaria em latas, galinhas e árvores. Fizemos torneios. Ele era mais velho que eu, treinava mais e vencia sempre. Aí me convenceu a colocar uma maçã na cabeça. Se eu pudesse, contava como é sentir aquele zunido da flecha vindo, aquele friagem que amolece a gente e o barulho dos ossos da cara se rebentando enquanto a flecha entra: é tudo muito rápido.

♣♣♣

Meu Primeiro Fórmula Um

A mãe pediu que eu cuidasse do mano, ela ia sair. Ele ainda bebê de carrinho e eu sempre quis ser piloto de fórmula um. Os móveis atrapalhavam muito o meu desempenho. Tanto foi que experimentei empurrar o meu carro escada abaixo. Até hoje juro que foi acidente. Continuar a ler “PEQUENOS CONTOS -II de Jaime Vaz Brasil”

O “MERCADO” DA ESPIRITUALIDADE-por José Caldas

 

A espiritualidade está na moda. Para onde quer que nos viremos, uma oferta praticamente infinita de “mestres”, workshops, eventos, livros, encontros, cursos… acenam-nos com uma vida mais “espiritual” ou, pelo menos, mais feliz e mais leve. “Mestres”, em formatos praticamente infinitos, musculados, barbudos, sérios ou divertidos, inflamados ou seráficos, condescendentes ou implacáveis, prometem resolver os nossos problemas a troco de alguns euros. Workshops e eventos sobre temas inimagináveis, desde a leitura de auras até ao alinhamento dos chakras, passando pelas mais diversas terapias de cristais garantem eliminar ou, pelo menos moderar, as nossas dúvidas existenciais. Escolas de Ioga, orientadas por instrutores em poses acrobáticas e vestidos de branco imaculado prometem a libertação de todas as nossas tensões se conseguirmos poses espampanantes. Escolas ou grupos espirituais dedicam-se a interpretar, numa linguagem impenetrável e metafórica os segredos dos Vedas, dos Upanishads, do Corão, da Cabala…

Na esfera do show-business, muitas “celebridades” fazem da “espiritualidade” um instrumento de auto-promoção. Quem não recorda a adesão de Madonna, Britney Spears, Ashton Kutcher, Demi Moore, David Beckham, Guy Ritchie…aos estudos da Cabala (possivelmente, sem fazerem a menor ideia do que isso seja). Por todo o lado, verifica-se um aproveitamento, muitas vezes oportunista, de tradições espirituais do oriente que são rapidamente transformadas em caricaturas do original, onde os objectivos centrais de transformação interna são levianamente substituídos por rituais e cerimoniais pseudo-místicos, uma atmosfera lamechas de beijos e abraços teatrais, uma vocabulário cor-de-rosa e piegas (imediatamente abandonado à primeira contrariedade), um cortejo de vestuário exótico e extravagante, um espaço de convívio que engane o vazio do quotidiano, um lugar simpático para iniciar talvez uma relação romântica de ocasião, uma atracção sensual pelo carisma do “mestre”, a mera curiosidade diletante…, no fundo, o culto da forma em todo o seu esplendor tão típico dos tempos modernos.

Continuar a ler “O “MERCADO” DA ESPIRITUALIDADE-por José Caldas”

POEMAS DE José Luís Outono

Linha d´Água, by Mário Cesariny

TEMPESTADES A COBERTO DE OUSADIAS

rios de água cadente enclausuram olhares provocadores
… …
tempestades a coberto de ousadias
… …
filmes absurdos de diálogos silenciados
pelo sino da memória cansada
… …
desafios gotejantes emolduram
discursos correntes sem novidades
… …
a matemática prossegue a sua análise do ontem
depois do fracasso de amanhã ter esquecido o hoje Continuar a ler “POEMAS DE José Luís Outono”

SONHOS PESCADOS – Por Marcos Fernando Kirst

«Linha d`Água» (s/d), Mário Cesariny —óleo sobre madeira

Na dobra da onda
que sacode a praia
trazendo avalanche
de água e de sal;
ali pesco o sonho
de vida sereia,
castelo na areia,
o mar meu quintal.

Na sombra forjada
do olho cerrado
chamando a visita
do Lorde Morfeus;
ali teço sonhos
de vida sonhada,
à qual pago nada,
e crio outros eus.

Desperto, acordado,
vigiando ou sonado,
atraio os dormires
à vida vivida
e tenho então sempre
um sonho pescado
andando ao meu lado:
união dividida.

