DA ADOLESCÊNCIA E DA JUVENTUDE – EDITORIAL POR ARTUR MANSO

DA ADOLESCÊNCIA E DA JUVENTUDE. EQUIVOCOS E OMISSÕES

Recentemente ocorreram quatro episódios sobre a vida dos adolescentes a iniciar a juventude, que alarmaram os frequentadores das redes sociais e consumidores de séries, o novo entretenimento de quase todos. Falo de Adolescence (2025), Adolescência em português, dos criadores Jack Thorne e  Stephen Graham, e realização de Philip Barantini. O enredo gira em torno de Jamie Miller (Owen Cooper), um estudante inglês de 13 anos que é preso por ter assassinado uma colega da escola. A trama, só por si, não traz nada de novo porque jovens assassinos de seres humanos da mesma idade ou de idades diferentes, são constantes ao longo da história da humanidade: no passado, no presente e no agora. Nos primórdios da internet tal como a conhecemos, e ainda longe das redes socias, mesmo que em contexto diverso, já tinha sido adaptado ao cinema (1990) o romance ficcional de William Golding, O deus das moscas (1954), onde é descrito, o inaudito grau de crueldade entre os jovens em situação limite. Entre outros exercícios cinéfilos, veja-se também o filme de Hector Babenco, Pixote, a lei do mais fraco (1980) onde se pode conferir todo o tipo de violência dos mais jovens, mas essencialmente, um quotidiano dentro dos centros educativos juvenis onde a violência física e verbal entre todos, as crianças e jovens que deveriam ser cuidadas, e os cuidadores descuidados, onde apenas vigora a lei do mais forte, no confronto constante físico e verbal, com mortes à mistura, de uns e outros: os que devem ser educados e aqueles que deveriam educar. Estranhamente este ambiente que era tolerado nos centros de reinserção juvenil, migrou, como se observa na referida série, para o ensino universal e obrigatório, sendo agora quase normal em qualquer escola, de qualquer ciclo, em qualquer lugar. Portanto, a nova realidade sob o signo da internet e redes sociais, e os grupos que por aí pululam para levar os jovens instáveis a abraçar ideários extremistas e anti humanos é só mais um passo na concreção da maldade inerente à comunidade humana. Estes movimentos seguem na linha de outros igualmente perversos e violentos ligados a organizações sociais e religiosas de culturas ocidentais e não ocidentais, que também foram bem sucedidos no recrutamento de fieis às suas causas sem o recurso ao ciberespaço. Para nos situarmos, convém, portanto, referir que a crise da sociedade e da escola que a integra já não é de agora, apenas as circunstâncias mudaram, nada mais. O que se segue é a posição sobre o tema de quem há mais de 50 anos se dedica a aprender e a ensinar.

O que há, de novo, na adolescência e na juventude num mundo global onde a violência está presente no quotidiano de cada um, nas notícias, nos écrans, na família, no bairro e agora na internet com expoente máximo nas redes sociais? A que se deve tanta histeria acerca dos impulsos mais básicos dos seres humanos? Precisou o mundo ocidental de ver uma infeliz trivialidade, que sendo um comportamento limite, se repete em todos os tempos e lugares, para questionar a evolução tecnológica e o pouco sentido que se encontra nas comunidades escolares? Talvez sim, porque se estes comportamentos não são novos, o facto de agora, quando ocorrem, envolverem adolescentes e jovens em idade escolar exageradamente obrigatória até aos 18 anos ou aí perto, é recente.

A ser assim, convém esclarecer alguns equívocos que se prendem com os padrões ocidentais de educação e do conceito que se passou a fazer da adolescência e juventude que nunca foram bem entendidos e agora encontram-se sobrevalorizados. As crianças, os jovens e os adultos são, por natureza, egoístas, interesseiros e egocêntricos. A diferença está que na situação de adultos, cada ser humano pensa naquilo que diz e faz, antecipando as consequências, enquanto as crianças e os jovens agem emotivamente, sem se preocuparem com o desfecho dos seus atos que em idades mais precoces, nem sequer estão em condições de avaliar. Era bom que as crianças fossem os seres puros e simples tal como são apresentadas desde os textos bíblicos “deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o reino dos céus” (Mateus, 19, 14) ou a criança como protótipo do bom selvagem que Rousseau (1712-1778) elogia. No primeiro caso Novalis esclarece que a criança dos Evangelhos não é a criança mimada dos tempos modernos, os pequenos tiranos, mas que aí se apresenta o espírito indistinto da infância. No segundo caso, Rousseau valorizando as caraterísticas próprias de infância, que não são as de um adulto em potência, também adverte: “Toda a maldade procede da fraqueza; a criança, porque fraca, é má; dai-lhe forças, torná-la-eis boa”. Por sua vez, Jean Cocteau na ficção As crianças terríveis (1929) começa por falar dos “instintos tenebrosos da infância. Instintos animais, vegetais, cujo exercício é difícil de surpreender, porque a memória não os conserva mais que a recordação de certas dores e porque as crianças se calam quando os adultos se aproximam. Calam-se e retomam ares dum outro mundo. Esses grandes comediantes sabem eriçar-se, de repente, de picos como um bicho ou armar-se de humilde doçura como uma planta, sem nunca divulgarem os ritos obscuros da sua religião. Sabemos apenas que ela exige artimanhas, vítimas, julgamentos sumários, terrores, suplícios, sacrifícios humanos.”

