ROMANCE – por Luís Bento

Caminhei sobre tapetes, depois sobre o chão envernizado, em que quase andava em pontas e finalmente, o rebordo de pedra a dar para o jardim onde enterrei, logo, o pé direito na lama. Mais dois passos e alcancei o banco de pedra sob o velho castanheiro centenário, do tamanho da metáfora, onde me sentei. A minha vida tem sido um vazio constante, sem morada fixa para cartão de visita, mas que, ainda assim, consigo encher de fantasmas e fantasias. Uma vez comecei a escrever um romance, mas parei quando duas personagens morreram a meio da história, uma atropelada, a outra, um homem de quarenta anos, lembrou-se num domingo, que estava atrasado para ir ver o pai ao lar. Meteu-se no carro e já ia em Vila Franca, a caminho das Caldas, quando se apercebeu de um facto terrível: o pai morrera no passado mês de agosto, encostou na berma, enfiou a cabeça entre as mãos e começou a chorar acabando por sucumbir a uma síncope.
Fiz um parágrafo com espaçamento a um e meio.
Deixei-os lá ficar.

René Magritte, La Corde Sensible

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Luis Bento. Nascido em 64, foi professor, empregado bancário e procura novos desafios profissionais enquanto gere o blog bento-vai-pra-dentro-bento, onde publica textos de prosa ligados à crítica de costumes, reflectindo sobre a sociedade portuguesa contemporânea. Mantém colaboração dispersa em revistas foi finalista publicado no Prémio Novos Talentos FNAC da literatura 2012, Poesia da Vila de Fânzeres 2015 e Prémio de Literatura Lions Club 2017. Frequenta o mestrado de Comunicação e Artes na FCSH da Nova.