
AMORES PERDIDOS. ENTRE O DESEJO E O DESTINO
Recordo-me como se fosse ontem, na década de 50, quando eu era motorista de caminhão e realizava viagens diárias do Rio Grande do Sul ao Acre. Partia de Rio Pardo às 8h e, chegava em Rio Branco às 14h do mesmo dia, A minha velocidade era tão absurda que, se Newton me visse, inventaria outra lei para tentar explicar a dinâmica de tal movimento – Eu corria mais do que avião, era uma rotina extenuante, mas cumprida com dedicação.
Certo dia, conheci uma jovem ao longo do trajeto e logo me vi completamente envolvido por ela – uma coordenada inesperada que interrompeu minha reta trajetória. Bastou um olhar e pronto! Uma função poligonal inesperada surgiu em meu coração.
Contudo, o destino me pregou uma peça: ao intercetar uma carta, descobri que ela havia marcado um encontro com outro homem, eu estava em um sistema inconsistente e minha equação da felicidade não possuía solução. Decidi, então, sair mais cedo para confrontá-la. Graças à diferença de fuso horário, cheguei com antecedência e consegui evitar uma tragédia – Antes que a situação se agravasse, encontrei-me com ela e pedi o término do relacionamento.
Para evitar passar pela cidade onde tal leviana morava, optei por traçar uma nova rota, alterando minha trajetória cartesiana comecei a atravessar o povoado Barro Duro, que eu poderia descrever por um conjunto de coordenadas aleatórias e uma série de pontos descontínuos ao longo do caminho. Logo na primeira viagem, avistei uma casa de taipa à beira da estrada, um ponto notável de chão batido e uma placa improvisada, feita a partir de algo que parecia ser uma antiga porta de guarda-roupa, onde se lia, escrito com carvão: “Restaurante da Creuza”.
Na viagem de volta, decidi parar para comer, mas, para minha surpresa, a placa já exibia outro nome: “Cabaré da Creuza”. Intrigado, entrei para entender como funcionava o lugar e descobri que as garçonetes que serviam o almoço durante o dia eram as mesmas que atendiam à noite, em um contexto bem diferente.
Na semana seguinte, ao passar novamente por lá, ouvi um carro de som anunciando que o cabaré receberia uma nova integrante, o que causou grande alvoroço na cidade. Movido pela curiosidade, resolvi conferir. Foi então que avistei Gilvaneide, uma variável independente, jovem ruiva de beleza estonteante, com uma curva na qual eu gostaria de me perder, tão exuberante que até um cálculo diferencial exigiria um limite tendendo à perfeição. Fingindo desinteresse, esperei o momento certo e, ao me aproximar, sussurrei:
- Hoje você será minha.
Ela sorriu e respondeu:
- Tudo na vida tem um preço. Prepare-se que vou lhe dizer o meu valor!
Após uma breve conversa, não demorou muito para que estivéssemos em um dos cômodos do cabaré, um quarto simples, sem reboco, com uma cortina cobrindo a entrada e iluminado apenas por um candeeiro. Quando o tempo acabou, fiz uma proposta ousada:
- Gilvaneide, você é uma mulher extraordinária. Quero tirá-la daqui!
No calor do momento, ela aceitou, e fomos morar juntos. Contudo, eu temia que ela retornasse às suas origens.
Certo dia, ao chegar em casa, notei sua ausência. Fui até a geladeira pegar água e encontrei um bilhete que dizia: “Talvez você tenha sido o meu grande amor, mas tudo na vida tem um valor, e não estou falando de dinheiro. Peço desculpas, mas neste momento estou bem longe com outro caminhoneiro.”
Tal mensagem evidenciava a prova da derivada negativa do meu amor! Em um momento de desespero vetorial saí correndo pelas ruas, traçando diversas curvas paramétricas, sem rumo e sem esperança de alcançá-la. Até que, em um momento desesperador, de forma logaritmicamente intensa, gritei:
- Gilvaneeeeeeeide!”
E o eco respondeu com uma série harmônica:
- Eeeeeide, eeeide, eeide…
A amplitude do som foi tão grande que até as equações diferenciais da física tiveram que recalcular o impacto. A intensidade sonora foi tamanha a ponto de superar o limite da ressonância acústica, quebrando lamparinas e causando um microtremor sísmico nas cidades vizinhas, causado pelo deslocamento abrupto da minha função emocional.
Ela demonstrou, no mínimo, uma atitude de covardia. De forma consciente, eu jamais a perdoaria. Contudo, paradoxalmente, eu, que sempre me considerei um homem de visão e discernimento, encontrei-me cego diante daquela situação. E, permita-me acrescentar: para tê-la novamente ao meu lado, eu renunciaria à razão e, de maneira irracional, viveria tudo outra vez.
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Jefferson de Oliveira, Acadêmico de Matemática na Universidade de Passo Fundo – UPF.
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