Compete, portanto, à sociedade e nela à escola atenuar a maldade das crianças educando-as livremente para a partilha, o respeito, a autonomia responsável, o acolhimento do diferente. Se as sociedades continuarem a forçar a educação escolar das crianças nos moldes pré definidos e facciosos atuais, o cenário descrito na referida série só irá piorar porque a criança sentir-se-á cada vez mais fraca, será mais maliciosa, porque a sociedade e a escola não a ajudam nem a estimulam no caminho da bondade, da compreensão e da partilha que precisa de trilhar. Este poderá ser o melhor dos mundos possíveis como sustentava Leibniz (1646-1716) e parodiava ou contrapunha o enciclopedista Voltaire (1694-1778) no escrito Cândido ou do otimismo (1758), com o terramoto de Lisboa de 1 de novembro de 1755 à mistura, mas não é, nunca foi, nem será, o mundo ideal, seja porque for. Vejam-se as oportunas e contundentes considerações que o poeta e crítico Charles Baudelaire (1821-1867) teceu ao estado de natureza, onde, entendia só haver abusos e crimes da pior espécie. Fora do mundo construído pela humanidade baseado em valores, normas, regras morais e respeito de uns pelos outros, reina apenas a barbaridade, o terror e a morte, argumentário suficientemente exposto em A invenção da modernidade (Relógio D’Água, 2006). Com o mesmo sentido, mas com uma profundidade mais próxima da essência da poesia, Guerra Junqueiro no volume póstumo Ensaios espirituais (2025), refere: “Só a dor infinita produz o amor absoluto […]. O perfeito vive do imperfeito, como a chama vive do combustível. O mal é a condição do bem, o erro a condição da verdade, o crime a condição da virtude”.

A civilização e a cultura são o resultado de atos violentos ou da limitação da violência no agregado social, de uma consideração pessimista da condição humana, porque mesmo no registo mais benigno de Rousseau e do Evangelho cristão, a falta está sempre presente. Terão sido de Jesus as seguintes palavras: “Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois eu vim para fazer que o homem fique contra seu pai, a filha contra sua mãe, a nora contra sua sogra; os inimigos do homem serão os da sua própria família”, Mateus 10, 34-36. Sei que a passagem continua com um referente teológico, mas isso não apaga estas primeiras linhas que devem ser lidas e meditadas em contexto social e escolar laico porque efetivamente traduzem as características básicas da organização social. Séculos antes, Hesíodo no Mito das Cinco Idades já referia que a quinta Idade, aquela que era a sua e continua a ser a nossa, a raça de ferro, era uma raça de homens que têm “as fontes grisalhas. O pai não será igual aos filhos. Nem estes a ele. Não haverá amor entre irmãos, como era antigamente. Aos pais logo que envelheçam eles os desonrarão, insultá-los-ão com palavras duras. Honrarão antes o criminoso e o insolente. A justiça será a violência e a vergonha não existirá” (cf. Hesíodo, Trabalhos e dias, 109-200). Desde aí até à realidade atual, onde nas palavras de Jorge Amado, as crianças aprendem no ventre materno onde “se fazem psicanalisar para escolher cada qual o complexo preferido, a angústia, a solidão, a violência”, a condição humana, na sua essência, tem sido uma perda contínua e acentuada, sem naturalmente estar em causa o reconhecimento efetivo dos enormes progressos no mundo ocidental no reconhecimento de uma igualdade social efetiva: das crianças, das mulheres, das raças, das minorias de qualquer proveniência.

Mais perto de nós, olhemos os desenhos animados, momentos lúdicos da educação dos mais novos no ideário de Walt Disney (1901-1966) que promove os contos infantis de todas as tradições. E o que temos aí? Fábulas em torno do bem e do mal passadas às crianças e aos jovens onde impera a violência e o triunfo sobre a mesma, exponenciadas pelas mais recentes sagas dos super heróis dirigidas ao universo juvenil: Super homem, Batman, Mulher maravilha, Homem aranha, Capitão américa, Thor, Volverine… Há de facto por parte das sociedades e das culturas a perceção de que o processo natural da vida é violento, competindo a cada um relativizá-lo e empenhar-se efetivamente para que o bem, a verdade e a paz triunfem, mesmo que a espaços. Tal desiderato não é fácil porque até os hinos nacionais de praticamente todos os países são bélicos, apelos constantes à luta de uns contra os outros, do duro triunfo de cada povo sobre os seus adversários. Nenhum é de inclusão, todos são de fragmentação e se mais não houvesse, num mundo perfeito, não há barreiras entre uns e outros porque no princípio o mundo era uno, habitado pela mesma Humanidade.

