MAYA DEREN – UCRÂNIA – (1917-1961)

Maya Deren (1917-1961) não publicou livros de poesia. Seus poemas se encontram em algumas edições póstumas e no arquivo aberto em seu nome no Howard Gotlieb Archival – Centro de Pesquisa da Universidade de Boston, Estados Unidos. O acervo se encontra inconcluso, desde a morte do curador Robert Steele. Poeta, fotógrafa, coreógrafa, sua criação melhor se definira pela concentração de todas essas forças criativas no ambiente do cinema experimental, gênero no qual é considerada uma das vozes mais expressivas e precursoras. Na linguagem dos curtas se encontra a sua melhor poesia. Em alguns deles trabalhou ao lado do marido, o músico e compositor japonês Teiji Ito (1935-1982), autor das trilhas sonoras. Maya foi também profunda conhecedora do ambiente mágico em torno do vodu, tendo vivido por quase dois anos no Haiti, filmando rituais e danças, e vindo a se iniciar como sacerdotisa daquela religião. Aí reside a maior influência de sua obra, chegando a escrever, com o acompanhamento crítico de Joseph Campbell, o livro Divine Horsemen: The living gods of Haiti, em 1953, importante estudo etnográfico. Maya reside nos Estados Unidos desde 1928, quando a família sai da União Soviética graças a emprego de seu pai no corpo clínico de um hospital psiquiátrico em Nova York. Entre suas amizades figuravam André Breton, Marcel Duchamp, Anaïs Nin e John Cage. Um de seus curtas mais conhecidos, Meshes of the afternoon (1943), é premiado na categoria experimental do Festival de Cannes, sendo também a primeira vez que uma mulher é premiada como diretora nos Estados Unidos. Quase duas décadas após sua morte, o Instituto de Filme Americano cria o Prêmio Maya Deren, para cinema experimental. Outros de seus filmes: At land (1944), Ritual in transfigurated time (1946) e The very eye of night (1955). [FM]

NUNCA SOZINHO

Nunca sozinho! Nunca sozinho! Há sempre alguém por perto Alguém me segue como um vizinho. Nunca sozinho! Nunca sozinho! Talvez pense estar sozinho, Mas há sempre alguém por perto. Alguém seus segredos sabe, E tem de sua gaveta a chave. E agora de quem falo decerto Exultarás em saber ao certo Que é Deus, é Deus, Deus Onipotente, Que se mantém tão perto.

[QUANDO CAI A CHUVA E A CIDADE INUNDA]

Quando cai a chuva e a cidade inunda
E os cidadãos honestos da rua
tentam manter as tábuas
secas…
Eu faço água.
Quando falta água e o gado míngua
e de sede me aflijo
e água pra mim exijo —
Porra!
Eu ainda mijo.

PARA F. M.

Esperei por ti nos campos do entardecer
Olhos fechados, deitei sobre a grama
Ouvindo sons de passos no balançar das árvores;
Esperando que meus lábios sentissem lábios onde a brisa suave estivera;
O corpo reto para sentir o calor de mãos onde o calor do sol brilhara.
Não vieste. Voltei para dentro
Reclamando que o sol se punha
E o vento estava muito frio
Que as árvores eram muito barulhentas
E melhor seria dormir dentro de casa.

[DEVE SER FEITO COM ESPELHOS]

Deve ser feito com espelhos
minha cabeça não repousa em nada no meio do ar.

Onde está meu corpo
onde oh onde?

Posso ver as pedras
ocultas nas mãos.

Oh trazei meu corpo de volta, de volta,
Oh prodígio trazei-o de volta
Antes que os espelhos se partam.

MEU DIA

A criança idiota de três olhos
que joga sem parar seus jogos sem sentido
no meu quintal
e pára de repente para rir ou chorar
sem nenhum motivo
ficou enfurecida com nada esta manhã
e bebeu toda a sopa do caldeirão.

Seu cachorro de duas patas mijou por todos os meus tapetes.

Quando saí para pendurá-los para secar
percebi que os dois haviam despelado
por todo o gramado. Enquanto cuidava disso
incendiaram a casa, usando-a para cozinhar
os espaguetes que enrolaram ao seu redor.

Quando cheguei na Ásia, ambos estavam contemplando
seus umbigos. Após uma inspeção minuciosa, descobri
que havia aquários de peixe dourado embutidos em suas barrigas
nos quais tinham enjaulado um casal de pássaros cantadores.
Fora isso que na verdade prendera sua atenção.

Na Índia, enquanto eu nadava, me pegaram em uma linha
e me arrastaram até Paris, onde começaram a pintar
e ficaram famosos. Receberam palitos de dente como pagamento
e os trocaram por passagens em uma baleia transatlântica.

Após essa árdua jornada ambos dormiram quarenta dias
gritando de pesadelo a cada sete minutos.
Depois saíram para o quintal para jogar.

*****
Poemas traduzidos por Márcio Simões. Obra consultada: From the Notebook of Maya Deren (1980) e Essential Deren: Collected Writings on Film (New York: Ed. Kingstone, 2005).

Sugestão de vídeo:

1. Meshes of the Afternoon (1943)
https://www.youtube.com/watch?v=0uufBvE93MM
2. At Land (1944) – Maya Deren
https://www.youtube.com/watch?v=FYdf8xxDlIg
3. Maya Deren – Ritual in Transfigured Time (1946) – Music added (2015)
https://www.youtube.com/watch?v=bKyYI7i3FVM
4. Modern Women: Barbara Hammer on Maya Deren
https://www.youtube.com/watch?v=3pTVbQilDqY
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SURREALISMO A PALAVRA MÁGICA DO SÉCULO XX
Dossiê a cargo de FLORIANO MARTINS
Cumplicidade editorial: revista Athena (Portugal) e Agulha Revista de Cultura (Brasil)

Índice geral

01 | 1896-1966 | França | ANDRÉ BRETON
02 | 1898-1978 | França | VALENTINE PENROSE
03 | 1903-1956 | Peru | CÉSAR MORO
04 | 1904-1987 | França | ALICE RAHON
05 | 1906-1999 | Reino Unido | EMMY BRIDGWATER
06 | 1910-1997 | Argentina | ENRIQUE MOLINA
07 | 1914-1987 | Grécia | MATSI CHATZILAZAROU
08 | 1914-1987 | Japão | KANSUKE YAMAMOTO
09 | 1917-1961 | Ucrânia | MAYA DEREN
10 | 1920 | Portugal | CRUZEIRO SEIXAS
11 | 1925-1988 | Bélgica | MARIANNE VAN HIRTUM
12 | 1927 | Chile | LUDWIG ZELLER
13 | 1929 | Portugal | ISABEL MEYRELLES
14 | 1933 | Brasil | ZUCA SARDAN
15 | 1934-2011 | Cuba | JORGE CAMACHO
16 | 1936 | República Checa | ARNOST BUDIK
17 | 1944 | Brasil | LEILA FERRAZ
18 | 1946 | Portugal | NICOLAU SAIÃO
19 | 1953 | Gales | JOHN WELSON
20 | 1961 | Chile | ENRIQUE DE SANTIAGO