Viagem a Andara oO livro invisível – de Vicente Franz Cecim

Viagem a Andara oO livro invisível

Fonte dos que dormem

POEMAS

se o Adormecido um dia vem à tona

Suspeita de ti
o Outro

que em Ti
ainda é Semente

Lagos serenos te prometem Assombros

Ouve

o Silêncio

Foto de Paulo Burnay

sob a Estrela de Silêncio

pois tendo Eles vindo,
com Suas Presenças de Ausência em Breve,

para a Fenda que não cicatriza entre Pedra e Musgo
para os Gestos humanos na Penumbra,

eu os chamei Pai e Mãe
Mai e Pãe pudesse ter Chamado,
pois seus Nomes nunca saberei,
na Fenda que não cicatriza,
nos Gestos, na Penumbra

Fontes se dando às sedes de Outras Fontes

Pois somos os que um dia vêm com dia marcado para voltar em nossas Frontes,

em bandos em bandos nos Musgos nos Musgos

Inclinados pelas Auroras

Indo

atender às Sombras nos Crepúsculos

E tu buscas a Semente, e o Dom de voltar para casa, e por onde passas, por toda parte perguntas

  • Onde moram os Espelhos da Carne¿
Foto de Paulo Burnay

Rubro sentimento lento

desamparado
fora do Mistério
na Catedral rompida

como se fosse um homem, e crendo Nisso

Cálice de Vestígios,
sede do Lábio dos Regressos

Das Auroras ao Crepúsculo do Imerso, na penumbra dos Dias

aguarda                    Margem que desperta,

oO que de Si adormece

parecem homens

Cortaram árvores para ter onde sentar

E agora,
da areia olham as Águas até o horizonte

Querem ver o que há depois da última estrela
Sentem o roçar de mãos Antigas se desfazendo

parecem tristes

Estão aí
Calados     Cada um ouvindo

em Si

sua Concha de Silêncio,

sua Areia dos Rumores

Sentem a Falta de alguma coisa,
já não lembram o que é

Foto de Paulo Burnay

E eu te digo

Não se trata
de ir Além do humano

oO Caminho cintila no inverso

vir

Aquém do humano,
regressar ao umanoh

E, assim,
ao Um,

ao Umano

se um Vento parte o Vaso da voz

adormecido agora
águas escuras
alguém alvura amizade das coisas
animal anjo Aquilo
areia árvore asas aves

beber

no Bosque das paixões Bosque sem paixões brancas brisas caminho a carne casinha de terra centeio negro o céu
Chamas cílios cinzas de Serdespanto

As coisas pelas coisas os dias Compaixão Corpo crianças
daquele despertar

Diz-se dorsos lisos

escreve Esfera espanto estranho mundo Fábula

Falar sem boca floresta Andara fontes frutos fundo gaiola grão homem de pó homem
sem ternura homens imensos

inclina inseto intuição

irmã irmã-ave de Serdespanto canta lábios lágrimas leve livro invisível lua sangrando

madeira mãe de Serdespanto

montanhas murmuram

nascido negro negra nela ninguém ninho nome

osso Pai ossos Ouçam

ouvindo palavras pântano pranto passando
perguntas pousar no leite real saber sangue das estrelas seiva semente serpente silêncio sombra sonho

tinta Invisível

tocam túmulo Vento e passagem vindo viram vivendo
voltassem

Foto de Paulo Burnay

*Poemas selecionados pelo autor, do livro Fonte dos que dormem (Editora Córrego, 2015, São Paulo, Brasil) de Vicente Franz Cecim, escritor brasileiro. Cecim nasceu e vive na Amazônia, e o livro é o mais recente passo publicado de sua obra Viagem a Andara oO livro invisível.

♣♣♣

Vicente Franz Cecim é brasileiro, escritor e jornalista. Autor do ciclo literário Viagem a Andara oO livro invisível, no qual há mais de trinta anos transfigura a sua região natal, a Amazônia, em Andara, região verbal metáfora da vida, onde ambienta todos os seus livros. Dos livros visíveis de Andara, os que escreve, emerge o livro invisível, que não escreve, literatura fantasma, segundo o autor, o não-livro, que não é escrito: corpo de um corpo que se sonha. Pela Viagem a Andara recebeu o Grande Prêmio da Crítica da Apca – Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1988. Já foram publicados também em Portugal os livros de Andara: Ó Serdespanto (Íman, 20012) e K  O escuro da semente (Ver o Verso, 2005). Sobre o primeiro, Eduardo Prado Coelho escreveu no Público: Uma revelação extraordinária! (…) O pensamento liberta-se dos seus lastros terrestres e ganha um estatuto de ave, uma leveza de princípio do mundo, uma sageza do fim dos séculos, uma inocência dos extremos. O que faz de Ó Serdespanto um livro inclassificável é que ele é feito do círculo crepitante das histórias que se contam e recontam, do uso visionário das palavras refeitas letra a letra ou a da lenta respiração da terra. E sobretudo de uma demorada aprendizagem do espanto de ser e de não-ser.