E se os gregos antigos já se queixavam que o mundo não tinha salvação porque os indivíduos em idades jovens apenas diziam disparates e agiam despropositadamente, referindo os educadores que cada criança e jovem devia ser tratado como se fosse um pau torto, tendo os mais velhos, com a educação prestada, que os endireitar, a que os modernos acrescentaram, veja-se por exemplo John Locke (1632-1704), a imagem de crianças e jovens como uma espécie de tábua em branco onde os ensinamentos do dia a dia devem ser fixados: ciência e conhecimento, normas e regras de vida, do fazer e do agir. A violência gratuita entre os mais novos sempre foi uma realidade, mesmo a verbal e a de género. Classificar uns e outros e umas e outras de feios e feias, cromos e cromas, anões e escadotes, esqueléticos e anafados, narigudos, orelhudos, etc, infelizmente foi e é uma prática social tolerável. A diferença agora é que as designações locais passaram a globais, o que demorava tempo a saber-se e muitas vezes só quando estava resolvido se tonava público, é, agora, pré anunciado para todos e em todo o mundo sem qualquer pudor e sentido de responsabilidade. A juventude sabe que as consequências pelos atos que anunciam e de facto praticam, serão nulas ou quase: os direitos da infância e da juventude atenuam a quase totalidade das transgressões. Sempre foi consensual que a infância e a juventude são fases complicadas da vida, alheadas, ainda, de um saber, de uma experiência e de uma vivência, que permita distinguir com clareza o bem e o mal. E hoje como ninguém parece distingui-lo, desde os pais, aos professores, passando pelos políticos que nos governam e aqueles que dirigem as igrejas, a situação não melhora, antes pelo contrário: passamos todos a habitar na era dos coitadinhos!

Os jovens hoje passam muito tempo ou quase todo o tempo isolados? Isso não é verdade, porque o convívio dos jovens com os mais velhos sempre foi reduzido. Uns e outros sempre se separaram entre eles, os mais novos, na sua solidão, nos quartos ou outros aposentos, ou em qualquer lado com quem quer que fosse mais próximo das suas idades. E estavam muito mais horas isolados numa espécie de autogestão, porque a escola não era obrigatória e a que havia, por norma, só ocupava uma parte do dia: ou a manhã, ou a tarde. Sim: não tinham computadores nem smartphones ligados a todo o momento a tudo e a todos. Mas esta nova realidade até proporcionou muito mais tempo de convívio e presença de uns com os outros do que nos tempos idos, mesmo que agora haja a particularidade de estarem sentados na mesma sala, na mesma mesa, no mesmo restaurante, todos os membros de uma família, que escolhem entreter-se na proximidade ausente uns dos outros, porque todos permanecem em silêncio a olhar o ecrã que têm à frente: o pai não sabe o que a mãe está a ver, esta não imagina o que o pai está a escutar e os filhos, em atitude mimética veem e ouvem o que querem e lhes apetece, todos eles de headphones nos ouvidos.

Ora se a escola pretende moldar as crianças e os jovens a um certo estilo de vida e a uma determinada interpretação da realidade, como pode a sociedade, as famílias e as pessoas permitir uma internet negra ao serviço das crianças e jovens? São os pais que devem vigiar as crianças? Em parte, sim, em parte, não. E como o podem fazer quando as crianças crescem sem compreender bem a quem pertencem?: se ao pai, se à mãe alternadamente; se contra o pai ou contra a mãe na maior parte dos dias; se como seres em crescimento a que apenas se provê o conforto mínimo e as necessidades básicas? Se seres vagantes entre uns e outros, seres em confusão entre laços de toda a espécie: daqueles que por natureza são os seus; dos que apenas lhe pertencem por afinidade; dos que têm que partilhar sem desejar ou querer. E nesta confusão, vem ainda o Estado decretar no espírito da lei o superior interesse da criança, que devia apenas consistir no bom senso e na obrigação estrita de cada criança ser cuidada e protegida por todos: família, sociedade, Estado. O resto é entretenimento porque se sabe, recorrendo aos dados das ciências, que até uma certa idade a criança toma as decisões de forma egoísta e emocional, sem perceber nem antes nem depois de as tomar, as reais consequências dos seus atos. Este período acontece até à designada, na terminologia antiga, Idade da Razão, que é a idade em que cada membro da espécie humana, de forma livre, consciente e racional está em condições de avaliar as consequências dos seus atos, distinguir o bem e o mal, e assumir a responsabilidade pela sua conduta, qualquer que ela seja. A idade da razão, durante séculos, era apontada próximo dos 7 anos.

Os tempos mudaram, é certo. Mas os seres humanos continuam a nascer e a desenvolver se exatamente da mesma maneira. Na generalidade, nascem ou com um corpo biológico e fisiológico masculino ou feminino que desenvolvem ao longo do tempo. Sob o signo da cultura woke que se tem tornado quase lei de Estado, o que fazem as sociedades e as escolas? Começam desde o inicio a confundir questões de natureza com apropriações de cultura. Não se escolhe ser masculino ou feminino: nasce-se, genericamente, feminino ou masculino. O género nada tem que ver com o preconceito que se instalou de que sendo neutros na infância, então, quando na adolescência as naturais transformações fisiológicas e biológicas trouxerem a cada um o interesse sexual, a vontade, o desejo e o prazer de partilhar o corpo com o corpo de outrem, possam escolher sem preconceitos, para a satisfação dos instintos carnais, seres de um ou outro género. Essa escolha não tem nada a ver com a educação: haverá sempre exceções, mas por norma, como bem narra o mito do andrógeno que Platão expõe em O banquete, 189d-193e, narrativa semelhante à de outras culturas e civilizações sobre o mesmo assunto, inicialmente, os seres humanos encontravam-se unidos por troncos esféricos e ao tentar invadir a residência dos deuses, o Olimpo, Zeus castigou-os cortando-os ao meio, fazendo de um, dois, representando cada um metade de um todo de que se encontra afastado, mas que afincadamente procura a outra parcela. O desejo pela união é aqui representado pelo Amor. Quando se encontravam unidos uns seres eram femininos, originados da terra, outros masculinos, originados do sol, o andrógeno (que participa de ambos) originado da lua, é o único originariamente heterossexual. Os que foram cortados de Andróginos sentem atração por mulheres, os que foram cortados de Andros sentem atração por homens e mulheres e os que são cortes de Gynos sentem atração por outras mulheres. Era apenas isto que se transmitia a uns e outros. Mas a contemporaneidade não tendo que fazer a tantos intelectuais e eruditos que as suas escolas certificam, passou a desprezar as grandes narrativas porque são ilusórias, mesmo que integradoras, e apostou na compartimentação do conhecimento, onde para justificar o investimento feito na formação dos novos fazedores da ciência, passa a alimentar as ideias mais disparatadas e contraditórias sobre tudo e mais alguma coisa.

