POEMAS DE INVERNO – por Ana Margarida Borges

Foto by Ana M. Borges

Sextilha de Inverno

Já me anoitecem os passos
Quando à varanda me chego.
Chove frio nos meus braços
Galhos secos, desapego.
Inverno, lume, lareira
Fogo e cinzas. Vida inteira.

Foto by Ana M. Borges

Olhares

Entre nuvens esfarrapadas
E tímidos sois
Um ténue fio de luz
Enlaça
Este inverno
Salpicado de prata.
Árvores arrepiadas
Vestem-se de esperas
E o meu olhar
Ora nítido ora baço
Sonha primaveras
Atrás da vidraça.

Foto by Ana M. Borges

Quadra

Ai se a paixão me chegasse
Como camélias no Inverno
Talvez no chão espalhasse
Versos de um amor eterno.

Natal

Talvez haja algures
Um Dezembro limpo
Uma certa rua
O menino e eu
Em forma de assim
__Um anel de sol
__Um brinco de lua
E o Jesus que eu não sinto
Mais perto de mim.

É CARNAVAL

E  nem mesmo Deus
Me leva a mal
Neste manto multicor de gente desalmada
Perdendo-se
Em bebedeiras de ilusão.

*

Deixei-me solto nos braços da festa
Travestido de frágeis metáforas insolentes
De contentamentos descontentes
De sonhos arrebatados em contramão

*

Só por hoje, saio de mim__
Piso palcos de êxtases e de pandeiros
Batendo dentro do peito
Com a rua entrando Carne Vale adentro.

*

E eu fico assim meio sem jeito
Pavoneando-me
Nas curvas e contracurvas
Da minha infância perdida.

*

Aposto todas as fichas do cansaço
Em folia em fogo em fantasia
No meio de corpos sequiosos
De sedas. De quimeras. De abraços.

*

Eu sei
Amanhã são cinzas.
É lume apagado
É sonho adiado.

*

Entro em casa
Penduro a máscara
E invento-me
Numa outra solidão.

Foto by Ana M. Borges

MAGNÓLIAS

Sigo ainda
Dentro das palavras fatigadas
As que ouso navegar
Na barca indefesa dos meus sonhos
Dourados de fé e fantasia.

E prendo magnólias ao olhar
Com que pinto a penosa lentidão das horas
Tricotando o  tédio e a tempestade
Nos invernos desassossegados.

Ó deuses
Protegei-me do fascínio dos abismos
Com o eco das demoras
Em terreno movediço de ternura.

Só vós sabeis
Vestir  os meus gestos com  flores
Cravejadas de doçura
Espalhando à toa o seu perfume
No frio desigual
Da minha rua.

Foto by Ana M. Borges

Despontar

Apesar do inverno deste Norte
Castigando a Natureza tão severo
A força do meu olhar é tão forte
Que entre folhas tocadas pela morte
Descubro em botão a primavera.

Foto by Ana M. Borges

Instantes de chuva

Na minha cidade
Pontilham de cores o meu pensamento.
Solitária me sinto no meio da gente
Tal a beleza que só eu pressinto
Na água que escorre do céu que me espreita
E rio-me sozinha das doces quimeras
Com que bordava o mundo
No tempo invencível da fugaz primavera.

Ah como por vezes nos cegam os sentidos__
Um dia de chuva pode ser tão bonito
Como bonitos eram teus olhos molhados
Morrendo de amor
Nos meus braços suados

Foto by Ana M. Borges

Hoje não

Talvez amanhã
Eu  me solte
Como camélia florindo
Em pleno inverno
Hoje está sol
E faltam-me rimas
Mais que perfeitas para te comover.

Deixa-me estar assim
Vestida de gestos azuis
No silêncio.
Amanhã inauguro contigo
Um novo sonho

♦♦♦

Ana Margarida Gomes Borges Nascida em 31 Outubro de 1951, em Vila Pouca de Aguiar. Professora do Ensino Secundário – Aposentada. Diseuse ou dizedora residente no Porto. Participação poética em várias colectâneas e revistas em Portugal, Brasil e Galiza. Um livro de poesia a solo “JÁ NÃO MORO AQUI” resultante de um primeiro prémio em concurso literário. Distinção noutros concursos literários.
Publicou o seu 2º livro de poemas em Março de 2019 “ TALVEZ SE ME EMPRESTARES UM DESSES VERSOS”.