PRENSAMENTOS & DESAFORISMOS – I Série – por Danyel Guerra

La femme dans la nuit, by Joan Miro

PRENSAMENTOS  & DESAFORISMOS

COM TEXTOSTERONA DO AMOR

 Como a vida, o amor é eterno enquanto dura.
Mas em boa verdade, ele só será mesmo eterno enquanto for terno.

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“O amor é cura, mas também é loucura”

 Sigmund Freud

Sendo verdadeira esta contradição, ela explicará porque de médico e de louco, o amor também tem um pouco.

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No amor, um é pouco, dois é bom, três é demais. Três só não é demais num ménage à trois. Contudo, nessa triangulação, por norma, isóscélica e e até escalena, o amor, enquanto ideal, pode ter cabidela, mas, em geral, não tem cabimento.

Nunca terá havido um ménage à trois mais inusitado do que o de Alex Delarge com a Sonietta e a Marty em ‘A Clockwork Orange’ do Stanley Kubrick, ao som da abertura de ‘Guglielmo Tell’, de Rossini. Capaz de causar tonturas de tão vertiginoso. Tanto aos parceiros como aos cinespectadores.

Sempre que dormimos e sonhamos, acabamos a noite e iniciamos o dia participando num ménage à trois com Hypnos e Morfeu.                                 

A esmagadora maioria dos triângulos, ditos, amorosos não o são completamente. Para que o fossem, seria preciso que os três vértices interagissem num ménage à trois, delineando –e unindo- os três lados.

Dificilmente haverá ménage à trois mais ousado do que aquele em que participam Alexandre, la maman e la putain no filme de Jean Eustache.

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Um dia me perguntaram: quando é que você escreve e publica um romance?

E eu respondi: um romance, camarada! Mais essencial que escrever, publicar um romance de papel, é escrever, publicar um romance na vida real.

Nem que seja um romance de umas dez páginas. Nem que ele, em limite, só tenha capa e contracapa, no gênero  daqueles  que o Lula aprecia ler.

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    “O dinheiro compra tudo, compra  até amor verdadeiro”

Nelson Rodrigues

Em regra, o dinheiro que compra tudo é sujo, quando não falso. Ao sabê-lo, como é que o amor assim comprado vai reagir para continuar sendo verdadeiro?

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Amar, amar! Todavia, ao escutar e ao descodificar esta palavra pela rama, muita gente entende ‘há mar, há mar’ e, ato contínuo, se precipita, acalorada, numa poça d’água tantas vezes tão salgada como álgida. E entra num fria ou, ainda pior, numa gelada.

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Amar devia ser mesmo um verbo intransitivo, sem complemento, conforme sugeriu o poeta modernista Mário de Andrade.

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 À imagem de um filme de Jean-Luc Godard, toda a estória de amor tem princípio, meio e fim, mas não necessariamente por esta diacrônica ordem.

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A propósito de uma audaciosa e deliciosa cena de ‘Malizia’, de Salvatore Samperi, com Laura Antonelli no epicentro do ato.

No amor erótico, beleza não põe a mesa, mas pode estimular e excitar uma gostosa sobremesa. E quando degustada sob a mesa, ela tem o sabor agridoce da safadeza.

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Se as mulheres são de Vênus e os homens de Marte, o amor é de Saturno com seus anéis de noivado. Essa assintonia planetária pode ajudar a explicar quão difícil pode ser a arte do encontro amoroso.

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No amor, pior do que o reverso da medalha só o perverso da medalha.

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Amor é fogo que arde sem se ver”, assim sabiamente poetou o vate camoniano. Não espanta que no rescaldo do incêndio sejam encontrados, muitas vezes, dois corpos carbonizados.

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Quem não tem (bom) humor, não merece ter (bom) amor.

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Mal comparando, o amor é um crime sem culpados nem inocentes. Os amantes são quase sempre vítimas de seu sortilégio, por norma, imponderável, inexorável, tantas vezes cruel e impiedoso. O mais trágico é que, com reiterada frequência, um dos parceiros seja acusado, julgado e até condenado à pena de morte, sem direito sequer a apelo/recurso.

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Amar é o primeiro direito de um ser humano. O segundo é ser amado.

O terceiro, o quarto, o quinto,  etc, etc, vêm por acréscimo.

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No amor, cada um dos parceiros só pode dar o que tem e a mais não pode nem deve ser obrigado.

