POEMAS de Januário Esteves

 William Turner: The Fighting Temeraire tugged to her Last Berth to be broken up, 1838, 1839 (detail)

Mãos devagar te levam

Mãos devagar te levam
E tu não dás por nada
Como dum cinzel purificador
A sombra é-te retratada
Para os Céus ergueste as crenças
Sem elas eras olvido
Num pranto com luz ao meio
No escuro quarto retido.

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Quarto

O céu é um hexágono
Pintado de branco
E o tronco e lã o diácono
Rude despertador a um canto
Os murais em guache
Em ordem indisposta
Digamos que há (só sonoro), um pastiche
Duma emoção perdida, mas não morta
É o boca de prata
Simbolicamente geométrico
Na sua configuração abstracta
Com um olho semeado na testa, tétrico
É o princípio do verbo feito carne
Do que em si o verbo condensa
Pranto de fogo na alma arde
A palavra é ordem que alimenta
Depois a sexualidade dos peixes
Como metáfora de encontros sexuais
Os corpos repetidos, em feixes
Rígidos, pronunciando sinais
Volto ao branco da porta
A quantos mãos a removeram
Ao corredor da escala torta
Brincaram graças que não disseram
Há um tilintar de vozes
Carregando ausência pela noite
No sonho perdido que cozes
Sonegadas à febre do açoite
Sofremos quejandos à superfície
Ansiosos de regressar a casa
Da mãe predestinada que disse
Filho, repenso, liberta-te e Asa.

♣♣♣

Selfie

Perfumado com os olhos rolando & derretimento geral & lábios anti- beijo
O diletante tenta seduzir rapariguinhas inocentes que não têm nada de inocente
Procurando satisfazer o ego & espremesse
Todo em corpo inteiro deambulando pelo
Quarto na pose mais atraente que se possa
Imaginar enquanto seguidores ejaculam baba
Pelas narinas num extrovertido gesto de
Capitulação & ao som de um rap qualquer
As profundezas da alma torcem em binários
De equivalências analógicas carpindo o festim
Duma noite enfiada no vazio da existência.

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Januário Esteves usa o pseudónimo “Januanto”. Nasceu em Coruche, Portugal (1960).   Escreve poesia desde os 16 anos. Em 1987 publicou no Jornal de Letras e participou ao longo dos anos em algumas publicações colectivas. Publicou na revista brasileira Musa Rara, na revista americana EIGHTEENSEVENTY .POETRY.BLOG., na Revista Brasileira LiteraLivre, na revista romena Poesis, na revista australiana Otoliths, na revista americana BlazeVox, na revista americana Harbinger Asylum, na revista americana Ducor Review, na revista indiana Taj Mahal.