♦♦♦

Marcos Fernando Kirst é jornalista e escritor, residente na cidade de Caxias do Sul (RS). É colunista do jornal “Pioneiro”, onde publica crônicas semanais literárias. Foi Patrono da Feira do Livro de Caxias do Sul em 2010. Em 2011, ganhou o Concurso Anual Literário Municipal de Caxias do Sul com a obra poética “Em Silêncios”. Integra a Academia Caxiense de Letras desde 2012, onde ocupa a cadeira número 11. Ganhador do Prêmio Açorianos de Criação  Literária 2014 com a novela “A Sombra de Clara”, também laureada com o Prêmio Vivita Cartier, em Caxias do Sul, em 2016. Já lançou 21 livros.

 

CESARINY por Marilene Cahon

A ilha misteriosa de Mário Cesariny de Vasconcelos
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto    tão perto    tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
Mário Cesariny, in “Pena Capital”

Poeta e pintor, considerado o principal representante do surrealismo português. É de destacar também o seu trabalho de antologista, compilador e historiador das atividades surrealistas em Portugal.

Um homem fora de seu tempo. Eis a melhor definição para Cesariny.

Nasceu em Lisboa em 9 de agosto de 1923 onde também morreu em 26 de novembro de 2006.

Foi em 1947 ao lado de figuras como António Pedro, José Augusto França, Cândido Costa Pinto, Vespeira, João Moniz Pereira e Alexandre O´Neill, como forma de protesto libertário contra o movimento do neo-realismo, dominado pelo Partido Comunista Português, ao mesmo tempo que também não alinhava com o regime salazarista, que cria o seu surrealismo português.

Cesariny adota uma atitude estética de constante experimentação nas suas obras e pratica uma técnica de escrita e de (des)pintura amplamente divulgada entre os surrealistas. A sua poesia é animada por um sentido de contestação a comportamentos e princípios institucionalizados ou considerados normais nos campos do pensamento e dos costumes. Ao recorrer a processos tipicamente surrealistas (enumerações caóticas, utilização sistemática do sem-sentido ou do humor negro, formas paródicas, trocadilhos e outros jogos verbais, automatismo, etc.) alcança uma linguagem que encontra o equilíbrio entre o quotidiano e o insólito. Nos últimos anos de vida, desenvolveu uma frenética atividade de transformação e reabilitação do real quotidiano, da qual nasceram muitas colagens com pinturas, objetos, instalações e outras fantasias materiais.

No Surrealismo encontrou o espaço de liberdade criativa que procurava.  Usava o sonho, a imaginação, o amor, assentes na técnica do automatismo psíquico e do acaso, sem imposições estéticas ou morais. Tudo de acordo com a sua personalidade inquieta, polémica, subversiva. Em Portugal  exercia sua vontade de transgredir e de desafiar a poderosa máquina da ditadura. Queria ser livre no seu país. “Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!”.

Sua poesia é um registro essencialmente surreal sustentado em jogos verbais, trocadilhos, paródias, humor negro, nonsense e enumerações infindáveis. Caracteriza-se pelo vivo e lúcido sarcasmo, pelo impetuoso e angustiante lirismo, assente numa linguagem rica de expressões antagônicas, de imagens, e de sugestões peculiares.

Famosa é sua frase ao final das conferências e palestras para as quais o convidavam:

– Estou num pedestal muito alto, batem palmas e depois deixam-me ir sozinho para casa. Isto é a glória literária à portuguesa.

Sobre o que escrevia afirmou: “Existe um certo ponto do espírito de onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo deixam de ser e não deixam de ser apercebidos contraditoriamente.”

(Passagem do “Segundo Manifesto Surrealista” (1930), de André Breton e selecionada por Mário Cesariny para integrar o “Manifesto Abjecionista”).

Em suas pinturas foi um autor espontâneo e insurgente, que bebia do misticismo e da magia das suas influências, dando primazia à cor e à anarquia figurativa. Pinturas, colagens, ‘soprografias’, e cadavres-exquis (que consistia na elaboração de uma obra por três ou quatro pessoas, num processo em cadeia criativa, em que cada um dava seguimento, em tempo real, à criatividade do anterior, conhecendo apenas uma parte do que aquele fizera) fazem parte da sua obra plástica. No entanto, a pintura e a poesia foram sempre aliadas: muitas obras incluem palavras recortadas, conjugações de textos e imagens, e outras formas experimentais.

Para Cesariny o amor era “um desmesurado desejo de amizade”, em que “o outro é um espelho sem o qual não nos vemos, não existimos”, e “a única coisa que há para acreditar”.

