PARA QUE SERVE A MATEMÁTICA? – por David Fernandes

Olhemos uma qualquer imagem digital a preto e branco. Se conseguirmos aproximar-nos o suficiente, “fazer zoom”, percebemos que aquela é composta por um conjunto de pequenos pontos que podem ser pretos ou brancos.

Joahnn Radon (1887-1956)

Na verdade, a cor daqueles pontos pode eventualmente ser de toda uma gama de cinzentos, entre o branco e o preto, mas para simplificar vamos assumir que os pontos poderão ser apenas pretos ou brancos.

Tomemos então uma imagem muito simples em forma de quadrado com uma dimensão de 5×5 pontos.

Tracemos agora 5 linhas horizontais e 5 linhas verticais

e contemos por quantos pontos pretos passa cada uma das linhas.

Se calcularmos a percentagem de pontos pretos que cada uma das linhas atravessa, obtemos uma determinada caracterização numérica da imagem.

Num certo sentido podemos dizer que esta imagem é “perfeitamente” representada por duas projecções:

  • Projecção horizontal:
    • L1=0.00
    • L2=0.60
    • L3=0.40
    • L4=0.40
    • L5=0.00
  • Projecção vertical:
    • C1=0.00
    • C2=0.60
    • C3=0.20
    • C4=0.60
    • C5=0.00

De facto, esta nova forma representa (ou pode até dizer-se que é) a imagem, e permite que facilmente percebamos que é uma imagem diferente de, por exemplo, estoutra:

  • Projecção horizontal:
    • L1=0.00
    • L2=0.40
    • L3=0.00
    • L4=0.40
    • L5=0.60
  • Projecção vertical:
    • C1=0.20
    • C2=0.40
    • C3=0.20
    • C4=0.40
    • C5=0.20

Claro que não nos é fácil, olhando apenas para esta lista de números e percentagens, perceber qual a imagem gráfica representada. Talvez com algum treino pudéssemos fazê-lo; fica o desafio. 🙂

Note-se, no entanto, que a forma numérica simplificada aqui apresentada não é capaz de caracterizar de forma unívoca todas as imagens possíveis. Alguns exemplos de imagens diferentes com representações numéricas iguais:

Repare-se que a representação numérica de cada uma destas quatro imagens diferentes é a mesma:

  • Projecção horizontal:
    • L1=0.20
    • L2=0.20
    • L3=0.20
    • L4=0.20
    • L5=0.20
  • Projecção vertical:
    • C1=0.20
    • C2=0.20
    • C3=0.20
    • C4=0.20
    • C5=0.20

Em 1917, o jovem matemático austríaco Johann Radon, na altura com apenas 30 anos, interessado num problema de “reconstrução a partir de projecções” encontrou uma forma de representar numericamente uma imagem, processo que ficaria conhecido como “Transformada de Radon”, e ainda deduziu a operação inversa ou seja, uma fórmula que permite que a partir da representação numérica se reconstrua a imagem original que produziu essas projecções.

Esta operação inversa da “Transformada de Radon” permitiu, em grande medida, que em 1972 o físico sul-africano Allan Cormack e o engenheiro inglês Godfrey Hounsfield desenvolvessem a primeira máquina de tomografia axial computorizada (TAC), trabalho pelo qual foram galardoados  com o Prémio Nobel de Fisiologia/Medicina em 1979.

Allan Cormack (1924-1998)
Godfrey Hounsfield (1919-2004)

De uma forma simplificada, o processo do TAC consiste em fazer raios-x atravessar o corpo em posições bem determinadas (certamente em mais do que duas projecções de 5 linhas e 5 colunas).

Dependendo do tipo de células que atravessam (osso, tecido, cartilagem, etc) estes raios-x sofrem uma espécie de enfraquecimento que é possível de ser medido e que se trata de algo análogo às percentagem nas imagens acima: quanto mais células de osso (pontos pretos) atravessam maior será a percentagem.

Primeiro protótipo de um TAC

Aplicando a função inversa da “Transformada de Radon” a essa lista de “percentagens” é possível construir a imagem do local do corpo atravessado por esses raios:

Longe estaria Johann Radon de pensar que o seu trabalho puramente matemático permitiria, passados quase 70 anos, desenvolver um equipamento tão importante e determinante para a evolução do diagnóstico médico, nomeadamente para casos de doenças do foro oncológico, permitindo salvar tantas e tantas vidas.

E quanto ao desafio?

 

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David Fernandes