Também não me parece feliz a associação que a série e aqueles que a seguiram fazem do conceito incel no que diz respeito à teoria dos celibatários involuntários, associando o crime cometido à ideia de rejeição amorosa, neste caso, da figura masculina. Tentar convencer um jovem de 13 anos a alimentar comportamentos de rebaixamento e discriminação sobre o universo feminino, é algo que ao que parece abunda pela internet. Coisa diferente é associar um crime de um adolescente em transição, com a ideia de que as mulheres não gostam dele e dificilmente conseguirá uma relação física com elas, restando-lhe o celibato, a ausência de relações sexuais, que não deseja nem quer. Ora isto é um disparate porque os jovens, mesmo com a liberalidade sexual atual, iniciam, por norma, a sua vida sexual algum tempo depois dos 13 anos, e, na verdade, para ter sexo, hoje como sempre, é só preciso ter algum dinheiro e comprar momentos de prazer com alguém que livremente lhos disponibilize.

Se as mesmas constatações se repetem ao longo dos tempos por gente diversa e atenta, com a maciez dos adultos face àqueles que têm por obrigação educar, com a assunção de direitos sem lhes associar os deveres intrínsecos, com receio do principio da legalidade que prevalece sobre tudo e sobre todos, que sobrepõe o autoritarismo à autoridade, o que esperam das crianças e dos jovens que cedo se apercebem que dificilmente os seus atos lhes irão acarretar consequências graves? Veja-se o exemplo da frequência escolar: sob o princípio da autoridade e do respeito devido a uns e a outros, alunos e alunas que não acatassem os seus deveres básicos, como o respeito aos professores, aos colegas, ao restante pessoal escolar, bem como a frequência de aulas, eram rapidamente excluídos da escola e da frequência escolar. Agora, com a escolaridade obrigatória até aos 18 anos e com a liberalidade legalmente instalada na relação pedagógica, os meninos e as meninas sabem que podem ser mal educados e desrespeitosos com os professores e professoras, como sabem que ter mais ou menos faltas às aulas para nada interessa. Num caso e noutro, a legalidade exige que a escola os retenha por lá até aos 18 anos. Assim sendo, é natural que os professores e as professoras que para nada contam nestes procedimentos se ausentem por completo do processo educativo. Estão ali como uma espécie de guardadores de meninos e meninas que se revezam várias vezes por dia cumprido as diretivas de quem lhes paga, porque precisam de ganhar dinheiro para suprir às despesas. Nem os políticos e muito menos quem dirige as escolas, que na generalidade são mais intransigentes que os políticos de quem dependem, fazem o que quer que seja para lá de satisfazer os caprichos dos meninos e das meninas: sejam quais forem, eles e elas terão sempre razão. Os professores e as professoras tornaram-se os tiranos que a atualidade já não consente e as crianças e jovens, neste entretanto, fazem o que querem e como querem, porque sabem que os seus atos poucas ou nenhumas consequências adversas lhes irão acarretar. Shakespeare pronunciava-se assim, ou fazia dizer a uma das suas múltiplas personagens: “a desgraça destes tempos é que os loucos guiam os cegos” e Dostoievski (1821-1881) mais perto de nós e já inserido nas mudanças da modernidade relevava que “a tolerância chegará a tal ponto que as pessoas inteligentes serão proibidas de fazer qualquer reflexão para não ofender os imbecis”.

Não resta qualquer dúvida que as correções feitas, e bem, em assuntos de impacto universal que têm que ver como a sociedade se organiza e se estrutura, foram e continuam a ser da maior urgência e utilidade e devem obedecer ao respeito absoluto por todos os seres humanos independentemente do sexo, raça, religião, condição social, formação, etc: “Não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos são um”, refere-se em Gálatas, 3, 28.  Devemos ter presente que este é apenas um ideário a perseguir e que jamais será conseguido. Basta lembrar que no tempo da escravatura pelas novas terras da América os escravos e escravas quando eram alforriados, tornados cidadãos livres de pleno direito, esmagadoramente iam comprar outros cidadãos e cidadãs seus iguais, que submetiam à mesma escravatura de que tinham padecido, na ignorância de que permitir os mesmos direitos e exigir idênticos deveres a todos e a todas, é condição fundamental para uma sociedade mais justa. Mas confundir assuntos essenciais com opiniões e formas de vida particulares que acabam por se impor unilateralmente à imensa maioria que se torna silenciosa e compactua com o que não conhece e que os ignorantes certificados lhe transmitem, a coisa já é outra. A mudança, qualquer que ela seja, requer apenas simplicidade e bom senso, nada mais, pois como refere o matemático e filósofo Bertrand Russel: “A boa vida é aquela que é inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento”.

