TRÊS POEMAS de Daniel Maya-Pinto Rodrigues

A PARTE POSITIVA DA TONTURA

Quando seguir pela estrada fora, com
livros de viagens juvenis nas mãos,
poderei entender melhor a luz das manhãs na estrada,
as árvores da distância nessa luz clara.
Poderei aproximar-me de ti, fora do tempo,
num trilho paralelo ao tempo,
num atalho que o próprio tempo
tenha reservado para nós.
A nossa roupa cintilará ao sol
enquanto andarmos, enquanto prosseguirmos andando
na distância visual perfeita. És
uma mulher que pouco conheço,
e isso é-me do agrado, enquanto caminho contigo.
O nosso diálogo contém as palavras ideais;
nada nos falta nessa distância. Prosseguiremos
livres, despreocupados
e, ao que tudo indica, felizes.

♣♣♣

A AMADA DO POETA
(OS CÁLCULOS SÃO FALÍVEIS)

Depois já será tarde
para te alcançar no caminho por onde avanças.
Aguardo aqui sentado sentindo o afastamento,
procuro calcular bem os tempos e as distâncias,
as capacidades locomotoras dos meus passos
ou até da minha corrida lesta
ao longo desta paisagem ocelada e formosa.
Mas no fundo o que me interessa
é o cálculo e não a prática,
ou quem sabe depois exercite a prática, em
elegante figura cénica,
após o cálculo de
já não te encontrar no caminho.

♣♣♣

ALÉM, AS MANHÃS

Vamos ter com os que estão longe
e vamos encontrá-los nas manhãs com sol.
Já se desmontam as tendas

nas manhãs aquém estrada, movimentos há
na combinação de trajectos.
Dispersão de caminhos,
confluências que trouxeram retornos, pessoas
que se conheceram um dia.
Olha-se em volta e vêem-se as planuras
ao sol; um sol que não queima
e que é agradável; vasto talvez a
mais, nas planuras onde incide.

Já se desmontaram as tendas
nas manhãs aquém estrada, movimentos houve
na combinação de trajectos, na combinação
para que todos se encontrem, um dia.

♦♦♦

Daniel Maia-Pinto Rodrigues nasceu no Porto, em 1960. Publicou, até à data, dezanove livros (poesia, novela e romance). Está representado em antologias poéticas das principais editoras portuguesas. O seu livro Dióspiro – Poesia Reunida (1977-2007), com selecção e organização de Luís Miguel Queirós e José Carlos Tinoco e com um ensaio de Rui Lage sobre a obra do autor, foi considerado, pela Universidade do Minho, o melhor livro de poesia editado em Portugal no ano de 2007.