A INTERNET – por Fernando Martinho Guimarães

Não fazia a mínima ideia de que existia um dia mundial da internet. É o dia 17 de Maio. Se sabia, esquecera-o completamente. E ainda bem! Há coisas que não precisamos de reter na memória, e nem sequer nos devemos esforçar para isso. Nem para esquecer, nem para lembrar.

No meu ritual diário de ver a caixa de correio virtual, a informação sobre o dia mundial da internet chegou-me imediatamente … através da Internet. Achei uma certa piada a isto de a internet lembrar que é o dia da internet – é a mania de falar na terceira pessoa do singular. De modo que deixei, por alguns momentos, o indicador levar-me pelo hipertexto ao ritmo dos toques no rato.

François Flukiger, físico e engenheiro de formação, cientista do CERN, Centro Europeu de Investigação Nuclear, é um dos pioneiros da Internet e é autor de um conjunto de profecias feitas em 1994 sobre o futuro da Web. Da sua lista constava, evidentemente, a rapidez estonteante das comunicações, o melhor conhecimento dos outros, a promoção da tolerância e o acesso a um acervo, sempre em construção, de informações e conhecimentos. Constavam também o comportamento solitário, característica associada ao papel de simples utilizador da Web e de mero consumidor de conteúdos. E ainda o surgimento de servidores inteligentes, capazes de aprenderem os nossos “gostos” a partir das pesquisas que efectuamos e, com isso, a restrição das visualizações a assuntos que correspondam aos nossos perfis.

Do conjunto de profecias feitas em 1994, não constavam as redes sociais nem o facto de a Web, a internet, se tornar o instrumento de exacerbação do egocentrismo e do narcisismo. E, a agravar o problema, a evidência de as redes sociais se terem tornado um acelerador e amplificador da irracionalidade.

Teorias da conspiração, negação dos factos ou desvalorização e relativização dos factos pela equiparação destes a factos alternativos, informações falsas – as tristemente famosas fakenews -, a identificação pura e simples do conhecimento à crença, a utilização abusiva dos nossos dados para fins comerciais e políticos, e por aí fora. É assim que o entusiasmo que a internet suscitou aquando do seu aparecimento se assemelha com a emoção que temos quando reencontramos um brinquedo perdido da nossa infância. Brincamos com ele, mas o entusiasmo já não é o mesmo.

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Fernando Martinho Guimarães (1960) Nascido transmontano (Alijó, Vila Real), foi na cidade do Porto que viveu até aos princípios dos anos 80. De formação filosófica e literária, a sua produção ensaística e poética reflecte essa duplicidade. Publicou em 1996 A Invenção da Morte (ensaio), em 2000 56 Poemas, em 2003 Ilhas Suspensas (edição bilingue, castelhano/português), em 2005 Apenas um Tédio que a doer não chega e em 2008 Crónicas.