O poeta defendia que se pode morrer de amor, mas considerava que “também se pode morrer de falta de amor”.

O Surrealismo de Cesariny é uma forma de insurreição permanente, na arte e na vida.

♦♦♦

Marilene Cahon, brasileira, professora, escritora, poetisa, cidadã caxiense, autora dos quinze volumes que deram a Caxias do Sul o título de Capital Brasileira da Cultura em 2008. Membro da Academia Caxiense de Letras a qual presidiu no biênio 2012-2013, ocupando a cadeira de número 15.

LEÃO NO OUTONO – por Paulo Ferreira da Cunha

 

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

I

 Cependant, il ne saurait s’agir d’un récit
 à clés, car nul ne possède la clé des songes.

 P. Debassac, Le lion et la demoiselle, Avertissement.

Sou um leão da cova dos leões de Daniel, desenterrado e fixadao em pedra andaluza.

Os meus onze outros irmãos ladeiam-me, suportando nós todos esta salva de água puríssima, estendida à sede e ao cansaço. Aqui, nesta Alhambra que nos acolhe no presente, eles são leões de pedra sem alma.

Mas eu, e eu só, sou um avatar, uma reencarnação, um clone ao menos (como vai alguém saber mesmo quem é, depois de Blade Runner?), do rei dos leões na cova dos leões. Creio que foi para minha proteção que o escultor me fez exatamente igual aos outros onze. Aparentemente, não tenho nenhum traço distintivo, posso passar despercebido. Há, é certo, dois irmãos meus com um sinal na fronte. Um triângulo, como conviria. E eles seriam os representantes das duas tribos eleitas, a de Judá e a de Levi. Mas a minha estirpe é a de Salomão, portanto anterior aos cismas…

Aqui na Hispânia para onde me trasladaram, tenho vivido incógnito e muito melhor. Deixem outros deliciar-se com a descoberta desses dois irmãos do reino dividido.

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

II

Sou o leão da cova dos leões de Daniel, já vo-lo disse. Mas isso, também vo-lo confesso (mais que confesso quero proclamar, e deixar em registo), de modo nenhum me envaidece. A vaidade é apenas um adorno supérfluo e sempre ridículo dos que não têm valor real. Mas não falemos dessas futilidades.

Apresento-me sem cartão de visita. Os cartões de visita são materializações curiosas dessa mesma vaidade de que falávamos. Todavia, podem ser até elegantes: quer na escolha subtil dos dizeres, quer na apresentação gráfica (do mesmo modo que podem ser horríveis e a consubstanciação do novo-riquismo, da ostentação, etc.). Só a elegância atenua um pouco o grave pecado da vaidade.

Perdoai-me que divago.

É a idade (são muitos séculos ao serviço…). Não sem que diga algo a propósito desse lugar comum que, muito contra minha vontade consciente, saiu dos arquivos do que se diz para o discurso que eu mesmo disse… Deplorável quando se fala pela voz e pelas ideias dos outros. Pois bem. Não acho que os velhos sempre se repitam porque desmemoriados. Alguns, sem dúvida que sim, será por esse motivo. Mas outros (devo dizer que os melhores), repetem (esbracejando contra o Tempo) porque querem gravar, para si e para os demais, memorabilia, os feitos e os factos que não suportam ver perderem-se pelos ralos da memória – pessoal e coletiva.

Certamente um dono de obra velho (teria sido o vizir judeu Ibn Nagrela?) mandou um jovem e possante escultor dar-nos forma neste pátio, para que ficássemos imortais. Pigmaleão, o escultor. Sempre apaixonado pela sua obra. Sinto que fui esculpido pelo amor, não apenas com amor. O que viria depois já não o recordo. Ou não importa. Porque as estátuas permanecem, e os escultores desaparecem. Como dói a perenidade da estátua.

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

III

Sou, pois, já me conheceis, o leão-rei da alcateia que poupou a vida do profeta, porque connosco falou o Espírito Santo. E que não tivesse falado. Certamente falou de várias formas: pois antes de nos ter dirigido a Palavra, já nós O ouvíamos sem que nos falasse. O Espírito Santo é, da Santíssima Trindade, certamente a mais subtil e complexa das Sagradas Pessoas. Ele é o Paráclito: ao mesmo tempo consolador e defensor, advogado mesmo em tribunal. Pois intercedeu por Daniel que injustamente havia sido condenado, e encontrou nos reis do reino animal, nos leões, pleno vencimento de causa.

