A LIBERDADE – por Manuel Igreja

“Gaivota”, por Clarice Lispector.

Por razões de circunstância que somente terão a ver com coincidência, nas últimas quase cinco décadas, em Portugal a palavra Liberdade surge-nos quase geminada com a palavra Primavera.

Apetece-me dizer ainda bem, pois uma e outra dizem-nos daquilo que mais belo existe na vida de uma pessoa. Há muitas outras mais, mal de nós se as não houver, mas esta duas provocam-nos um brilhozinho nos olhos e um encher d’alma.

Apreciámo-las, vivemo-las, mas nem sempre as sentimos, nem sempre lhes damos a devida nota. Damo-las se calhar demasiadamente garantidas porque se nos entranharam como algo de natural, como algo que está no nosso destino de bem-aventurados quando comparados com outros de outros lados.

No entanto, diz-nos a sabedoria nascida da experiência transformada em sapiência que nada é garantido a não ser a morte, pois bem sabemos sito de se estar vivo ainda um dia acaba mal, como alguém disse. Quanto ao resto, tudo muda na certeza de que a única coisa permanente é a mudança.

A primavera por exemplo já não é o que era. O tempo anda incerto e trocado no universo com o S. Pedro a ver-se à nora para cumprir a missão de a mando de Deus Nosso Senhor regular o sol e a chuva que nos manda, por mor dos desmandos que nós cá por cá insanamente praticamos no globo azul que nos emprestaram para viver.

Há quem diga que quanto a isso, temos liberdade a mais e bom senso a menos, coisa grave, pois a cada pedaço de liberdade deve corresponder em dobro um pedaço de responsabilidade. Todos lemos, ouvimos e lemos, mas não queremos saber e deixamos andar até ver o que isto dá.

A Liberdade tem destas coisas, por isso praticá-la tem que se lhe diga, muito mais porque ainda não aprendemos a saber fazê-la nascer em nós cuidando como sendo uma flor. Futuramos que a temos porque no-la deram para uso imediato. Não aprendemos ainda que o solo do seu germinar é o pedaço que cada um de nós é.

Só depois de florida em cada nossa eterna primavera a podemos oferecer esperando dos outros igual e sublime gesto que nos diferencia e nos eleva até ao firmamento da tolerância vivida e sentida em cada momento nas encruzilhadas da vida.

A Liberdade forja-nos. No entanto, cabe-nos individualmente dar-lhe lume, para que seja uma chama que ninguém pode apagar. Temos de saber ser livres permitindo a liberdade dos outros, cerceando apetites imediatos e moldando atitudes de respeito, de solidariedade e de igualdade, através do encanto das coisas simples e belas.

Na primavera de mil novecentos e setenta quatro, na madrugada daquele dia inteiro e limpo, como escreveu a poetisa maior, um mero acaso fez com que uma mulher que seguia rua acima abraçada a um molho de cravos, colocasse um no cano de uma espingarda dando forma a uma imagem icónica tornada símbolo de mil esperanças.

Foi o início. Está na nossa mão. Sigamos o voo das gaivotas com asas de vento e coração de mar. Seremos livres na linda primavera. Quem nos dera!

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Manuel Igreja Cardoso, nasceu em 1960 no concelho de Armamar e reside na cidade do Peso da Régua no Alto Douro Vinhateiro.
Licenciado em História, a par da sua atividade profissional da EDP – Energia de Portugal, desenvolveu nos últimos 25 anos uma profícua atividade na escrita de contos, artigos de opinião e de crónicas que tem vindo a publicar em diversos jornais regionais.
Tem publicado um livro de contos, um com a história da Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua, e outro com história da ACIR – Associação Comercial.