POESIA E IMAGENS de Lucinda Loureiro

Fotografia de Lucinda Loureiro

PALAVRAS

Vou-me vestindo de palavras.
Palavras à solta,
De rédeas curtas.
Recuso as esporas, as farpas,
Os trajes de luzes e os ferretes.
Leio-me nos versos soltos, sem edição,
Sem filtros ou construção.
Não conheço regras, nem métricas.
Vou-me despindo com palavras,
Em possíveis poemas

Fotografia de Lucinda Loureiro

INFÂNCIA

Jardim da minha infância
Da minha infância descuidada
Jardim de correrias/gazela solta
Pernas e joelhos arranhados.
Regos abertos à força da enxada
De roupa branca lavada por mãos
Calejadas.
Saudades de outrora…
Mas mais saudades d’Agora.

Fotografia de Lucinda Loureiro

CONSTIPAÇÃO

Hoje ainda não tirei o pijama

Mas que grande constipação

Não apanhei nenhum vírus

É uma constipação da alma.

Espirro angústias

Tusso perplexidade

Tenho arrepios de dor

Tenho febre de paz.

Deixo-me estar de pijama.

Hoje estou com uma grande constipação.

♣♣♣

Fotografia de Lucinda Loureiro

♣♣♣

VIAGEM

Viajar…

Ser pássaro e voar.

Partir…

Ser borboleta e ir.

Esquecer…

Ser livre e amanhecer.

Rasgar…

Ser céu e voltar.

♣♣♣

TENTATIVA

Tento. Todos os dias tento.
Olho pro teclado e penso.
Paro. Ouço gente que passa.
Vou à janela. Olho.
O chão molhado espelha as luzes da cidade.
_ És tu Mário de Sá Carneiro?
Soltaram os palhaços e os acrobatas? _
Máscaras, gritos e gargalhadas.
Ah estou velho e cansado.
Dói-me o joelho das artrozes.
O meu corpo flácido e enrugado
Já não acompanha os foliões na calçada.
Passam rápidos aos saltos e aos pinotes.
Do alto do meu quinto andar esquerdo
Lanço, serpentinas e confettis, voam e jazem
Lá em baixo no passeio mudos e quedos.
Acorda em mim a criança que fui outrora.
Apetece-me atirar aos jovens que passam
Bombas de mau cheiro e estalinhos coloridos.
É Carnaval, ninguém leva a mal.
Fecho a janela. Continua a chover.
Fica em mim um sorriso nos lábios.
Volto ao teclado e escrevo.

Troveja.

Esgaça-se o céu em rasgões de luz.
Troam as vozes dos deuses,
Zangados com tanta podridão:

Dormem corpos abandonados na beira da estrada,
Fogem meninos de atiradores furtivos,
Sufocam seres marinhos com os corpos plastificados!

Troveja.

Rezam a Santa Bárbara velhos abandonados e sozinhos.
Despedem-se filhos de mães chorosas e de peitos caídos.

_ Que voltes cedo e bem! _

Matam-se animais em arenas vestidas de trajes de luzes.
Suicidam-se jovens esgotados de tanta frustração.
Venham trovoadas renovadoras e chuvas torrenciais!
Venham rios de água límpida e fontes abundantes!
Ah, troveja, por fim troveja.

♣♣♣

À DERIVA

Espartilhada nesta alma à deriva,
Não sou de lugar nenhum.
Vagueio com os sentimentos às costas,
Vagabunda do meu desatino.
Queria estar aqui inteira, ou ali
Sossegada.
Pesa-me o que transporto. Dói-me a cabeça,
Os braços e as pernas.
Dia de sol intenso e chove-me cá dentro.
Um rio de lama sangrento corre-me nas veias.
Embolias no sorriso afastam-me da tranquilidade.
Anda, vem dançar… anda, vá! Solta a gargalhada!
Deixo-me ficar deitada, estendida à sombra da minha alma.
Bicho-de-conta, enrolada na fragilidade.
Não me digam nada!
Isso! Deixem-me estar!
Não me obriguem a ser gaiata. A vida continua, sim.
Hei-de lá chegar. Sou quem sou, agora.
Sou de lugar nenhum.

♦♦♦

Lucinda Maria Portugal Leal de Loureiro – nascida em Viseu, 61 anos de vida,  41 de profissão, actriz por paixão, em Lisboa, estou pronta para a RTP Memória. Tive um filho, plantei árvores, escrevo umas “tretas”, estou pronta para fazer um livro e talvez acrescente um ou dois contos.

Apaixonei-me vezes sem conta, desiludi-me outras tantas, posso passar na Alta Definição. O que dizem os meus olhos? Dizem que gosto de viver. Dizem que gosto da segunda, da sexta, da sétima, e oitava arte. E de um copo de champanhe.