Obviamente que Daniel merecia ser poupado. Desde logo, porque o suposto “crime” que teria praticado não era crime algum, pelo contrário apenas o livre (ontologicamente livre, só comprimido por normas e atos eles sim criminosos) exercício da liberdade religiosa, como se viria a dizer mais tarde, desde logo nesta Península Ibérica e nesta Europa no séc. XXI, de onde vos falo.

E sim, sou um leão velho, velhíssimo, primordial quase, mas também e afincadamente, conscientemente, um defensor dos Direitos Humanos. Não por moda, nem contraditoriamente, achando que tudo o que é a meu favor o é, e tudo o que me não convenha contra eles se revelaria.

Direitos Humanos, que um leão pode bem defender. Sem cuidar sequer de Direitos dos animais (contos largos, contos largos, em que não me vou embrenhar agora). Aliás, todos já entenderam que eu não sou um simples animal. O mítico leão nunca foi um simples animal. E um animal não é um simples animal…

Mas voltemos aos Direitos. É uma questão que ainda se coloca, que se coloca e colocará no futuro próximo decerto ainda muito, porque os Homens se desumanizam, e não respeitam essas manifestações elementares da sua dignidade enquanto Pessoas. O problema nem sequer, em tese, se deveria pôr. Uma sociedade minimamente civilizada não deveria mesmo ter essa matéria como tema, muito menos como pauta de atualidade. Tais adquiridos deveriam ser naturais. Dever-se-ia viver os Direitos Humanos como quem respira.

Mas isso é com outros. Não estamos nessa sintonia, no momento. “Traten otros del gobierno”, escreveu Luis de Gôngora. Embora uma canção de Paco Ibañez tenha chamado a atenção para os perigos da alienação… Bem sabemos, bem sabemos… Têm ambos muita razão, no meu entender de quem já viu coisas demais.

Entretanto, quando me petrificaram, aqui no Império da Andaluzia, terra de coloridos jardins, frutos suculentos e sombras amigas e suaves, entendi que não somos apenas uma vida. Era, aliás, fácil compreendê-lo, tendo a reminiscência do tempo da Babilónia.

Como vos disse, tenho gostado deste tempo de agora (tantos séculos já), apesar de preso a segurar  esta taça de límpida frescura.

Só que a prisão é ilusória. Quando andava pela terras do Médio Oriente, também me sentia um leão enjaulado. Entendes que um leão condenado a devorar condenados é de todos o principal prisioneiro e com  a pena mais cruel? Eles encontravam a liberdade na morte. Nós em cada morte que obrigados perpetrávamos, era um novo grilhão que acrescentávamos à nossa longa cadeia.

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

IV

Sou o leão, quase sem rosto, com um impercetível olhar esfíngico. Isso não me despersonifica, contudo. Há uma certa bonomia satisfeita (mau “satisfecho” é só o “señorito” de Ortega… e esse é realmente muito mau)  nesta minha situação presente. O tempo angustiado das sagas, epopeias e tragédias terminou. Na Idade dos Homens (que hoje se arrisca a dar lugar a uma idade pós-humana, desde logo desertificada do que de melhor eles inventaram, os Humanismos – pois se superaram, numa reinvenção), o melhor é não perder o pé no real. Manter a serenidade, e aproveitar minimamente a vida, em geral tão fugaz, tão traiçoeira até. Um ar sereno e até aparentemente feliz (ainda que de uma falsa felicidade, porque estulta e enganada, não consciente) ainda é o limite máximo que nos é dado viver. Como há um abismo entre o sangue que por mim escorria lá nas terras de Babel e a pétrea bonomia em que poso para a posteridade como representante de uma das doze tribos de Israel… Ironia do destino…

Falava em aproveitar a vida tão fugaz. Vida fugacíssima a dos que por aqui têm passado. E nem sequer me refiro aos tais “turistas” dos últimos séculos, e em especial destes últimos. Não entendi bem ainda o que julgam eles que captam quando apontam para nós uns aparelhos, por vezes luzentes. Disseram-me que a nossa imagem entra nesses artefactos e pode ser depois reproduzida. Mas que interesse terá possuir-se uma imagem bidimensional de algo aparentemente tridimensional, embora, como sabemos (segredo nosso) tenha muito mais dimensões? O nó da questão estará certamente na posse. Os Humanos (e os animais também) gostam de se apropriar de coisas (até de pessoas e ideias – mesmo de divindades), e de coisificar entidades não reificáveis.

