SINOPSE DE UM APEADEIRO ANUNCIADO – por Ana Matos

No limite da angústia, naquele umbral onde basta um sopro para o desequilíbrio e a queda no abismo da demência, encostei-me à cadeira vazia, que rangeu pelo súbito arrasto, na esplanada de um qualquer café. Os óculos escuros carbonizavam as parcas nuvens e resguardavam-me do dia, do mundo, da vida…Trazia ainda impregnada no céu-da-boca a ausência das tuas palavras – um lastro de saudade e desistência.

– Sente-se bem? Precisa de alguma coisa? – As duas perguntas crisparam-me a nuca e, sem saber, quem as formulou havia-me colocado um desfibrilhador que me sacudiu e me trouxe de volta mesmo que a sítio nenhum. Respondi, buscando a calma da frase e a própria frase:

– Se me trouxer um café ficarei ainda melhor, muito obrigada. – Assim, de sorriso vago e pintado sem a menor ideia do sabor que qualquer bebida pudesse ter.

Não. Não me sentia bem. Sentia-me enrolada pelos lençóis que engelhamos na busca de uma esperança qualquer por dentro de nós. Sentia-me trespassada por essa mesma esperança engalfinhada no meu peito sangrando cada segundo de um amanhã que não iria existir na primeira pessoa do plural. Sentia-me traída, atraiçoada, insidiada pelas promessas que ficaram tombadas pelo chão do silêncio amarfanhadas junto à nossa roupa.

Sim. Preciso sim. Preciso que voltes o rosto quando sonho contigo. Preciso que não me largues a mão nunca, mesmo quando o nunca atravessa cada beijo com que nos despedimos. Preciso que me rasgues as noites em pedacinhos e os guardes em arcas de cânfora viradas a nascente, para que eu acorde sempre, em oração, só porque te sei ali. Preciso que a tua vida se funda em lava e saliva e escorra por dentro de mim nos próximos séculos.

Nua da tua pele, de ti e de nós, bebo o café já frio sem lhe sentir o aroma. Fumo um cigarro, dolente, após aquele orgasmo de condolência. Olho e vejo o trânsito e a cidade como se acabasse de ter partido sabendo-me sem regresso.

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Ana Matos. Não se lhe conhece nenhum  registo que possa ser associado ao que escreve, mas desabafa nos papéis desde 1976 e garante que o que escreve, tem ficado nos papéis. Esta Sinopse é mais “um papel” que fugiu para ver os olhos dos seus leitores.

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