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Artur Manso, nasceu nos idos de 1964, pelo outono, ao cair das folhas, na aldeia transmontana de Izeda. Professor universitário que ao longo do tempo se tem dedicado à aprendizagem e ao ensino de pequenas coisas sob o signo da estética e da ética, do lugar que nos cabe no mundo e de como a beleza nos pode tranquilizar.

MUNDOS DAQUI E D´ALÉM (II)– por Adelina Andrês

VIVER NESTE CHÃO ou NASCER NATURAL(MENTE) CRESCER

Na noite e à luz acesa do interior de um quarto. No chão num tapete ao lado das botas do pai que não estava de momento. A trabalhar lá fora e o trabalho de parir cá de dentro. Que iria demorar pensava a mãe pela experiência passada e penosa da outra vez. O irmão tio não estava que tinha fugido de medo. De medo e de susto daquelas coisas que não conhecia nem queria. De medo e de fuga. Não demorou não demorou e nasceu logo. Só a espanhola vizinha apareceu e já estava tudo acontecido: a criança, a mãe, as botas e o tapete. No tapete. Foi só a ajuda de chamar a parteira para cortar o último cordão umbilical. Continuar a ler “MUNDOS DAQUI E D´ALÉM (II)– por Adelina Andrês”

ATHENA REVISITADA- III – Cecilia Barreira

 

…Na Edição Nº 16, em Maio de 2021, Cecília Barreira escreveu para Athena “ALGUMAS PALAVRAS SOBRE Jean Paul Sartre”.

Foi assim, aqui:

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE JEAN PAUL SARTRE

As palavras já não residem nas historicidades em desalinho, mas procuram-se em mitos refundadores e alheios ao sagrado, maré ontológica de um nada em emergência, um caos de transitoriedades em abstinência, Sartre cruza-se com Simone de Beauvoir em 1929 através de René Maheu, persistências anódinas em cerejas sem Verão,

Inúteis as cadências, Continuar a ler “ATHENA REVISITADA- III – Cecilia Barreira”

FALA QUE NEM HOMEM – por Alexandre Malvestio

Não fosse a sua constante ausência a principal lembrança que eu tenho do meu pai na minha infância, eu poderia dizer que minhas maiores recordações são dele deitado sobre um banco de madeira entalhada no fundo de nossa sala de estar. Se eu estivesse entrando em casa, ou cruzando a copa em direção à cozinha, ou mesmo passando ali pelo hall onde uma reprodução barata da Monalisa nos contemplava da parede, eu o via. Na sala, com todas as luzes acesas, a janela escancarada, sem camisa, segurando o controle remoto em uma das mãos e mudando de canal freneticamente. Continuar a ler “FALA QUE NEM HOMEM – por Alexandre Malvestio”

“CIRCO POBRE” de Emilio Barraza Durán – reseña de Claudia Vila Molina

La neblina como un elemento “no humano” que expone múltiples interpretaciones del hablante lírico de “Café” en Circo Pobre de Emilio Barraza Durán

El tercer libro de poemas Circo pobre (2024) del poeta chileno y profesor de lenguaje Emilio Barraza Durán está pleno de imágenes ancladas en la crítica social y en la ironía, ello es parte de la antipoesía, como uno de los principales temas y recursos. En este amplio contexto, yo quiero analizar un punto literario que me parece muy relevante y es la forma en que el hablante lírico se expresa en el texto “Café” (102 ) el que está antecedido por “Lamentos míticos” (101 ) y en la página que continúa (103) “Ancianos jugando ajedrez”. Tomo el conjunto de estos tres textos, porque me parece interesante la ubicación y la interrelación de cada uno de ellos, dentro del esquema general del libro. En esta línea, el diálogo de estos tres poemas insinúa una especie de melancolía y resignación en torno a la suerte de un sujeto (a) chileno (a) que habita un lugar vulnerable y reiterativo (en relación con la impotencia imperante frente a un sistema socio político que lo atropella). En este conjunto, yo me detendré en “Café” como un texto caracterizado por un hablante lírico peculiar, cabizbajo, insomne y dubitativo que se expresa desde el lugar de la resignación y la melancolía: “Este café/ lleno de niebla/ que me toca tomar ahora”. Continuar a ler ““CIRCO POBRE” de Emilio Barraza Durán – reseña de Claudia Vila Molina”

HELENA SÁ E COSTA: AS TECLAS DA COERÊNCIA – por Danyel Guerra

Helena Sá e Costa tem um teatro com seu insigne nome no Porto natal.  Mas quem é Helena Sá e Costa?, indagará, curiosa, a esmagadora maioria dos portuenses. Que boas razões justificam que ela tivesse amadrinhado essa sala de espetáculos?, perguntarão os mais renitentes. A essas (im)pertinentes questões eu procuro responder nos acordes que se seguem, num recital a duas vozes. Continuar a ler “HELENA SÁ E COSTA: AS TECLAS DA COERÊNCIA – por Danyel Guerra”

O ATEU TEIMOSO – por Francisco Fuchs

 

Fragmento do Bailly encontrado no século XIV em Aparecida*

O ATEU TEIMOSO

Oswaldo era tão hiperbolicamente ateu que, além de não crer em Deus Pai, não acreditava em deuses nenhuns, fossem eles mães, entidades, pedras ou animais. Ao deparar-se com um lugar de culto, atravessava a rua; e ao dar uma esmola, coisa que acontecia com certa frequência, fazia questão de deixar claro que Ele nada tinha a ver com aquele pequeno gesto de generosidade. Continuar a ler “O ATEU TEIMOSO – por Francisco Fuchs”

PERTENCIMENTO de Jaime Vaz Brasil

Pertencimento*

 

Pertenço a minha memória
e ela me escreve, em conflito.