Os Humanos estão alucinados com algumas miragens: o rei que queria matar Daniel tinha a febre do poder; os turistas são benévolos doentes da maleita do possuir, até paisagens, lugares, memórias. Há outros venenos que os possuem, mas esses são normalmente filtros ainda mais complexos, ardilosos e mesclados de virtude e vício, e deixá-los-ei para eticistas mais experimentados. Afinal, eu não conheci senão o sangue da cova dos leões e a placidez da sombra deste pátio.

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

V

O leão é também símbolo da realeza, e uma realeza sacra a que não podemos deixar de associar o rei Salomão, cujo nome consta do nosso complexo escultórico.  Nem precisava de tal ocorrer…

O leão (não me caberia a mim recordá-lo, mas vivemos tempos ignorantes), rei da criação, espécie de lugar-tenente de Adão para os animais aparentemente não humanos (porque sabemos que os animais falam, e se falam também pensam – e é óbvio que sentem: não teve Ricardo de Inglaterra um “coração de leão”?) é senhor do porte imponente e altivo (sem presunção, mas por natureza e dignidade própria) que todos lhe conheceis. Mas relendo estas palavras sinto-as não pomposas, mas parcas. A nobreza, o oiro, a magnânimidade, a independência criativa e o rasgo são traços nossos. Acrescentaríamos até a palavra soberania, se ela não se encontrasse hoje tão esfacelada e desfigurada em polémicas e dogmas muito restritos. Aliás, da definição que atribuem a Jean Bodin pouco se aproveitaria mesmo para o que é o poder e a responsabilidade do rei leão.

De qualquer forma, é um arquipélago de conotações que se concentra na imagem do leão. E tem de haver um qualquer choque na associação do leão com símbolos de conotação diversa.

Por exemplo: o leão é um grande felino, o felino dos felinos. O arquétipo do Felino. Não é um gatinho. Um leão feito gatinho doméstico brincando com crianças e uma bola multicolorida, ou um leãozinho inofensivo, sem garras e quiçá sem dentes, embalado no colo de uma moça como se fora um urso de peluche… Pior ainda o último. Não, não sei qual dos dois o pior, o mais descaracterizador.

Não posso sequer pensar nessas imagens…

Claro que muito degradante é o velho leão cansado a quem todos vão provocar ou mesmo molestar. Ou o leão desses circos arcaicos de que o malabarista escarnece, obrigados à pantomina e ao chicote.

Essas são páginas tenebrosas da nossa gente. E, contudo, tal como ocorre com os Humanos, os leões podem submeter-se por vontade própria. É possível a servidão voluntária, de que falava La Boétie. Complexa atitude, pouco leonina, e, convenhamos, certamente pouco humana também… Falando da dita “natureza humana”, na verdade um arquétipo tão pouco físico, tão pouco “natural”, romantizado, ou tornado estoico…

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

VI

Hoje, no universo das imagens fictícias ou técnicas, aquela boa parte do romance (ou de qualquer género ou subgénero de ficção) que consistia na descrição (de paisagens, interiores, roupas, ou até de traços humanos físicos), fica em algum apuro, em crise, em perda. Como pode a paleta linguística competir com as imagens virtuais, facilmente criadas ou manipuladas por meios computacionais?

A moça que afaga o pequenino (e indefeso) leão não tem na ficção um rosto. Tem-no, nas imagens oitocentistas ou dos começos de Novecentos, pela mente e pelo coração do profanador fotógrafo, que lhe emprestou o seu olhar fatal.

Mas a decisiva pergunta é como o leão de pedra consegue saltar para a foto, preto e branco amarelada, dessa moça com leão.

Aqui, no pátio a que justamente damos nome, sou um austero ainda que (creio) simpático monumento de pedra, que acabou de se restaurar há pouco mais de meia dúzia de anos, após uma década de polimentos e restauros. Sinto-me rejuvenescido, lavado, livre de poeiras e excrescências. Foi um ritual longo, esse, mas valeu a pena. Todos os rituais purificadores (que nos alijam de adjacências e restituem a depuração) elevam, assim como todos os que nos carregam de adornos nos rebaixam e pesam, ainda que pensemos o contrário. São palavras de um rei sem coroa.

Retirado do pátio, quando chegou a minha vez, tive uma espera de recreio desta petrificação, que equivale a um dos castigos do Hades helénico. Voltei ao purgatório em que, fixo, vou tentando redimir a vagância (ainda assim confinada) na cova antes de conhecer aquele que tinha no nome ser apenas Deus o seu juiz.

Digamos que fui instrumento da mão de Deus, poupando o profeta, e agora continuo espiando e redimindo-me pelos séculos afora, dos tempos em que, também enclausurado, era involuntária máquina de opressão e morte.

