CONTO LEVEMENTE ERÓTICO – por Cecília Barreira

Obra de Washington Arleo

Viúvo há escassíssimos meses.

Quando a mulher ainda era viva, conhecera, através das redes, uma rapariga de ofuscante beleza, casada e com filhos adolescentes.

Apaixonou-se logo.

Mas conseguia disfarçar.

Joelma passou a telefonar regularmente.

Rui em êxtase.

Mas a então esposa, sempre a escutar.  Os diálogos nunca iam longe.

Joelma, nos seus quarenta anos, não encontrava nada de cativante no Rui.

(No mural colocava poemas de um livro publicado em 2001).

Indagou,

Porque não poesia recente,

Rui, embaraçado,

-Lá virá o seu tempo-.

Porque contactara com Rui?

Estava-se em pandemia.  O tédio instalara-se.

E ao interagir, sempre se divertia. Através do Face falava com múltiplas pessoas.

Joelma sabia do impacto junto do público masculino.

O marido não apreciava vê-la ao telemóvel com homens.

Mas ela sempre com bons argumentos,

– São ótimos contactos profissionais além de todos serem sem exceção casados e  com filhos -.

Rui, obcecado com Joelma.

Mas  não queria ferir Laura.

O que é um facto é que Rui e a mulher fizeram uma breve estadia  a Sintra onde havia um jardim apalaçado.

Ao vivo, Joelma e a prole.

Rui quase que se não continha.

Até urinou involuntariamente.

Estava toldado.

Tudo em Joelma era belo.

O desejo em flecha.

E o tempo foi passando.

Laura súbito adoece.

Morreu no hospital em poucos dias.

Rui, muito em baixo.

Mas com esperança de que Joelma o acarinhasse.

E sim.

Nos telefonemas, meiga. Depois eram horas e horas a perorar sobre os  filhos, o trabalho, ou  de perfis no Face.

Rui, a precisar de palavras doces.

(Joelma dava uma no cravo outra na ferradura.)

Rui desesperava.

Não se contendo, desloca-se  como um louco à zona do país onde a amada morava.

Marca-se encontro numa esplanada central.

Joelma surge de máscara com o marido e descendência.

Rui quase sempre sem máscara.  Fumava e bebia cervejas umas atrás das outras. Soltava risadas nervosas.

(Os maços de tabaco eram escassos, para o que consumia).

Acrescentou,

-Uma breve estadia de trabalho e muito apreço pela guarida-

Joelma acenou um levíssimo sim, com o assentimento do cônjuge

E  assim  usufruiu de duas noites na casa da amada no quarto de hóspedes.

Para drama maior os jantares eram  prolongados com o marido dela a falar num desatino a que se juntava o vozeirão dos rapazes adolescentes.

Depois, já lá para a meia-noite, é que Joelma se pôde deslocar com ele, tal boa anfitriã, ao quarto  destinado.

Rui, cruzando os dedos.

Ofegante.

Joelma, entediada, estende-lhe a cara, a certa distância.

Rui espeta-lhe a língua e com as mãos puxa-a para si.

Joelma, repugnada com o odor a tabaco e cerveja, afasta-se. Mas dá-lhe alguma esperança.

– Temos ainda amanhã -.

Rui, exasperado.

Então, não o desejava?

Que mal é que tinha feito?

(Podia ser que no dia seguinte).

Joelma nada sentia por Rui.

Mas dava-lhe jeito que ficasse sob a sua alçada.

Encontraria uma maneira de o contentar.

Em vez de beijos, toques.

Mas Rui queria mais.

No dia seguinte, Óscar cada vez mais atento ao recente amigo da mulher.

Rui bufava.

Queria estar com Joelma.

Lá o deixaram de boleia no centro da cidade.

Mal pôde, telefonou:

– Quero estar contigo, mas sozinho-.

– Estou aqui com os miúdos e o Óscar-.

– Mas à noite-.

– Vou tentar.  O Óscar é desconfiado-.

(Joelma tinha sempre em casa whisky velho.

Bebia quando era obrigada a fazer amor com o marido.

O álcool neutralizava-a).

E assim foi.

Mais um jantar prolongado.  O marido em algazarra.

No fim, Rui recolhe ao quarto.

Joelma   bebe. E bebe.

Aborrecida, desloca-se resignada ao quarto dos fundos.

Rui apalpa-a, beija-a e prepara-se para mais.

Ela esquiva-se.

– Que o Óscar já a tinha chamado para a cama-.

(Rui pensou,

Isto já está um pouco melhor que ontem -).

Quando Joelma finalmente se preparava para dormir, viu o desejo estampado na cara do marido.

Exigia sexo.

– Mas o Rui está ali-.

– Não fazemos barulho-.

– Não me apetece-.

– Apetece sim. Não precisas de te despir-.

Pega nela e estende-a na cama.

Colocando-se por cima, invade-a tal predador.

Ela, meia anestesiada com o whisky, adormece violentamente ainda durante o ato.

Óscar já estava habituado.

No dia seguinte Rui apanhou o comboio de regresso.

Joelma lembrava-se vagamente da noite anterior.

Rui? Óscar?

O desejo?

Apenas com Vasco, nos seus 18 anos.

Mas ele ausentara-se algures para os Estados Unidos.

Nunca mais desejou nada nem ninguém.

O casamento, uma proteção obrigatória para a vulnerabilidade de uma mulher.

♦♦♦

Cecília Barreira nasceu em Lisboa, licenciou-se em História na Faculdade de Letras de Lisboa e entrou como assistente estagiária na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, nos anos 80.  Em 1991 defendeu doutoramento na FCSH e em 1999 agregou-se em Cultura Portuguesa Contemporânea. É autora de muitos ensaios  sobre figuras do pensamento contemporâneo. Escreve poesia como hobby. Pertence ao CHAM-Centro de Humanidades como Investigadora Integrada.