(Na fresta, sou quem espia
entre a verdade e o mito).

Dentro de mim há um palco
onde tropeço na dança.

(Minha história – em seu novelo –
me enreda em fato ou lembrança?).

Pertenço a minha memória,
mas só ao que ela me dita:

versão, ato ou livro em branco
onde sequer foi escrita

Dentro de mim, um duelo
entre o exato e o talvez.

(Como se assim, me lembrasse
o que a vida ainda não fez…)

Pertenço a minha memória
entre algoz e prisioneiro.

(Em sangue, tantas metades
já não me fazem inteiro).

Dentro de mim, outra coisa,
sentindo além do que sente.

Existo além dos sentidos:
eu existo alheiamente.

—–

*O poema “Pertencimento” foi musicado por Pedro Guerra, e participou de uma Califórnia da Canção.

♦♦♦

Jaime Vaz Brasil – Poeta gaúcho, com 7 livros publicados e vários prêmios, dentre os quais: Açorianos, Felipe d’Oliveira e Casa de Las Americas (finalista). Atua também como compositor, tendo vários poemas musicados e interpretados por vários parceiros, dentre os quais Ricardo Freire, Flávio Brasil, Zé Alexandre Gomes, Nilton Júnior, Vitor Ramil e Pery Souza.

A MULHER AVARIADA – por Idalina Correia da Silva


© Maria Correia

Começou por lhe cair o chapéu,
Depois o botão do casaco marron,
Mas logo ficou órfã de pai, mãe, irmão e um punhado de namorados
Emagreceu bastante só até acabar por engordar muito
Perdeu paixões, missas, comícios e ficou sentada à espera do fim do mundo
Como um marco miliar à beira do asfalto, só a fumar.

Estilhaçou tudo o que construiu
Até o disco hernial L5-S1
Mas logo se despediu do rumo que era um homem de carne e osso
Culpou infamemente a literatura, os jornais e o cinema
Abandonou ideias, encantamentos, histórias e ficou sentada à espera do seu fim.

Como o pó de uma corrida todo-o-terreno, só a beber cerveja. Continuar a ler “A MULHER AVARIADA – por Idalina Correia da Silva”

AMORES PERDIDOS – por Jefferson de Oliveira

© Laura Makabrescu

AMORES PERDIDOS. ENTRE O DESEJO E O DESTINO

Recordo-me como se fosse ontem, na década de 50, quando eu era motorista de caminhão e realizava viagens diárias do Rio Grande do Sul ao Acre. Partia de Rio Pardo às 8h e, chegava em Rio Branco às 14h do mesmo dia, A minha velocidade era tão absurda que, se Newton me visse, inventaria outra lei para tentar explicar a dinâmica de tal movimento – Eu corria mais do que avião, era uma rotina extenuante, mas cumprida com dedicação. Continuar a ler “AMORES PERDIDOS – por Jefferson de Oliveira”

UMA NUANCE NAS NÓDOAS VII – por Lúcio Valium

VIDROS

Há vozes. Ao fundo do corredor surgem linhas humanas. E o cambalear é interrompido. Descalço as botas e as meias estão gastas. Onde andaste. Pergunta imaginária. Respondo em silêncio à não-pergunta. Mas ninguém. É tudo cá dentro. Viroses assaltam os armários. Farpas encefálicas aparecem a meio da noite. Tento lavar o terraço mas nascem ervas incógnitas. E os envelopes recebidos exigem lentes felinas. Tudo é decifrado à base do cifrão.

Pobres das palavras que desaparecem diria o do 24. Os pobres não as escondem. Agora há teclados e superfícies deslizantes. Material moderno para infetar as mentes. Há muito que estou ultrapassado apontam os entendidos. Procuro engendrar a auto-exclusão. Portanto brindemos ao simples. Ao que ainda não se deixou esventrar. Honra aos seres que sabem acariciar. Que deixam assim, sem estragar. O mesmo se faça com o que chamam natureza já que os figurantes se acham fora dela. E com este uivo sinto-me tão feliz por sermos dois animais. Continuar a ler “UMA NUANCE NAS NÓDOAS VII – por Lúcio Valium”

5 POEMAS EM VERSO E PROSA – por Luís Fausto

Explicação

Quando te vi aparecer vinhas já sem qualquer palavra. Arranhavas as pernas nas urzes e espinhos dos cardos, os cães corriam-te loucamente à volta porque em ti conheciam a liberdade e a obediência. Depois, a um teu gesto, improfundável e erudito, os animais prontamente se esticaram numa seta como se soubessem que daquelas serenas urzes se levantaria uma imensa revoada e que um sucessivo trovão abrasaria o ar.
No fim do silêncio, caíram duas aves. Abriste os olhos, tristes, tão claros que para muitos seriam apenas belos. Ninguém saberia descodificar no teu fácil gesto de prender as aves à cinta a consternação de possuir um indissolúvel poder, nem, na tua sóbria execução da virilidade, a indecisa suspeita de uma justiça estragada, embora inominável, nem o desencontro do homem consigo mesmo quando a dúvida o instala em dois estados de permanência.
Mas isto passou-se rápido. Quando te olhei outra vez, já te afastavas com os cães na direção oposta à do vento, sem me dares qualquer explicação. Continuar a ler “5 POEMAS EM VERSO E PROSA – por Luís Fausto”