Não consigo deixar de pensar na fotografia de que falámos. Podemos interpretá-la de várias formas, como diverso significado pode ter esta minha guarda no pátio.

Ela parece poder também dar uma esperança de um mundo paralelo, em que adquira de algum modo vida, e encontre alguma forma de afeição e a possa irradiar também. Todos sabemos como o leão pode ser o cordeiro, e vice-versa. Basta ler o Apocalipse.

Os tais turistas, que são quem agora mais nos visita, mesmo os letrados e invetigadores que com um outro olhar de quando em vez por aqui passam, não querem de nós sentimentos; no máximo dos máximos nos tributarão admiração.

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

VII

Ora eu, leão de Beltessazar (assim lhe chamaram também), estou há séculos à espera de uma dupla de dons, que alguns diriam inatingível: a Liberdade e o Amor. Claro que são conceitos (“são conceitos!” Que digo eu? Como se o fossem antes de mais…) muito polissémicos…

Que saber disso para o poder desejar? Quantos filósofos se passaram neste pátio, quantos poetas, quantos senhores do poder, da paz e da guerra, quantos amantes… Todos por aquelas janelas nos fitaram ou deambularam em poses diversas em torno desta fonte da vida (fons vitae). E alguns cuidaram saber de uma cousa e da outra, e certos não pensaram vivê-las, ainda sem as pensarem muito.

Não importa: algo me segreda que são ambos objetivos que, necessitando embora de um contexto favorável (porque dependem de outros, e mesmo de sociedades realtivamente despoluídas e saudáveis, em que sejam possíveis), dependem sobretudo de cada um. Portanto, no meu caso, de me transfigurar, porque pedra, ainda que segurando uma taça de vida, não é argila para moldar uma coisa nem outra.

Mas, insisto: há milagres. Eu já fui um carniceiro. Vede-me ainda feroz e pulsante no quadro de Rubens.

E nesse século XIX, enquanto estava o meu invólucro aqui em Granada, posso ter momentaneamente visitado essa foto pretensamente exótica. Mas, evidentemente (não quero ser mal entendido), essa moça, cujo rosto nem sequer vi, não é nem o meu ideal de liberdade nem de amor. Olhem como ela me teria (se aquele leão tivesse realmente sido eu) de algum modo preso, aprisionado, domesticado. Estou nas suas garras. Talvez me pudesse dar a afeição superficial que se pode transferir para um qualquer boneco mais ou menos animado, ou… animal de estimação. É uma afeição (se o for…) de algum modo pueril, fútil, decorrendo decerto de um fundo inespecífico de carinho potencial que em mim terá fortuitamente poisado. Muito provavelmente animado pela relativa excitação e vaidade de se poder ter ao colo um leãozinho – coisa aparentemente paradoxal, e exótica.

Esse século XIX de uma possível (mas improvável, claro) liberdade condicional e condicionada é uma advertência contra a falsa liberdade e certamente também contra o falso amor. As múltiplas falsas liberdades e os inumeráveis traiçoeiros, ilusórios e erróneos amores – de miragem e de servidão também.

Digamos que numa primeira recusa, surrealista, mais me tentaria inverter as posições da foto. Pois que a figura humana é indefesa e o leão é magnânimo e não agressividade pura, pois que ela seria afinal a imagem do cordeiro, então seria o leão que deveria tomar conta dele. Por isso a moça poderia ser consolada, embalada, e (aí é que está o maior problema, de novo: e como ele hoje ressoaria!…): pelo menos implicitamente aprisionada.

Decerto é esta tentação nada mais que o meu complexo de carcereiro da cova dos leões, que emerge, que vem ao consciente. Em Herberto Helder não há um cão que tinha um marinheiro? A princesa de São Jorge e o dragão de Paolo Uccello não traz a besta por uma trela? E não é o leão rebaixado a glutão na Dame à la Licorne e a criatura pusilânime no Feiticeiro de Oz? Há certamente forças superiores às do leão, e se as heterodoxias referidas são permitidas, mesmo afrontando a dignidade leonina, bulir com o Feminino seria muito mais sacrílego. Não se deve tocar em mistérios muito profundos.

Além disso, entrar, por que forma fosse, nessa dialética do senhor e do escravo nunca foi libertação. E muito menos ainda, a fortiori, Liberdade. Amor tampouco.

Que imagem, então, colocar na minha mente, como visualização do que muito se deseja, e espera que venha a concretizar-se, pelo turbilhão magnético dessa força do querer, que alguns consideram invencível e infalível. Confesso que o não sei, nunca o tentei.