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No amor, todos querem ganhar a taluda, o Grande Prêmio. Ninguém se contenta com o prêmio de consolação da terminação.

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Estulto é o ser humano que busca a justiça no amor. Desde as eras mitológicas da Hélade que Afrodite e Têmis sempre relutaram em terem e manterem afinidades eletivas.

“No amor, mais vale cair em graça do que ser engraçado”  Se o engraçado valesse mais do que a graça, os bobos da corte seriam os amantes mais requestados da História.

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 “Ástrov- Uma mulher só se torna amiga de um homem depois de três etapas. Primeira: conhecida. Segunda: amante. Só depois, então, se torna amiga.

Vânia- Uma filosofia no mínimo cínica.”

‘Tio Vânia’, de Anton Tchekhov

A bem dizer, meu caro Ástrov, em inúmeras situações, ela se torna é inimiga.

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Abdiquemos de mistificações piedosas. Na fase de paquera, cantada, de sedução amorosa, a amizade (amor “philos”) não pode, não deve estar na pauta da música. E se está, corre mesmo o risco de desafinar o recital, se tornando um fator de perturbação na estratégia de conquista. Ameaça  até cortar o tesão do amor “eros”.

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Não é a falta de amor, mas a falta de amizade, que torna os casamentos infelizes

  Friedrich Nietzsche

O amor philos consegue ser muito sapeca, danadinho. Frequentemente, aparece quando não deve, atrapalhando o jogo de sedução e de conquista armado pelo amor eros. E, súbito, desaparece, tomando muitas xícaras de chá de sumiço, não assumindo a função de cimentar e fortalecer o edifício amoroso-conjugal  fundado  por eros  

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A idade não perdoa, porém, o amor não escolhe idades. Por isso, ninguém se espante quando surpreender o reumatismo paquerando, cantando uma pessoa da terceira

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O amor integral e íntegro será aquele que for capaz de desenhar um triângulo equilátero cujos vértices são o amor erótico, o amor caridade e o amor amizade. Sintonia que raramente acontece nas relações afetivas. Na maioria dos casos, só se desenham triângulo isósceles e até escalenos.                        

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No amor como na vida, quem abre a boca para degustar o filé mignon, não pode fechá-la se tiver de roer e chupar os ossos.

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       Eu hei de Amália sempre! Ela é o meu fado xuxu.

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Eu Hedy Lamarr sempre! Para esse comprazimento nem preciso de Ecstasy. A Lady of Tropics e a Delilah do Samson chegam e sobram.

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No amor, o essencial consiste na obtenção e no usufruto da simplicidade. Só desse modo mais que perfeito, ele será simplesmente quintessencial.

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Ame as pessoas pelas suas virtudes, em vez de odiálas pelos seus defeitos”    Provérbio chinês

Tudo bem, tá legal, mas desde que os defeitos não sejam mais pesados do que as virtudes.

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Erros meus, má fortuna, amor a aguardente, em minha perdição se conjuraram

                           Vincent Fernando van Gogh Pessoa

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Segundo Stendhal, o amor tem sete fases. Para mim, o ideal é que o amor tivesse sete vidas, à exemplo dos gatos.

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Na vida, nem sempre querer é poder. E no amor, com muita frequência, querer não é phoder.

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O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes

  Nelson Rodrigues

Meu caro lord Nelson, o pudamor é a mais afrodionisíaca e puderosa das virtudes. 

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Em regra, é muito problemático  converter um amor bandido num amor banido.

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Excelso será o amor que consegue ser, ao mesmo tempo, inconsútil e imarcescível. Inconsútil, a exemplo da túnica do Cristo e imarcescível à imagem da rosa de Jorge Luis Borges

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Não existe sentimento mais puro e purificado, sublime e sublimado do que o amor de mãe. Um amor gerado nas entranhas do ser que se alça, se expande até às alturas siderais das estrelas.

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Danyel Guerra (aka Danni Guerra) nasceu na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Tem uma licenciatura em História Universal da Infâmia pela FLUP. É jornalista nas horas (mal) pagas e autor literário nas horas com vagas.

Publicou os livros ‘Tomás Gonzaga-Em Busca da Musa Clio´’, ‘ Amor, Città Aperta’, ‘O Céu sobre Berlin’, ‘Excitações Klimtorianas’, ‘O Apojo das Ninfas’, ‘Oito e demy’, ‘Fernando de Barros-O Português do Cinemoda’ e ‘Os Homens da Minha Vida’.