ABRAÇAR O INACABADO: UMA DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS- por Marianela Tiranti Gattino

© Bodan Zwir

 

Dupla negação
Não é possível
renegar de quem se é.
Não é possível
privar aos outros
de aprender
a ser mais humanos
a partir do que podem
ressoar conosco,
nesta convivência planetária.
Não é possível
renegar de quem se é,
porque isso implica
enfatizar a negação
disso que somos.
Porque temos uma história
e temos transitado um caminho.
Porque somos com outros
e geramos um impacto.
Não é possível
privar aos outros de nos conhecer,
e não é possível
privar-nos de conhecê-los.
Aprender a viver,
de isso se trata,
aceitando nossa luz
e nossa sombra,
em todos. Continuar a ler “ABRAÇAR O INACABADO: UMA DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS- por Marianela Tiranti Gattino”

A NOSSA MÃE – por Manuel Igreja Cardoso

A NOSSA MÃE

A nossa mãe, é a melhor mãe do mundo. Mas é também a mais bonita aqui e em qualquer lugar, agora e sempre pois não há longe nem distância para quem bem se quer quando se habita na substância do tempo. A nossa mãe é água que corre por entre os choupos no sublime rio em que somos as pedras moldadas com o seu fluir. A nossa mãe não tem de estar para se fazer sentir.

Basta-lhe ser completa e imensa como sempre é aos nossos olhos por ela maravilhados. A sua presença é constante em cada instante. A gente sente-a e pressente-a. Ao menor temor corremos por instinto em busca do seu regaço.

Ela é a âncora que nos segura, é uma pétala de rosa florida que esvoaça até nós em cada hora sofrida. Nos momentos de mil aflições, ou das alegrias palpitantes, é a ela que nos apetece cobrir de beijos fazendo deles as gavinhas que nos amparam e nos moldam nos bardos a percorrer no nosso viver. A nossa mãe é o canto de uma cotovia no alvorecer, é o sussurro de uma rola pelo entardecer, é uma melodia que nos eleva a alma no som do silêncio em pleno enternecer.

Na nossa mãe, vemos cada gesto dar no chão e abrir em flor. Ouvimos cada palavra dizendo-nos de sonhos onde cabe o se gostar daqui até à lua que nos diz ser sua. No seu olhar há um éter no brilho, em cada seu abraço nasce um poema de carinho, em cada seu repreender se dá um se aprender, em cada seu exemplo há um se ensinar.

Quando ainda não sabemos de nada, já sabemos da nossa mãe. No seu ventre passámos de invisível partícula a uma concreta e definida forma de vida crescendo e ansiando sem sabermos que numa hora de um certo dia, romperemos feitos raios de sol em madrugada esplendorosa anunciadora de muitas esperanças e alguns temores, mas plena de amores.

Depois, vida fora, cada choro ouvido é um alfinete picado, sentido, uma inquietação constante, um temer marcado, um feito esperado. Mas cada riso é um regozijo, uma imensidão de contentamento descontente, um sorrir rasgado. Cada olhar trocado é cumplicidade num mundo colorido feito arco-íris ao pé da mão, mesmo ao lado do coração.

A nossa mãe acrescenta-nos. Senhora do tempo e das marés, sem pressas molda-nos. Com o seu magnetismo dá-nos o Norte, como que a querer fazer-nos crer, que com a sua vontade sustenta o nosso balançar, segura-nos no nosso hesitar. A nossa mãe faz-nos acreditar que tudo vale a pena. Faz-nos saber que existe o prazer, mas também o sofrer. Faz-nos saber da morte, ainda que só nos fale da vida e da sorte florida.

A nossa mãe é fonte. É rio, vale e monte. É planície que se estende sob o sol e por de baixo da lua. É terra e mar. A nossa mãe é uma onda que se espraia e vem beijar a areia que somos, fazendo branca espuma que nem penteado lindo e serpentado de sereia vinda do oceano feito de se sentir e de se amar.

Assim que nascemos, a nossa mãe sonha-nos o futuro sabendo que ele é feito de caminhos. Por isso é ela aquela estrela que reluz no céu e nos conduz para que o nosso percurso neste uni verso, seja um livro de prosa que logo vira verso. Quando parte leva um pouco de nós. Mas depois, logo volta. Sabe bem a falta que nos faz. Sobre a nossa mãe, nada chega para tudo se dizer.

♦♦♦  

Manuel Igreja Cardoso, nasceu em 1960 no concelho de Armamar e reside na cidade do Peso da Régua no Alto Douro Vinhateiro.  Licenciado em História, a par da sua atividade profissional da EDP – Energia de Portugal, desenvolveu nos últimos 25 anos uma profícua atividade na escrita de contos, artigos de opinião e de crónicas que tem vindo a publicar em diversos jornais regionais. Tem publicado um livro de contos, um com a história da Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua, e outro com história da ACIR – Associação Comercial.

A SOCIEDADE DO ESPELHO INVERTIDO – por José Paulo Santos

A Sociedade do Espelho Invertido: Uma Nova Visão Crítica da Realidade Contemporânea

Já não vivemos num mundo onde as coisas são o que parecem. Ou melhor, já não vivemos num mundo onde as coisas são sequer aquilo que dizem ser. Vivemos numa sociedade em que tudo é apresentado ao contrário — como se olhássemos para um espelho que não apenas reflete, mas distorce, inverte, engana. Chamarei a isto a Teoria do Espelho Invertido.