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

VIII

Shiuuu!… De novo estão a chegar trabalhadores de reparação do pátio. É uma manutenção de rotina, mas isso nos permitiu estas reflexões, sem ter de afivelar o sorriso esfíngico. Sim, só o alívio da prisão e das invasões bárbaras dos visitantes, com suas fotografias incessantes, me permitiu este desabafo.

Agora, honestos pedreiros e afins mesteirais virão embelezar o pátio, para que resista a mais uns séculos de reiterada e consentida profanação.

Sei que te devo ainda umas palavras, sobre o meu sonho, acalentado dia após dia, mês após mês, ano atrás de ano, sobre liberdade e amor.

Mas é impossível falar disso cercado pela indiscrição destes bravos empreiteiros. Requerer-se-ia recato, uma brisa de fim de tarde, e que eu saísse mesmo daqui, passeando pela savana, olhando o por-do-sol além dos embondeiros.

Não é muito importante. As minhas palavras seriam sempre as de uma metamorfose que está congelada há tempo demais na mesma fase. A borboleta tarda a revelar-se.

Pode ser que alguns destes trabalhadores me venha a transportar para um outro lugar. Oxalá não para defininhar num museu. Pode ser que uma outra imagem se projete sobre mim, numa espécie de upgrade, e eu me venha a volver em leão alado mesmo, concretizando o sonho dos meus primos assírios. E depois pelo Leão de São Marcos aqui mais perto, em Veneza.

O leão da cova dos leões do justo Daniel volvido o símbolo do Evangelista – só mesmo na confusão pós-moderna…

Não. Sejamos mais comedidos.

Há na mitologia hodierna de Nárnia, de C. S. Lewis, um bom leão, Aslan. Pode ser que, no seu enorme coração, ele se apiede de mim, e me venha a conceder as graças que eu não mereço, eu que fui o leão da cova dos leões, e também leão da coroa dos leões na resplandecente Granada, tierra sonãda por mi.

Isso será para mim melhor, certamente, que a justiça dos Homens (ou a sua História, outra espécie de tribunal), que não apenas continuam a caçar leões, como a caçar-se entre si. Por mim, afinal, só espero não acordar um dia num jardim zoológico, ou, pior ainda, como leão decorativo em entrada de casa de novo-rico.

Desenho de Paulo Ferreira da Cunha

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Paulo Ferreira da Cunha – Professor Catedrático e Director do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

Todos os desenhos usados são autor dos textos.

AMOR É LIBERDADE – por Teresa Escoval

“Porta para o mundo paralelo” de Mário Cesariny

Para mim o amor é liberdade, porque só alguém livre é capaz de receber com a mesma gratidão com que doa. É um sentimento que quando ambos sabem amar do mesmo jeito, permite sentir respeito pelo ser interior da outra pessoa e, em simultâneo, deixar o seu interior também intocável. Se isso acontece qualquer dos dois pode tomar decisões sem que isso provoque mágoa no outro, porque há respeito pela privacidade e pelo crescimento individual de cada um, mas também há partilha e crescimento conjunto, enquanto casal amoroso. Ambos já conseguem amar incondicionalmente.

Se há algo que um tem de permitir ao outro e vice-versa é apenas que cada um fique do tamanho certo. Ou seja, ambos devem sentir-se de igual para igual, grandes e a crescer na mesma medida. É sentirem que esse amor é nutrido na aceitação, gratidão, alegria e respeito. É amar sem condições e sem limites, sem críticas nem exigências, dando-se e doando-se com compreensão, carinho, sã e transparente vivência e pela construção de um caminho conjunto.

Quando o par amoroso aceita o Presente de cada um, sem haver posse, carência, apego, ciúme, exigência, quer dizer que esse amor permanece com solidez, com consciência de que há equilíbrio entre o dar e o receber. Tudo é fresco, suave, vital, consistente e alegre.

É um amor que cuida, que está atento, que quer ficar por perto, que se sente completo, que dá força para seguir em frente e implementar sonhos individuais e conjuntos. É um amor que não absorve, completa.

É necessário que cada um ande o seu próprio caminho, para que o amor possa guiar os passos de cada. Pois aquele que por outro é guiado (aqui usado o termo no sentido do controle), não pode falar de amor; mas de submissão. Como aquele que busca impor a sua vontade, não procede em nome do amor; mas das suas próprias carências.

Eis que a plenitude não pode brotar senão de si própria. E como poderemos conhecer a plenitude do amor, se cada um de nós não estiver pleno em si mesmo?

