Não há dia em que não aconteça algo de mal. Aqui, é um autocarro que, desgovernado, cai por uma ribanceira, provocando mortos e feridos. Ali, um tresloucado dispara indiscriminadamente sobre quem se lhe atravessa no caminho.
Às vezes são as forças da natureza que, sem olhar a quê nem a quem, devastam tudo, deixando um rasto de sofrimento, dor e morte. Outras vezes, são fanáticos que, tomados pela irracionalidade de quem se julga dono da verdade, decidem espalhar o terror. E qualquer alvo serve, hotéis, mesquitas, igrejas ou sinagogas.
No mundo existe muito mal e, para um pessimista com vontade de o ser, viver não é mais do que substituir um desgosto por outro desgosto.
Existem dois tipos de mal. Um, é o mal natural, isto é, todos os males que acontecem por força das leis da natureza. Outro, o mal moral, o mal causado deliberadamente pelos seres humanos ao fazerem o que não deviam. Ou ainda, o mal que se permite que aconteça por negligência.
A constatação, inegável, da existência do mal expõe um problema de difícil, ou mesmo impossível resolução. Este problema é: como compatibilizar a existência de Deus com um mundo repleto de sofrimento, com a existência do mal?
Esta é uma questão à qual não se pode escapar e, tanto a filosofia como a teologia, sempre procuraram arranjar uma resposta racionalmente satisfatória. É claro que a natureza divina que aqui está em causa é a da concepção teísta, isto é, a de um Deus criador, omnipotente, omnisciente e perfeitamente bom.
De maneira que são duas as posições para resolver o problema: a posição teísta, que afirma que a existência de Deus é compatível com o problema do mal, e a posição ateísta que nega a existência de Deus, ou, pelo menos, nega a concepção de Deus como ser perfeitamente bom e justo, em consequência do problema do mal.
Face às proposições «Deus é omnipotente», «Deus é absolutamente bom» e «O mal existe», a posição ateísta conclui que elas são contraditórias, de tal maneira que, se a omnipotência e a bondade de Deus fossem verdadeiras, ter-se-ia de concluir que o mal não existe. Se as afirmações «Deus é absolutamente bom» e «o mal existe» forem verdadeiras, então a afirmação «Deus é omnipotente» é necessariamente falsa. E por aí fora.
A resposta teísta defende, por sua vez, que é compatível a existência de Deus e a existência do mal. O livre-arbítrio, a capacidade de escolher livre e responsavelmente, é o bem maior que Deus nos deu e se, ao dar-nos o livre-arbítrio, Deus apenas garantisse que o usássemos sempre bem, seria uma limitação da bondade divina e, eventualmente, do mérito humano, ou seja, seria auto-contraditório.
Fica o problema do mal satisfatoriamente resolvido? Penso que não!
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Fernando Martinho Guimarães (1960) Nascido transmontano (Alijó, Vila Real), foi na cidade do Porto que viveu até aos princípios dos anos 80. De formação filosófica e literária, a sua produção ensaística e poética reflecte essa duplicidade. Publicou em 1996 A Invenção da Morte (ensaio), em 2000 56 Poemas, em 2003 Ilhas Suspensas (edição bilingue, castelhano/português), em 2005 Apenas um Tédio que a doer não chega e em 2008 Crónicas.
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