O conceito é simples: muitas das verdades que aceitamos como naturais na nossa sociedade são, na realidade, versões invertidas daquilo que deveriam ser. O que vemos como progresso pode esconder regressão; o que chamamos liberdade pode ser uma nova forma de aprisionamento; o que celebramos como conexão pode ser, no fundo, isolamento disfarçado. Continuar a ler “A SOCIEDADE DO ESPELHO INVERTIDO – por José Paulo Santos”

“ESCRITO EN LA HABANA”, de Moisés Cárdenas – reseña de Robert Miller

 

LA POESÍA MARINA DE MOISÉS CÁRDENAS DE SU POEMARIO ESCRITO EN LA HABANA

El poemario Escrito en La Habana del poeta Moisés Cárdenas, publicado por el Fondo Editorial Ollé de Edgar Freites e ilustrado por el talentoso artista Leandro Cárdenas, nos sumerge hacia el mar. Quien realizó las palabras de presentación del poemario, Benedicto González Vargas nos dice:

«En estos versos que fluyen del hablante lírico, con la misma escurridiza fuerza de las aguas que tan omnipresentes están en este poemario, pueden encontrarse decenas de imágenes que nos hablan de mares, libros y amores. La mujer hermosa, sensual, húmeda, como objeto de pasión y de deseo cubre las páginas de esta obra con la misma fuerza que el mar, en ocasiones como quieta imagen, pero a menudo imparable en fuerzas y energías», con estas palabras el profesor Benedicto Vargas, resalta además que, Escrito en La Habana, hay muchas cosas que explorar. Así lo expresa: Continuar a ler ““ESCRITO EN LA HABANA”, de Moisés Cárdenas – reseña de Robert Miller”

SERÁ A CHINA O MAIOR POLUIDOR DO MUNDO? por Ricardo Amorim Pereira

Mercado nocturno de Hongkong

Será mesmo a China o maior poluidor do mundo?

No presente artigo, submetido a esta prestigiada Revista, proponho-me introduzir uma distinção analítica frequentemente negligenciada nos debates acerca do aquecimento global de origem antropogénica: a diferença entre o indicador de emissões totais de gases com efeito de estufa (GEE) e o indicador de emissões per capita, ambos aplicados à avaliação do contributo climático de diferentes países. Esta distinção, de natureza metodológica e normativa, visa contribuir para uma apreciação mais rigorosa e equitativa da responsabilidade climática, com especial incidência no caso da República Popular da China. Continuar a ler “SERÁ A CHINA O MAIOR POLUIDOR DO MUNDO? por Ricardo Amorim Pereira”

BOCA A BOCA – por Vinicius Comoti

To create a little flower is the labour of ages.
William Blake

I
esperma numa cisterna com uma enfezada raposa comemorando a vitória sobre os segredos da língua a fuligem alusiva de estrelas banhadas no magma das representações semeadas pelo absurdo de uma noite inventada pelos juncos & pupilas mascadas no devaneio de ruas caducas onde a amnésia se estreita entre os ventos sobre os escombros do sonho confundido com gerânios acolchoados pela hipnose da catedral mijada pelos mendigos & flores sem lembranças

II
o que me voltava & me deglutia na sangria do açougue dos espíritos o que me indagava sobre o verde dos hospícios o que me afligia com a navalha de uma esperança assassina os dias no espelho da ilusão de um rosto sem aura & calma o caos com bochechas quentes

quem é você?
bebê de bicho

III
os pivetes surfavam no teto do trem
o mais tímido, escorregou-se no vagão & foi moído no trilho como uma moeda sem valor
o outro, arguto ao ritmo da locomotiva, lançando manobras mirabolantes, não percebeu o fio &
morreu como capa de jornal: onda de ferro leva surfista eletrocutado

IV
todas as camas na lama de amor & narcóticos
lampejos mutilados pelo desejo
beijos como travesseiros arrojados na penetração
do céu transformado em véu
amantes com dedos de rinoceronte

V
te encontro na sombra do caos
& lhe desfiro os tentáculos de uma cega sensibilidade
nossas cabeças na correnteza
& a gravidade abruptamente se estende ao contágio
dos pássaros fundidos no aço
camuflagem prolongada na solidão

VI
a mosca na garapa
o pombo no pastel

VII
a insônia da voz pluviosa
na rua que jamais foi rua
besta criada com pantufas

VIII
asas
desesperadas Continuar a ler “BOCA A BOCA – por Vinicius Comoti”

JÁ NÃO HÁ ESPAÇO PARA POEMAS FÁCEIS – por Sandra Guerreiro

© Ryanniel Masucol

 

1
por baixo dos passos
sob a asa
……………desenho
o afinco contorno
……………essa bátega de água a ferver pelas costas
pela vela abaixo
……………devolvendo
como fazem as aranhas

reclamar o posto
mórfico

em desvio e desvario

2
já não há espaço para poemas fáceis
são demasiados leitos que não se conseguem desver

e eis que racha a folha
que nos vai calhar

e a pergunta flutua
no queixo que segura a boca fechada

3
há as peles que toldam o andar
e os pulos dos dias esquecidos no caderno
há o desformar o sangue
e os socalcos prontos a confrontarem o vento

no meio de nós Continuar a ler “JÁ NÃO HÁ ESPAÇO PARA POEMAS FÁCEIS – por Sandra Guerreiro”