Precisamos compreender então o significado de liberdade. Precisamos descobrir sozinhos o que significa amar, porque se não amarmos, nunca seremos atentos, e pior, nunca seremos gratos.

Mas, o que significa ser atento? Significa que dou sem que me peçam algo que o outro necessita. É ter a sensibilidade para perceber os movimentos ao seu redor e os movimentos da vida. É sentir que o amor é uma força inesgotável em si.

Citando Osho: “O amor não é uma quantidade, mas uma qualidade! Qualidade de uma certa categoria que cresce ao se dar e morre se você a segura. Seja realmente esbanjador!

Deixe que o amor seja uma ajuda para seu crescimento espiritual. Deixe que o amor se torne um alimento para o seu coração, a coragem de se abrir à vida em todo o seu esplendor.

E, ao doar-me assim, recebo o melhor do outro, todo o seu amor e impecabilidade. A vivência deste amor em plenitude, permite-nos manter a liberdade e termos a certeza de que está nas nossas mãos a grande árvore da vida! Essa árvore é fruto das nossas escolhas.

Nesta minha aprendizagem terrena e de evolução, concluí que a verdadeira liberdade é a que nos faz crescer humanamente e que nos dá paz e amor para avançar a cada momento, inteiros, completos e felizes e nos permite irradiar isso aos demais.

Por isso, posso dizer-vos que é necessário prestar atenção em tudo o que nos rodeia, centrarmo-nos só naquilo que queremos que aconteça, desejar o que nos acrescenta valor e nos faz sentir feliz, ao mesmo tempo que curamos as crenças  que trazemos nas nossas memórias, que curamos padrões culturais e familiares que nos foram uteis em termos de aprendizagem mas que agora temos de largar e deixar ir, para que o nosso caminho seja mais leve, tranquilo e doce.

Aprendi a perguntar-me, antes de agir, se é mesmo aquilo que desejo e sinto que é o melhor para mim. Permito-me ficar em silencio e escutar a resposta, sem que a lógica me tente sabotar. Hoje sei que só eu sou dona do meu poder pessoal e nada nem ninguém tem o poder suficiente para impedir-me de fazer o que desejo e o que mereço.

Logo, sei que a decisão é correcta se ela me permite ficar em paz e em amor! E tomo-a no presente! Hoje, mais uma vez, permito-me amar-me e amar-te. Permito-me a abertura de Consciência para tudo, para o novo e vital na minha vida.

Assim sendo, ouso deixar-te aqui algumas questões que te podem vir a permitir abrir a tua consciência, se também ousares confiar em ti e ouvires as respostas. Trata-se apenas de uma ousadia minha para te por a reflectir sobre o encontro contigo próprio(a) e te permitires tomar as rédeas da tua vida. Eis que são:

    • Onde encontras paixão no que fazes? Será que na tua maior paixão podes encontrar a tua missão?
    • Será que por trás de cada resistência tua estão encontros e aprendizagens que tens de enfrentar?
    • Reconheces a força e o amor que vem dos teus antepassados e da tua linhagem?
    • Para superares os teus medos (dor, abandono, traição, escassez, etc..) alguém tinha que tos provocar? Será que é aí que está a fonte da tua maior transformação?
    • Estás centrado(a) na vida e nas novas energias (paz, amor, alegria, abundância, prosperidade) a que deves aceder?
    • O que te importa mais – o Ser ou o Ter?
    • O que procuras numa relação?
    • Como está o teu amor próprio e o teu auto-reconhecimento?

Desejo que cheguem até ti, rapidamente, com uma visão clara, as respostas certas. Ouve-as e segue-as com confiança, pois a nossa intuição é a nossa melhor amiga e permite-nos aproveitar a vida com merecimento. Ama-te e desenvolve-te a cada dia mais! Permite esse encontro com a tua essência e verás resultados maravilhosos.

E citando Osho de novo: “Aqueles que entenderam o sentido da vida falaram apenas para quem é capaz de entender o Amor, porque o Amor é o sentido da vida”.

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Teresa Escoval é Pós-Graduada em Gestão de Recursos Humanos, Licenciada em Sociologia, Bacharel em Gestão de Empresas. Desempenhou vários lugares de chefia na área Financeira e Gestão de Recursos Humanos. Desde 1994 que gere e desenvolve um negócio próprio na área do emprego, diagnóstico /desenvolvimento organizacional e formação. Mantém colaboração regular, desde 2007, com várias revistas, onde são publicados artigos sobre diversas temáticas, que é autora.