AS GÉMEAS – por Cecília Barreira

 

AS GÉMEAS

Eram irmãs. Cada uma com o seu namorado. Gémeas, iguais. O mesmo cabelo, o tique de mexer na repa.

Sempre cúmplices.

Janus e Hélio muitas vezes com dificuldades em perceber quem era uma ou outra.

Eram ambas Mary. Uma, Mary Sue. Outra, Mary Pue.

Mas quantas vezes não trocavam de identidade, de propósito.

Ambas já conheciam sexualmente os dois rapazes.

Era divertido.

Fartavam-se de rir.

Num baile de finalistas apareceram as duas iguais como sempre.

Mari Sue notou que uma rapariga chorava timidamente ao fundo do salão.

Foi ter com ela,

– Porque choras? -.

– Coisas sem importância-.

– O quê? -.

– O meu namorado deixou-me-.

– Arranjas outro-.

– Não é fácil-.

– Homens não faltam por aí. Vês aquele que está sozinho. Vai até lá-.

– Tu não percebes. É um tabu-.

– O quê? -.

– Eu gosto de uma rapariga-.

– Ah. E ela deixou-te por um homem? -.

– Não. Por outra-.

– Ela está aqui? -.

– Sim. Mas eu não menciono quem é porque ninguém sabe-.

 

Mary Sue começou a observar por todo o lado. Poderia ser que descobrisse.  Era um assunto que falava muito pouco com a irmã.

E notou que uma rapariga se encontrava apaixonadamente com outra.

Aproximou-se.

– Posso ficar aqui ao pé de vocês? -.

Ambas, melindradas com aquela intrusa.

Mary notou e acrescentou:

– Vou-me embora para conversarem à vontade-.

Procurou a irmã.

Estava com um rapaz desconhecido.

Aproximou-se

– Mary, depois quero dizer-te uma coisa-.

A gémea deixou o rapaz e foi ter com ela

– Sabes que por aqui há paixões homossexuais entre mulheres? -.

– Nunca tinha dado por isso-.

– Estás a ver aquela rapariga com ar sofrido? Ou me engano muito ou foi deixada por aquela ali, que visivelmente está quase em cima de uma outra.

– Mas esse assunto interessa-te? -.

– É só para espicaçar a curiosidade-.

– Mas o que podemos fazer? -.

– Nada. Encontrar alguém para a que está sozinha-.

– Mas aqui conheces outras assim? -.

– Não-.

-Então, nada a fazer-.

E Mary Pue voltou para o rapaz.

 

Mary Sue foi ter com a rapariga excluída.

Perguntou-lhe se era a sua primeira experiência.

– Por acaso foi-.

– E então, conta-me pormenores.

A rapariga não apreciou o ar inquisitorial de Mary, deu uma desculpa e ausentou-se.

Mary Sue percebeu que se tinha excedido.

Entretanto, chegavam os namorados das gémeas.

Mary Sue referiu à irmã que não estava para os aturar. Ela que tratasse.

E arrancou com o   carro em alta velocidade.

Estava já um pouco cansada daqueles dois. Eram previsíveis.

Em casa tomou um banho rápido e foi dormir.

 

Nos grupos de jovens, as duas gémeas pertenciam a núcleos diferentes. Se uma não pudesse ir, ia a outra.

Estava tão habituada à irmã, eram tão atentas uma com a outra, que já não se imaginava de outra maneira.

Na universidade andavam em cursos e cadeiras diferentes.

Mary Pue era mais trabalhadora e fazia os testes à irmã.

 

Naquele dia Mary olhou para o longo anfiteatro de alunos.

Em baixo estava o professor, já velho, e com mau feitio.

Ninguém gostava dele.

E, sem querer, repara naquela rapariga lacrimosa ao lado da namorada.

Tinham feito as pazes.

Olhou-as melhor.

Uma de ganga e com uma blusa mal-enjorcada.

A outra, muito bem vestida e interessante.

Às gémeas faltava esse pormenor. O mundo lésbico.

Não que fosse essencial. Mas sempre era uma experiência.

Agora o professor estava a fazer-lhe uma pergunta

Respondeu ao calhas.

A aula era tão obsoleta que resolveu fingir que tirava apontamentos, mas estava debruçada no telemóvel.

Reparou num rapaz lindíssimo que nunca tinha aparecido. Parecia um ator de Hollywood.

E havia a ativista. Era negra e pugnava pelos direitos dos mais desfavorecidos.

Acabada a aula continuou a seguir de longe as apaixonadas.

A mais bonita entrou na biblioteca. A outra foi para um dos bares.

Entrou na biblioteca.

– Então, tu aqui? Já está tudo bem? -.

– Não. A minha namorada ora está comigo ora está com outra-.

– E a ti não te aborrece? -.

– Eu se pudesse apaixonava-me por outra pessoa-.

– Deve ser fácil. És bonita. Nunca tentaste um rapaz? -.

– Tentei. Mas não gosto-.

– Qual a diferença? -.

– Muita-.

– Queres namorar comigo? -.

A rapariga desatou a rir.

– Contigo ou com a tua gémea? -.

-Porque dizes isso? -.

– Porque toda a gente sabe que as duas partilham tudo. Desde namorados a amigos, a testes e exames.

Mary Sue ficou chocada. Isto dito assim era duro.

Afastou-se

Telefonou à irmã.

 Era urgente

-O que foi? -.

– Consta por aí que partilhamos tudo. De namorados a exames-.

– Não te preocupes. Nós controlamos a situação-.

– Mas eu não sabia que toda a gente pensava isso-.

– Repara que andamos sempre iguais. Até no vestuário-.

– Amanhã vou pintar o cabelo de negro. E vou comprar roupa nova-.

– Mas porque ficaste tão chocada? -.

– Pensei que era o nosso segredo-.

– As pessoas não são parvas. E repara nos benefícios académicos. Eu faço-te os exames.

-Então deixamos tudo como está? -.

– Sim. O que jurámos uma para a outra. Que partilhamos tudo, até as paixões-.

Disse-lhe que já não suportava o namorado.

A irmã, sentia o mesmo.

Havia um segredo que só a mãe delas conhecia para as distinguir. Um sinal preto nas costas que Mary Sue tinha e a irmã não.

– Vamos procurar namorados mais sedutores?

– Vamos-.

E assim era o quotidiano das gémeas. As identidades num espelho.

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Cecília Barreira nasceu em Lisboa, licenciou-se em História na Faculdade de Letras de Lisboa e entrou como assistente estagiária na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, nos anos 80.  Em 1991 defendeu doutoramento na FCSH e em 1999 agregou-se em Cultura Portuguesa Contemporânea. É autora de muitos ensaios  sobre figuras do pensamento contemporâneo. Escreve poesia como hobby. Pertence ao CHAM-Centro de Humanidades como Investigadora Integrada.